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RECURSO ESPECIAL EM MATÉRIA PENAL

22/04/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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RECURSO ESPECIAL EM MATÉRIA PENAL [1]

PARTE 1

Alexandre Langaro*

1.                     Diz a Constituição Federal — CF — art. 105, III, a:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.[2]

2.                     A hipótese a que se refere a letra c do permissivo político constitucional é menos frequente — tendo em conta o Direito Penal do Fato[3]. Não é rara, contudo.

2.1.                  É que o dissentimento pretoriano pode existir — exemplificativamente — com uma tese jurídica revelada pelo enunciado de uma súmula dos tribunais superiores.

3.                     O recurso especial em matéria penal segue a ritualística do Código de Processo Civil — CPC:

Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:

3.1.                  Essa remessa ao CPC acontece porque o próprio CPP — o Código de Processo Penal — estabelece que:

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

4.                     E porque isso ocorre?

5.                     Porque o CPP no tocante ao recurso especial dispõe — em apenas um artigo — o seguinte:

Art. 638. O recurso extraordinário e o recurso especial serão processados e julgados no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça na forma estabelecida por leis especiais, pela lei processual civil e pelos respectivos regimentos internos.

6.                     Então, a partir deste artigo, demonstrar-se-á o ‘passo a passo’[4] para a interposição do recurso especial — letra a do art. 105, III, CF.

7.                     A petição, inicial ou não, é sempre dirigida a um juízo:

Art. 319. A petição inicial indicará:

I – o juízo a que é dirigida.[5]

8.                     É erro técnico dirigir a petição — qualquer petição — ao juiz [ou juíza] pessoa natural. Pior ainda se contiver o nome dele [ou dela]. Nesse sentido, o postulado da impessoalidade:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...][6]

9.                     A petição do recurso especial terá de ser direcionada a alguém. Mas a quem? O CPC responde:

Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: [...] [7]          

10.                   O cabeçalho da petição recursal poderá assim ser assim redigido:

À PRESIDÊNCIA[8] DO TRF/3 OU DO TJ/SP

01234567890

RECURSO ESPECIAL

11.                   LINGUAGEM E DESBUROCRATIZAÇÃO DO DISCURSO JURÍDICO

 

12.                   É preciso tornar o discurso jurídico claro, objetivo, preciso e, sobretudo, conciso. Assim — analogicamente[9] — por inafastável imposição sistemática:

 

Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

 

I – para a obtenção de clareza:

 

a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;

 

b) usar frases curtas e concisas;

c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis;

d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente;

e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico;

II – para a obtenção de precisão:

a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma;

b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;

c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto;

d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais;

e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado;

f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto;

g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes;

III – para a obtenção de ordem lógica:

a) reunir sob as categorias de agregação – subseção, seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;

b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;

c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;

d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens[10].

13.                   O texto ideal de um recurso especial — assim como o de qualquer outra peça jurídica — é aquele que mais consegue se aproximar — tanto quanto possível — a de um editorial de um jornal de primeiríssima linha: curto, fundamentado e de leitura prazerosa. Decerto com o máximo de informação com o mínimo de escrita.

14.                   O autor deste artigo denomina postulado da máxima eficácia literária esse máximo de informação com o mínimo de escrita.

15.                   A redação jurídica, portanto, tem de ser acessível a todos:

Há um mundo que as pessoas comuns não conhecem, que se desenvolve nas universidades, nos institutos de pesquisa, nas associações internacionais regionais e mundiais, nos foros e as pós-graduações, com uma literatura imensa, que alcança porções siderais, de dimensão tamanha que ninguém pode dominar individualmente. É mundo dos criminólogos e dos penalistas. As corporações os ignoram e quando lhes cedem algum espaço, os técnicos se expressam em seu próprio dialeto, incompreensível para o resto dos humanos.

