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PAGAMENTOS INTERNACIONAIS: CLÁUSULAS DE GARANTIAS, SEGURO E CRÉDITO DOCUMENTÁRIO

24/04/2013 - Fonte: Everson Tobaruela

O objetivo do presente artigo é apresentar uma visão global sobre os pagamentos internacionais através da edição de cláusulas de garantia, seguros e a formação do crédito documentário.

Autor: Everson Tobaruela [1]

Palavras-chave: Pagamento. Cláusulas. Seguro. Crédito Documentário.

Abstract

              The aim of this paper is to present an overview of international payments through editing warranty clauses, insurance and training of documentary credit.

Keywords: Payment. Clauses. Insurance. Documentary Credit

Sumário: Introdução. 1 Cláusulas de Garantia. 1.1.clausulas bancárias. 1.2. Natureza autônoma e automática das garantias bancárias. 1.3. Modalidades. 2.Seguros. 2.1.Cláusulas de Seguros. 2.2.MIGA – Agência Mundial de Garantia para Investimento. 3. Crédito Documentário. 3.1 Vantagens do Crédito Documentário. Conclusão. Bibliografia

Introdução

              A aventura da humanidade sempre foi marcada por infortúnios de toda ordem. As tragédias e as desgraças que abatem os homens são uma constante, provocando perdas de vidas e de patrimônio, sendo histórica a arguta frase de Montesquieu de que “a adversidade é a nossa mãe, a prosperidade é apenas nossa madrasta”.

              Presos às adversidades da vida e às angústias das necessidades, os homens necessitam de bens materiais para a resolução de suas vidas terrenas, o que gera um natural apego aos bens da vida – uns mais, outros menos –, mas sempre inclinados a essa indiscutível verdade.

              Aliás, não toca como exagero quando se diz que “os homens esquecem a morte do pai antes que a perda do patrimônio” (Maquiavel).

              Desastres horríveis e cinematográficos que vão desde o Titanic até ao World Trade Center revelam que absolutamente ninguém escapa das contingências da vida. É uma morte, um acidente, um incêndio, uma enchente, um desabamento, em qualquer momento, em qualquer lugar. Tudo isso assusta o homem e causa enorme sofrimento, perturbando o seu instinto de sobrevivência.

              Tentando entender a vida, os homens logo percebem que a vida ultrapassa qualquer entendimento e o sofrimento causado pelas perdas cria um sentimento de união, de solidariedade entre os homens, não porque ficaram bons e purificados, mas porque aquela é um fator imprescindível para superação das dificuldades, que, em quantidade e qualidade, são maiores que os homens.

  1. Cláusulas de Garantia

              As garantias contratuais representam mecanismos ajustados entre as partes contratantes para reforçar o cumprimento de determinadas obrigações, proporcionando melhores condições para a realização do crédito.

              No direito brasileiro, contamos com garantias reais, tais como caução, penhor, hipoteca e anticrese e garantias pessoais, como a solidariedade, aval e fiança.

              Quando falamos em cláusulas de garantia em contratos internacionais do comércio, é normal que as partes estejam se referindo a uma garantia de pagamento, cumprimento da obrigação contratada. Desta forma, não só a obrigação relacionada ao pagamento deve estar protegida, mas também devem ser resguardados todos os demais eventos relativos a execução do contrato que estejam sujeitos ao inadimplemento de qualquer das partes.

              Sobre a importância das cláusulas internacionais preleciona o Prof. Irineu Strenger:

As cláusulas de garantia são o próprio cerne dos contratos internacionais do comércio. Sua eficácia, maior ou menor, determinará a boa execução e cumprimento das obrigações avençadas, permitindo consolidar a confiança recíproca das partes.”[2]

              Na prática, verificamos que nos contratos internacionais sempre há estipulação de alguma forma de garantia, pois negociar contratos com boas formas de garantia passou a ser uma tendência natural no mundo globalizado.

              Vale ressaltar que as cláusulas de garantia muitas vezes se distanciam dos impositivos legais existentes nos ordenamentos internos dos países das partes contratantes.

