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LEI DE DROGAS ATIPICIDADE DO ACESSO FORTUITO À DROGA ILÍCITA A PROBLEMÁTICA DO TER EM DEPÓSITO

17/05/2021 - Fonte: ESA/OABSP

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LEI DE DROGAS

ATIPICIDADE DO ACESSO FORTUITO À DROGA ILÍCITA

A PROBLEMÁTICA DO TER EM DEPÓSITO

 

1.       O autor deste artigo – sem adentrar, porém, na discussão do tema sobre a atipicidade, ou não, do consumo pessoal a que se refere o art. 28, caput, Lei 11.343/2006[1]–, já elaborou parecer no sentido de que o acesso fortuito à droga ilícita é fato penalmente atípico.

 

2.         É o caso, por exemplo, do ‘fumar’ um cigarro de maconha; o ‘fumar’, em si e por si só, é fato atípico, dado que não está descrito[2] no caput do art. 28, Lei de Drogas.

 

3.         Assim, por exemplo, quem, numa roda de amigos – sem que tenha realizado, antes, qualquer um dos elementos nucleares do tipo de que trata a cabeça do art. 28, LD –, ‘fuma’ um cigarro de maconha, passado por outra pessoa, não comete qualquer infração penal. Dado que o acesso à droga ilícita, nessa hipótese, foi fortuito, aleatório, randômico. Porque a maconha não pertencia ao agente, que a recebeu de uma terceira pessoa, para fumar. O agente, em suma, não adquiriu, não guardou, não tinha em depósito e não transportou a maconha; tampouco, então, a trouxe consigo, para consumo pessoal. Apenas a ‘fumou’. O verbo ‘fumar’, contudo, insista-se, não é elemento da definição legal[3]; ou se se preferir, não integra o tipo do art. 28, LD. Daí, decerto, a atipicidade do ato de ‘fumar’ um cigarro de maconha, no exemplo citado. Incidindo, no ponto, por conseguinte, os arts. 5º, XXXIX, CF[4] e 1º, caput, CP[5].

 

4.         Interessante notar, por outro lado, que, o art. art. 28, caput, LD, menciona a elementar normativa ter em depósito para consumo pessoal. Esse ter em depósito para consumo pessoal – aqui já se está falando, todavia, de um injusto penal culpável – não sinaliza, ao que tudo indica, uma mínima, ou ínfima, quantidade de droga; mínima, ou ínfima, quantidade de droga parece se adequar mais a elementar ter consigo para consumo pessoal; por exemplo, e nesse sentido, uma quantidade de droga equivalente à possibilidade de consumo por uma ou duas vezes. É claro, também, e por outro lado, que não pode ser uma sala cheia de droga – aí, por evidente, configurar-se-á, consumar-se-á, a infração penal a que se refere o art. 33, caput, LD[6].

5.         O problema surge porque, tanto o art. 28, caput, como o art. 33, caput, ambos da Lei 11.343/2006, possuem a mesma elementar normativa, ou nuclearidade típica, ter em depósito. Sim, o art. 28, caput, LD, menciona o consumo próprio. Isso, contudo, é absolutamente insuficiente e, ademais disso, inteiramente irrelevante, na hipótese. Um quilo de droga ilícita se enquadra em qual dos tipos penais? No tipo do art. 28, caput ou no tipo do art. 33, caput, LD? Uso próprio? Tráfico ilícito?

 

6.         Por evidente, não há resposta certa.

 

7.         Tudo dependerá das particularidades que circundam o caso concreto – Direito Penal do Fato[7].

 

7.1.      Um tijolo de maconha, numa mochila, sem qualquer outro elemento de prova revelador do intuito mercantil, pode consumar, à primeira vista, o tipo do art. 28, caput, LD. O consumidor, hipoteticamente, com medo de subir o morro, todos os dias, compra, por exemplo, de uma única vez, o tal tijolo de maconha, para evitar de risco  de vida, de bala perdida[8], do contato com traficantes. Consumando, portanto, em tese, o art. 28, caput, Lei 11.343/2006.

 

8.         Mas pode acontecer, por outra via, que, uma quantidade pequena de droga, quase insignificante, relativa a um único cigarro de maconha, possa se adequar ao tipo do art. 33, caput, Lei 11.343/2006, consumando, teoricamente, o tráfico ilícito de drogas. [Tráfico ilícito, em regra, de varejo, claro, de pequenos dealers, não raro de ‘subsistência’ e ou para ‘manter o vício’; tráfico, no atacado, na ponta, é outra coisa]. [Abstraídas, é claro, no ponto, a altíssima seletividade estrutural do poder punitivo e a maior ou menor quantidade de melanina no corpo humano – o poder punitivo é racista, extremamente racista e, sobretudo, elitista, dado que ataca e ou elege os mais vulneráveis; veja-se, por exemplo, dentre outras tantos, o caso George Floyd, ocorrido nos Estados Unidos, morto pelo poder punitivo informal, malgrado gritar repetidamente ‘Não consigo respirar’ (‘I can not breathe’)]. Nesse sentido, o Cientista Político Jorge Zaverucha, no jornal O Globo, 15/5/2021, revela, no artigo ‘As várias polícias’, na pág. 3, que:

 

Inspirado em José Murilo de Carvalho, diria haver no Brasil cidadãos de primeira, segunda e terceira categorias. São tratados diferentemente pela lei e pelas polícias. O modo como a polícia opera difere tanto a depender do território como de quem lá habita.

 

Os cidadãos de primeira categoria passam por cima da lei e, invariavelmente, nada acontece com eles. Se o sarrafo é alto, passam por baixo. Em sendo raso, pula-se. Os de segunda categoria estão submetidos tanto aos rigores como aos benefícios da lei. Os de terceira não têm direitos protegidos, seja porque não conseguem acesso à Justiça ou porque, quando têm, terminam regularmente prejudicados. Para eles vale apenas o Código Penal. E, acrescentaria, a polícia. As autoridades policiais sabem disso, pois precisam, por ser agentes do Estado, saber com quem estão lidando. Questão de sobrevivência.

 

8.1.      Assim, por exemplo, se, com essa pequena quantidade de droga, for achado bastante dinheiro miúdo [troco], balança, papelotes, produtos químicos, sacos para embalagem, prensas, buchas e outros indícios da mercancia, poderá haver, em princípio, flagrante de tráfico ilícito de drogas, não incidindo, então, no particular, o art. 28, caput, Lei 11.343/2006.

 

9.         Merece destaque, finalmente, o fato de que a quantidade da droga – que pode influir na fixação da pena-base[9] – não pode, todavia, ser considerada como causa de aumento de pena[10], no tráfico ilícito de drogas.

           

Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova Iorque

 


[1][Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (…)].

[2][Art. 14 – Diz-se o crime:

Crime consumado

I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;

Tentativa

II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Pena de tentativa

Parágrafo único – Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços].

[3][Idem].

[4][Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

[5][Anterioridade da Lei

Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal].

[6][Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

IV – vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

[7][Alexandre Langaro, https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/direito-penal-do-fato/#:~:text=todas%20as%20circunst%C3%A2ncias.-,Art.,necess%C3%A1rio%2C%20o%20rol%20das%20testemunhas].

[8][Erro na execução

Art. 73 – Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código].

[9][Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente (Lei 11.343/2006)].

[10][Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

I – a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;

II – o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;

III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

IV – o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;

V – caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

VI – sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

VII – o agente financiar ou custear a prática do crime (Lei 11.343/2006)].

 

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