Artigo
DA NULIDADE
15/04/2020
- Fonte:
ESA/OABSP
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DA NULIDADE [PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF[1]]
Alexandre Langaro*
1. O CPP — Código de Processo Penal — estabelece:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
2. A leitura desse preceito tem de ser feita a partir dos filtros impostos pela CF — Constituição Federal — e pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos[2].
3. Em sintonia, portanto, com o que se tem sustentado neste espaço.
4. Vale destacar, assim, que, a redação do art. 563, CPP, é ainda a original, de 1941, portanto. Vinda é claro, do Fascismo — regime do Duce Benito Mussolini, ou ditadura de Benito Mussolini ou ditadura fascista[3] — do Código Rocco.
5. Há necessidade, decerto, de se esclarecer o que significa a cláusula, prevista na segunda parte do artigo 563, CPP, segundo a qual não resultar prejuízo para a defesa.
6. A Constituição Federal e o Direito Internacional dos Direitos Humanos têm como ponto essencial — e de partida — o postulado da dignidade da pessoa humana, base maior do Estado Democrático de Direito.
7. Do postulado do Estado Democrático de Direito se extrai o princípio republicano. Princípio republicano que é conducente à racionalidade inerente aos atos praticados pelos Poderes — da União, independentes e harmônicos entre si — Legislativo, Executivo e Judiciário.
8. A acusação é apenas acusação. Não está adjetivada pela CF. O que vale por dizer que a acusação, em termos constitucionais, é, por conseguinte e simplesmente, acusação; acusação não qualificada, portanto.
9. Constitucionalmente, contudo, a defesa — ao contrário do que acontece com a acusação — é adjetivada como plena e ampla. Logo, a defesa é qualificadíssima. Nesse sentido:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.[4]
10. É a partir dessa portentosa qualificação defensiva — não existente, insista-se, no tocante à acusação — que tem de ser [re] lido e [re] interpretado o anacrônico preceito inscrito no art. 563, CPP.
11. Somam-se a isso, ademais, as normas vindas do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Tal e como, por exemplo, dentre outros, os postulados dos processos [criminais ou penais] equitativos e de garantias. É a partir desses postulados e normas que se promove — e se realiza — o postulado da dignidade da humana:
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade[5].
12. A centralidade do postulado universal da dignidade humana não passou desapercebida pelo CED — Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil:
Art. 23. É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado.
Parágrafo único. Não há causa criminal indigna de defesa, cumprindo ao advogado agir, como defensor, no sentido de que a todos seja concedido tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, sob a égide das garantias constitucionais[6].
13. A conclusão é límpida: a segunda parte do art. 563, CPP [se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa] tem de ser lida assim:
[…] se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou POTENCIALIDADE DE PREJUÍZO — QUE SEMPRE SE PRESUME EXISTENTE — para a defesa.
14. É que — tratando-se de violação do valor da dignidade da pessoa humana e dos postulados da plenitude e da ampla defesa — a nulidade, presumida, claro, é bastante à caracterização do prejuízo em potência. [No Direito Penal Humano[7] — reconstitucionalizado dogmaticamente a partir das cláusulas pétreas] — entende-se como prejuízo em potência a possibilidade, embora pequena, de uma futura decisão desfavorável aos interesses e às pretensões defensivas]. Trocando em miúdos: o ato que minimamente puder prejudicar o direito defensivo — refletindo ainda que superficialmente na dignidade da pessoa humana — terá de ser declarado nulo:
Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados.
§ 1º A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência.
§ 2º O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende.
Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York.
[1]["Não há nulidade sem prejuízo"].
[2][CF
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão].
[5][Declaração Universal dos Direitos Humanos — DUDH —1948].