              Geralmente dá-se grande ênfase às chamadas garantias bancárias, principalmente quando se contrata uma compra e venda em âmbito internacional, mas também observamos o aumento de cláusulas de garantia que envolvem o denominado controle de qualidade, obtido por processos certificadores especializados nas atividades às quais se vinculam.

              Mas é nas garantias bancárias, cujas modalidades são de número cada vez mais variado, que verificamos frequentemente o distanciamento das cláusulas de garantias dos dispositivos legais existentes nos ordenamentos internos.

              Segundo o Prof. Irineu Strenger[3], não se pode esquecer a distinção que a Câmara de Comércio Internacional de Paris estabelece em suas Regras Uniformes, apontando três tipos de garantias a título de referência, a saber: 1) Garantia de licitação, em razão da qual o garantidor se obriga a realizar desembolso em favor do beneficiário, no caso de o ordenador deixar de cumprir as obrigações derivadas de sua oferta. 2) Garantia de boa execução, mediante a qual o garantidor se obriga a realizar desembolso em favor do beneficiário ou, se a garantia prevê e por escolha do credor, assegurar a execução do contrato caso o ordenador não cumpra devidamente o que foi ajustado com o beneficiário. 3) Garantia de reembolso, em razão da qual o garantidor se obriga a realizar o desembolso, no caso de o ordenador não pagar, de acordo com as condições do contrato celebrado entre o mencionado ordenador e o beneficiário, a quantia adiantada ou paga pelo ordenador.  

              Enfim, a garantia não é senão o produto da vontade contratual, razão pela qual revela uma variedade enorme de modalidades, como as garantias a seguir mencionadas que, evidentemente, não esgotam a totalidade das modalidades de garantias existentes, mas abarcam aquelas que são utilizadas com maior frequência em negócios internacionais.

  1. Garantias Bancárias

              Como já dito anteriormente, as garantias bancárias são uma modalidade de garantia muito utilizada no comércio internacional, tendo sido objeto de análise detalhada pela Câmara de Comércio Internacional (CCI), em sua brochura de nº 325, e compõe-se de três partes: (i) o ordenador, (ii) o beneficiário e o (iii) garantidor, que é o banco ou seguradora que concede a garantia por ordem do ordenador e em favor do beneficiário, mediante o pagamento de um valor por parte do ordenador, geralmente independente das outras partes.

              A menção às companhias seguradoras explica-se, pois nos Estados Unidos e Inglaterra os bancos são vedados a outorgar garantias. São as seguradoras “bonding company” que, nesses países, outorgam certos tipos garantia. Desta feita, a relação de crédito / débito estabelecida entre credor e devedor é garantida por uma terceira pessoa, que poderá ser acionado pelo credor e, neste caso, deverá satisfazer a obrigação do devedor.

              A obrigação cujo cumprimento se garante pode ser:

  1. Pagar determinada quantia em dinheiro;
  2. Fazer a devida entrega de bens;
  3. Executar o compromisso de construção.

              Vale ressaltar que novos elementos poderão ser adicionados à referida estrutura, agregando-lhe maior complexidade, pois as garantias não se esgotam nas hipóteses elencadas, podendo as partes convencionar ou criar as garantias que melhor possas sustentar as obrigações convencionadas.

  1. Natureza autônoma e automática das garantias bancárias

              As garantias bancárias surgem em função de um contrato de base e visam assegurar o beneficiário contra o risco de inadimplemento contratual por parte do ordenador da garantia e, em última análise, assegurar os interesses econômicos do beneficiário da garantia.

              Em sua modalidade tradicional, como no contrato de fiança, ela é acessória a um contrato de base. Mas há outra forma de garantia em que ela se desvincula do seu contrato de base. Nestes casos a garantia se reveste do caráter autônomo, ou seja, a garantia deixa de ser acessória ao contrato que lhe deu origem, passando a ter vida própria, ainda que não totalmente independente.

              Tais garantias permitem ao beneficiário a sua execução através de simples solicitação formal, cumprindo à entidade garantidora honrar a garantia, sem apurar os fatos relacionados ao inadimplemento do contrato de base. Por este motivo, estas garantias são também conhecidas como garantias automáticas.