O desafio consiste em abrir esses conhecimentos, não para pontificarmos a partir da ciência com a solução, nem para sermos os iluminados que, corrigindo o velho Patão, pretendemos nos colocar com um criminólogo-rei, mas sim para mostrarmos o que se pensa e o que se sabe até agora. E também para fazer a autocrítica do que dizemos, porque, certamente, tampouco temos uma história e genealogia feitas somente de prestígio, dado que, muitas vezes, nossos colegas legitimaram o ilegitimável até limites inacreditáveis.[11]

 

15.1.                Irrompe daí que:

O ENCAPSULAMENTO DA DOGMÁTICA

À diferença das ciências sociais e políticas — que acentuam o seu interesse histórico —, o saber jurídico-penal vai omitindo a história ou a separa, e até difunde a ideia de que os estudos históricos não oferecem utilidade alguma para a praxe jurídica. Este fenômeno não só afasta a história de si, mas também faz parte de um sensível isolamento da ciência jurídico-penal em relação às ciências sociais e inclusive das políticas, o que é muito perigoso quando se trata de um saber que pretende orientar decisões de um poder do Estado que, como tal, não pode menos que ser político e aspirar a projetar-se com efeitos sociais.

Entretanto, seu encapsulamento progressivo parece inesgotável, pois tudo indica que vai isolando-se da filosofia também, esquecendo que o direito penal é filosofia, nasceu como filosofia e, em especial, deixando de lado seu capítulo fundamental, que é a antropologia filosófica, quer dizer, a problematização filosófica do conceito mesmo do humano. Estes temas se abandonam em monografias, reservadas a pesquisadores de laboratório acadêmico, que não chegam ao estudante nem aos operadores do sistema de justiça e que, além disso, subestimam-se como escassos ou de nulo valor prático[12].

16.                   No Manual de redação do jornal O Estado de S. Paulo:

 

1 – Seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. Use frases curtas e evite intercalações excessivas ou ordens inversas desnecessárias. Não é justo exigir que o leitor faça complicados exercícios mentais para compreender o texto.

2 Construa períodos com no máximo duas ou três linhas de 70 toques. Os parágrafos, para facilitar a leitura, deverão ter cinco linhas datilografadas, em média, e no máximo oito. A cada 20 linhas, convém abrir um intertítulo.

3 A simplicidade é condição essencial do texto jornalístico. Lembre-se de que você escreve para todos os tipos de leitor e todos, sem exceção, têm o direito de entender qualquer texto, seja ele político, econômico, internacional ou urbanístico.

4 Adote como norma a ordem direta, por ser aquela que conduz mais facilmente o leitor à essência da notícia. Dispense os detalhes irrelevantes e vá diretamente ao que interessa, sem rodeios.

5 A simplicidade do texto não implica necessariamente repetição de formas e frases desgastadas, uso exagerado de voz passiva (será iniciado, será realizado), pobreza vocabular, etc. Com palavras conhecidas de todos, é possível escrever de maneira original e criativa e produzir frases elegantes, variadas, fluentes e bem alinhavadas. Nunca é demais insistir: fuja, isto sim, dos rebuscamentos, dos pedantismos vocabulares, dos termos técnicos evitáveis e da erudição.

6 Não comece períodos ou parágrafos seguidos com a mesma palavra, nem use repetidamente a mesma estrutura de frase. [...][13]

 

17.                   A tudo isso se soma ademais o CPC:

 Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

 

                        Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York

 

 

 


[1][Vide, no ponto, do autor deste artigo, o livro “Recurso Especial Letras A e C Passo a Passo”, Thomson, 2006].

[2][Grifos aditados].

[4][Idem].

[5][CPC].

[6][Constituição Federal].

[7][Grifos acrescentados].

[8][OU À VICE-PRESIDÊNCIA].

[9][LINDB — Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro].

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito].

[10][LC 95/1998].

[11][Eugenio Raul Zaffaroni. A questão criminal. 2019. Pos. 87 de 6818. Kindle/Amazon. Sem o grifo no original].

[12][Eugenio Raul Zaffaroni. Doutrina Penal Nazista. A dogmática Penal alemã entre 1933 a 1945. Ed. Tirant Lo Blank. 2019. p. 12. E-book. O texto no livro contém notas de rodapé].

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