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LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA - NÃO RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

17/04/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA - NÃO RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Alexandre Langaro*

1.                     Diz o art. 3º do Código Penal — CP:

Lei excepcional ou temporária

Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

2.                     A Constituição Federal, contudo, determina que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

3.                     A Lei 12.663/2012 — a então chamada ‘Lei da Copa’ — se adéqua ao art. 3º, CP.

4.                     Assim, como lei temporária, esse corpo normativo estabelece:

DISPOSIÇÕES PENAIS

Utilização indevida de Símbolos Oficiais

Art. 30. Reproduzir, imitar, falsificar ou modificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.

 

4.1.                  A Lei 12.663/2012 entrou em vigor na data da sua publicação[1].

4.1.2.               Os tipos penais nela contidos, todavia, vigeram até dia 31/12/2014. Nesse sentido:

Art. 36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014.[2]

4.2.                  É, no ponto, por conseguinte, temporária.

4.3.                  Mas essa lei — a Lei 12.663/2012 — também contém disposições permanentes [arts. 37 a 50].

5.                     CASOS CONCRETOS

                        RETROATIVIDADE

5.1.                  Suponha-se que uma determinada infração penal, prevista na Lei 12.663/2021, tenha sido cometida, por um determinado agente, no dia 1º de agosto de 2014, durante, portanto, a vigência da ‘Lei da Copa’.

5.1.1.               Não considerar-se-á a existência da extinção da penalidade pela ocorrência da prescrição.

5.2.                  Imagine-se, então, a existência de lei descriminalizadora posterior.

5.3.                  Essa lei descriminalizadora poderá retroagir?

6.                     A resposta é positiva, claro. Não obstante tratar-se de lei excepcional ou temporária.

7.                     E por que isso acontece?

8.                     Porque a Constituição Federal prevê — sem exceptuar a lei excepcional ou temporária — a retroatividade da lei que beneficiar o réu. Confira-se mais uma vez o dispositivo ora analisado — direito humano fundamental:

Art. 5º

[...]

XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

9.                     Como já enfatizado neste espaço institucional:

Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir[3].

10.                   Soma-se a isso que a parte inflexível do Direito Penal — da Lei Penal — é formada, inexoravelmente, por cláusulas pétreas[4] [Direito Constitucional interno e Direito Internacional dos Direito Humanos]. Incidindo, assim, analogicamente, por inafastável imposição sistemática, o seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV – os direitos e garantias individuais.

 

11.                   No Direito Internacional dos Direitos Humanos:

 

ARTIGO 5

 

1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele previstas.

 

2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau.

 

ARTIGO 15

 

1. ninguém poderá ser condenado por atos omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional, no momento em que foram cometidos. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinqüente deverá dela beneficiar-se.[5]

 

ARTIGO 9

 

Princípio da Legalidade e da Retroatividade

 

Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado.

 

ARTIGO 29

 

Normas de Interpretação

 

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

 

a) permitir a qualquer dos Estados-Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

 

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;

 

c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e

 

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza[6].

 

12.                   O art. 3º, CP, portanto, não foi recepcionado pela Constituição Federal.

13.                   A retroatividade a que se refere o art. 5º, XL, CF, tem, decerto, plena aplicabilidade à lei excepcional ou temporária. Considerado, no ponto, o sistema normativo piramidal do ordenamento jurídico brasileiro — que tem, por óbvio, no cume, a Carta Federal e não a lei ordinária.

14.                   Não se reduzem liberdades individuais, direitos fundamentais e garantias processuais pela via interpretativa.

15.                   Interpreta-se a lei ordinária de acordo com a Constituição Federal — e não o contrário.

16.                   No STF:

 

De qualquer modo, se se pretende insistir no mau vezo das autoridades brasileiras de inversão da pirâmide normativa do ordenamento, de modo a acreditar menos na Constituição do que na lei ordinária, nem aí teria salvação o processo: nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da União da aplicação subsidiária da lei geral do processo administrativo federal, a L. 9.784/99, já em vigor ao tempo dos fatos. [...][7]

 

INTERPRETAÇÃO — CARGA CONSTRUTIVA — EXTENSÃO.

 

Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na regra de direito o próprio juízo — por mais sensato que seja — sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida" — Celso Antônio Bandeira de Mello — em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este àquele.

 

CONSTITUIÇÃO — ALCANCE POLÍTICO — SENTIDO DOS VOCÁBULOS — INTERPRETAÇÃO.

 

O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios. […][8]

 

                        Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York

 

 

 


[1][Lei 12.663/2012

Art. 71. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Parágrafo único. As disposições constantes dos arts. 37 a 47 desta Lei somente produzirão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2013.

Brasília, 5 de junho de 2012; 191º da Independência e 124º da República].

[2][Lei 12.663/2020].

[5][Decreto 592, que promulga o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 1966 — grifos aditados].

[6][Decreto 678, que promulga Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), 1969 — destacado por conta].

[7][MS 23.550/DF — grifos aditados].

[8][RE 166772/RS].

 

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