              As garantias bancárias autônomas e automáticas se diferenciam da fiança bancária, pois esta é acessória do contrato de base, sendo certo que ela acompanha a sorte deste, de maneira que, por exemplo, o fiador pode opor exceções ao pagamento, do mesmo modo que pode o devedor fazê-lo.

              Elas também se diferenciam da caução, uma vez que no contrato de caução é o próprio devedor que efetua a caução em favor do credor, enquanto que nas garantias bancárias autônomas o banco irá, com seu patrimônio, garantir a obrigação do ordenador da garantia.

              Ainda não há um entendimento uniforme na doutrina sobre a validade das garantias autônomas, havendo argumentos contrários à validade, no sentido de que não existe obrigação sem causa, com exceção de alguns ordenamentos jurídicos que o permitem, ou no sentido de que a garantia à primeira demanda, que é espécie do gênero garantia autônoma, conteria uma cláusula potestativa e, portanto, não seria admitida sua validade.

              O fato é que elas são usadas e executadas no âmbito do comércio internacional, embora existam argumentos sustentados pela doutrina acerca da invalidade das garantias autônomas.

              Os doutrinadores discorrem sobre duas modalidades de garantias automáticas, quais sejam, as garantias à primeira demanda e as garantias documentárias.

  1. Garantias autônomas à primeira demanda: a sua característica é que o banco garantidor, assim que solicitado pelo beneficiário da garantia, deverá honrar a garantia, efetuando o pagamento ao beneficiário e sua execução é automática, bastando ao beneficiário manifestar por escrito ao banco sua intenção de executar a garantia. Na prática, os bancos usualmente comunicam o ordenador sobre o recebimento da referida notificação, de forma a averiguar a possível ocorrência de fraude ou abuso de direito por parte do beneficiário ao solicitar a execução da garantia. Os doutrinadores ainda discorrem sobre a recusa do banco garantidor em honrar a garantia, sendo intrínseco à autonomia da garantia que o banco não possa opor exceções ao beneficiário para escusar-se de pagar a garantia. Entre os motivos geralmente aceitos para a recusa do cumprimento da garantia por parte do banco estão a fraude do beneficiário, o conluio entre o ordenador e o beneficiário e, por fim, o abuso de direito por parte do beneficiário.
  2. Garantias documentárias: a sua execução depende da comprovação do inadimplemento contratual por parte do ordenador. Esta comprovação é efetivada através da apresentação de alguns documentos pelo beneficiário.Exemplo: o beneficiário poderá apresentar ao banco garantidor um certificado de descumprimento de contrato exarado por um perito, ou um laudo arbitral ou sentença certificando o não cumprimento da obrigação por parte do ordenador. O formalismo destas garantias é grande, sendo que o mesmo praticamente descaracteriza esta modalidade de garantia como automática, razão pela qual as garantias documentárias não são usadas em larga escala na praxe do comércio internacional. 

1.3.   Modalidades

              As garantias bancárias são geralmente classificadas de acordo com o objeto que procuram resguardar, como demonstraremos a seguir:

 

