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RECURSO ESPECIAL EM MATÉRIA PENAL - PARTE 5

30/04/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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RECURSO ESPECIAL EM MATÉRIA PENAL[1] - PARTE 5

Alexandre Langaro*

1.                     Preparo recursal

2.                     O Código de Processo Penal — CPP — regula a matéria:

Art. 804. A sentença ou o acórdão, que julgar a ação, qualquer incidente ou recurso, condenará nas custas o vencido.

Art. 805. As custas serão contadas e cobradas de acordo com os regulamentos expedidos pela União e pelos Estados.

Art. 806. Salvo o caso do art. 32, nas ações intentadas mediante queixa, nenhum ato ou diligência se realizará, sem que seja depositada em cartório a importância das custas.

§ 1o Igualmente, nenhum ato requerido no interesse da defesa será realizado, sem o prévio pagamento das custas, salvo se o acusado for pobre.

§ 2o A falta do pagamento das custas, nos prazos fixados em lei, ou marcados pelo juiz, importará renúncia à diligência requerida ou deserção do recurso interposto.

§ 3o A falta de qualquer prova ou diligência que deixe de realizar-se em virtude do não-pagamento de custas não implicará a nulidade do processo, se a prova de pobreza do acusado só posteriormente foi feita.

 

3.                     No Supremo Tribunal Federal — STF:

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Matéria criminal. Exigibilidade do preparo para o recurso interposto em ação penal privada. Precedentes. Necessidade de recolhimento dentro do prazo cominado para a interposição do extraordinário. Não ocorrência. Recurso deserto. Precedentes. Regimental não provido.

1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Questão de Ordem no AI nº 209.885/RJ, consolidou o entendimento de que, nos termos do disposto no art. 511 do Código de Processo Civil e, ainda, com amparo na norma do art. 59 do Regimento Interno da Corte, o preparo do recurso extraordinário deve ser efetuado dentro do prazo cominado para sua interposição.

2. Os recursos interpostos em ação penal privada, nos termos do art. 806, § 2º, do Código de Processo Penal e do art. 3º, inciso I, da Resolução nº 479/12 do Supremo Tribunal, exigem o preparo.

3. Regimental a que se nega provimento.[2]

Tanto a decisão singular que negou seguimento ao recurso especial quanto as decisões do STJ que não admitiram o recurso especial, ante a ausência do devido preparo, ferem os princípios constitucionais da presunção de inocência e da ampla defesa. Esta Suprema Corte já consolidou o entendimento de que, em se tratando de crime sujeito à ação penal pública, como no presente caso, as custas só se tornam exigíveis depois do trânsito em julgado da condenação, motivo pelo qual não pode o recurso do réu deixar de ser admitido pela ausência de preparo. Mutatis mutandis, esse entendimento deve ser aplicado ao presente caso, sob pena de violação do princípio da ampla defesa, especialmente porque, ainda que depois de transcorrido o prazo fixado para a complementação, o paciente acabou complementando o preparo, não podendo ser ignorado esse fato[3].

4.                     O STF, assim, exige a feitura do preparo recursal somente na hipótese de recurso extraordinário interposto em ação penal de iniciativa privada.

5.                     A CONSTITUIÇÃO FEDERAL [TODAVIA] NÃO RECEPCIONOU O ART. 806 DO CPP

6.                     O valor da dignidade pessoa humana[4] — fundamento central do postulado republicano — tem no princípio da amplitude da defesa[5] uma de suas mais significativas dimensões normativas, cognitivas e estratégicas. Irrompe daí, decerto, a prevalência do princípio dos direitos humanos[6].

7.                     No STF:

O direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.[7]

A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa — considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) — significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.[8]

8.                     RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO STF

8.1.                  O autor deste artigo ressalva que a sua opinião jurídica sobre o tema ora analisado não conta com o respaldo do STF.

8.2.                  Nem por isso, entretanto, deixar-se-á de questionar — partindo-se da dogmática constitucional/penal, notadamente por meio da invocação de cláusulas pétreas[9] —esse posicionamento, que, pode, claro, ser modificado a qualquer tempo. Assim como ocorre com qualquer outra posição, majoritária ou não, oriunda do STF.

9.                     Vale, contudo, um [re] estudo em profundidade da matéria, a partir de uma base exclusivamente constitucional, considerado, necessariamente, que o projeto é o ser humano. Ser humano que — como centro do sistema do ordenamento jurídico nacional e internacional — prevalece sobre o intuito arrecadatório.

10.                   O que vale por dizer — claro — que a CF [a Constituição Federal] — em momento algum condicionou o resguardo e a promoção do valor da dignidade humana e o exercício — até o exaurimento — da amplitude do direito de defesa[10] [com os meios e recursos a ela inerentes] ao pagamento de qualquer tributo [taxa]. Na CF — nesse sentido:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

XXXV a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

11.                   Os incisos do artigo acima mencionado — e destacados — prevêem o pagamento de tributos como requisito ou pressuposto do acesso ao Poder Judiciário ou para o exercício, à minúcia, do direito de defesa, com os meios e recursos ela inerentes?

12.                   A resposta negativa se impõe. É que — como diversas vezes já se demonstrou neste espaço institucional — onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir[11].

13.                   Donde a desnecessidade de o recorrente extraordinário comprovar a realização do preparo, inclusive — ao contrário do que entende o Supremo, ressalva-se [outra vez] — na hipótese de ação penal de iniciativa privada.

 

                        *Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York

 


[1][Vide, no ponto, do autor deste artigo, o livro “Recurso Especial Letras A e C Passo a Passo”, Thomson, 2006].

[2][ARE 760003 AgR].

[3][HC 95128/RJ].

[4][Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III –  a dignidade da pessoa humana].

[5][Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes].

[6][Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos].

[7][HC 89.176/PR].

[8][HC 85.237/DF].

[9][Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

[11][Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus].

[Alexandre Langaro. Por exemplo, dentre outros, https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=188, https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=194, https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=196].

 

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