  1. Repayment Bond: é também conhecida como “advance payment bond” ou garantia de restituição de pagamento antecipado. Tem por objetivo assegurar a devolução do pagamento antecipado feito pelo comprador ao vendedor. Em geral assegura o valor principal e é emitida quando do pagamento do sinal e se encerra quando o cumprimento do contrato é de tal sorte a cobrir o valor do sinal já pago. A garantia também poderá ser executada pela diferença entre o valor pago a título de sinal e o valor do serviço efetivamente prestado pelo ordenador da garantia. Esta garantia é muito comum nos contratos de construção civil. O valor deste tipo de garantia é no geral de 5% a 20% do valor do contrato de base.
  2. Bid Bond (garantia de oferta): exigida de vendedores que participam de concorrência pública e conhecida como “tender guarantee” ou garantia de licitação. Tem a finalidade de cobrir o risco de o proponente não vir a celebrar o contrato com a Administração Pública. Neste caso, o órgão licitante poderia executar a garantia como forma de compensação do custo em que incorrerá ao abrir nova licitação. Uma vez adjudicada a licitação e assinado o contrato entre a Administração e o particular, a garantia poderia se converter em garantia de execução de contrato, a fim de garantir o adimplemento contratual por parte do licitante vencedor. O valor deste tipo de garantia no geral varia entre 1% a 5% do valor do contrato de base.
  3. Retention Money Bonds: Também conhecidas como garantias de retenção – Esta garantia é usada no ramo da construção civil nos contratos turn key e visa cobrir o risco de defeitos ou vícios a serem verificados paulatinamente na execução da obra de engenharia. Se não houvesse a garantia, o contratante reteria parte do preço a ser pago ao prestador de serviço, sendo que tal montante somente seria liberado após determinado prazo e após ter sido emitido laudo técnico atestando que aquela etapa da obra fora concluída a contento do beneficiário da garantia. Entretanto, com a garantia, o contratante paga integralmente o preço ao contratado e, se constatados vícios ou defeitos na obra, executa a garantia. O valor deste tipo de garantia é no geral 5% do valor da obra.
  4. Maintenance Bonds (garantia de manutenção): Garantia especialmente usada para assegurar a manutenção e/ou funcionamento de máquinas, equipamentos e instrumentos. O prestador do serviço, tão logo conclua a obra, receberá o preço pelo serviço prestado. Deverá ser negociado o valor da garantia considerando-se os custos e danos decorrentes do não cumprimento do contrato por parte do contratado e todos os elementos técnicos e operacionais relacionados com a garantia devem estar perfeitamente identificados no instrumento de garantia. O contratante poderá executar a garantia, caso constate vícios ou defeitos da obra, após sua conclusão. Esta garantia visa resguardar a manutenção das condições de estado e funcionamento da obra, tal como quando entregue.
  5. Stand-by Letter of Credit (Carta de Crédito à Primeira Solicitação): As cartas de crédito à primeira solicitação são modalidades de garantia largamente utilizada por bancos de todos os países, porém é mais conhecida nos Estados Unidos, de onde se origina, e no Canadá. Tais instrumentos podem servir como facilitação do pagamento ou como meio de garantia. Para fácil compreensão, a carta de crédito à primeira solicitação é um crédito aberto por um das partes contratantes, junto a uma instituição financeira, em benefício de outra. O Banco emitente Standby assegura o pagamento no caso de inadimplemento da obrigação por parte do devedor original (importador). O beneficiário (exportador) está autorizado, em rega, a sacar uma letra (saque) à vista contra o Banco Emitente e, normalmente, este solicita que o referido saque seja apresentado junto com cópias dos documentos de embarque e de documento em que declare não haver recebido o pagamento devido. No ato do pagamento ao beneficiário, a instituição debita o montante da garantia na conta daquele que solicitou a abertura do crédito, ou converte esta operação em empréstimo, caso referida conta não apresente fundos disponíveis. A Standby pode ser utilizada nas mais variadas situações, tais como:

a)Performance Standby: garante a obrigação de desempenhar/cumprir a obrigação, incluindo a finalidade de cobrir perdas decorrentes de atrasos ou falta de pagamento;

b)Advance Payment Standby: garante a obrigação sobre o adiantamento de um pagamento feito pelo contratante;

c)Bind Bond/Tender Bond Standby: garante obrigações decorrentes de uma proposta em concorrência;

d)Counter Standby (Contra Sandby): garante a emissão de uma Standby separada ou outro compromisso pelo beneficiário da Stanby;

e)Financial Standby: garante a obrigação de pagar em dinheiro, incluindo qualquer instrumento que evidencie uma obrigação de reembolsar dinheiro emprestado.

f)Insurance Standby: garante uma obrigação de seguro ou de resseguro.

  1. Escrow Accounts: Também chamadas de contas bloqueadas. Este mecanismo basicamente se traduz pelo depósito de determinado montante em um banco, valor este que fica bloqueado a crédito do devedor da obrigação e somente é liberado quando do cumprimento de determinada condição. Trata-se de contrato bancário, que é celebrado entre o banco e o depositante, sendo que os fundos ficam bloqueados sem que o depositante possa sacar ou dispor de tais valores. Estas contas podem servir como modalidade de pagamento ou como modalidade de garantia. Nestas há participação de um intermediário, geralmente uma instituição financeira, que é a depositária do montante. Sendo constatado o cumprimento do contrato, a instituição financeira liberará o valor ao devedor da obrigação do contrato de base. Este tipo de contrato se assemelha ao negócio fiduciário, tal como regulado pelo Código Civil Brasileiro e é utilizado na praxe bancária brasileira. O escrow agreement deve regular a forma como o banco deverá apurar o cumprimento da obrigação, o tipo de remuneração do depósito, o momento de sua liberação e o destino de eventual saldo apurado.
  2. Performance Bond (Garantia de desempenho): Também conhecida como garantia de execução, visa cobrir o risco do descumprimento do contrato por parte do ordenador da garantia, podendo ser tal descumprimento representado, dentre outros, pela mora no cumprimento do contrato, pela imperfeição das prestações, ou pela inadequação das prestações e/ou do resultado. De acordo com a definição fornecida pela Brochura 325 da Câmara Internacional de Comércio, o garantidor se obriga a pagar ao beneficiário da garantia uma indenização/multa dentro de um limite de valor estabelecido. Tal garantia poderia ser fracionada em tantas quantas fossem as prestações do contrato, como, por exemplo, garantia de entrega de determinado produto em tal local em determinada data. Porém, cada uma destas garantias não cobriria isoladamente a totalidade do risco do contrato. Por tal motivo, geralmente, a garantia é única e denominada “de desempenho global” e pode ser desmembrada em garantias atreladas a fases específicas do contrato. Pode ser acordado que a garantia deixe de existir somente quando o beneficiário entregue o documento da garantia ao banco garantidor, opção que confere ao beneficiário o mais amplo poder sobre a vigência da garantia. O valor deste tipo da performance bond é, no geral, de 10% do valor do contrato de base. No caso de concorrência pública, esta garantia está geralmente combinada com uma Bind Bond.
  3. Red Clause: Trata-se de cláusula que permite o pagamento parcial ou total do valor do crédito, previamente ao embarque da mercadoria, ou seja, sem a apresentação de documentos. O pagamento é feito contra recibo, representando, na prática, um pagamento antecipado e te a finalidade de fornecer suporte financeiro para que o beneficiário possa produzir a mercadoria.
  4.  Back-to-back Credits: Esta expressão é utilizada no plural em virtude de compreender dois créditos. É utilizado em operações triangulares, onde um intermediário/cpmprador atua como vendedor ao comprador final. Deste o intermediário exige um crédito – 1º crédito. Com base neste 1º crédito, que servirá de garantia da nova operação, o intermediário solicita a emissão de um 2º crédito, em favor do produtor dos bens.
  5. Transferable Credit: Através deste mecanismo, o 1º beneficiário tem o direito de solicitar ao Banco Transferidor, nos termos da publicação 500 da CCI, que coloque o crédito, no todo ou em parte, à disposição de outro beneficiário. A não ser que o crédito estipule expressamente de outra forma, o crédito só poderá ser transferido uma única vez, mas pode o 2º beneficiário fazer a sua retransferência ao 1º beneficiário. È importante ressaltar que a Carta de Crédito só será considerada transferível se nela constar a palavra transferable. O negócio que envolve um crédito transferível decorre, geralmente, de uma operação triangular, onde o 1º beneficiário é um intermediário na relação comercial.      
  1. Seguros
    1. Cláusulas de Seguro

              Os contratos internacionais podem também se valer de cláusulas de seguro para cobrir os riscos da operação comercial contratada. O nosso ordenamento jurídico interno, mais precisamente o artigo 757 do Código Civil, define o contrato de seguro da seguinte forma:

“Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.”

              Nesta modalidade de contrato, haverá uma companhia seguradora na posição de intermediária da relação comercial entre credor e devedor, a qual, mediante remuneração específica acordada entre seguradora e segurado, irá cobrir o risco da operação.

              Vale destacar que os contratos de seguro se distinguem dos contratos de garantia porque naqueles, o beneficiário do seguro visa se prevenir contra evento futuro e incerto e nestes, o risco é mais previsível, pois que se trata de risco de descumprimento de contrato.   Também em relação às coberturas verificamos diferenças entre seguro e garantia, uma vez que nos contratos de seguro, a cobertura é limitada aos eventos descritos na apólice, enquanto que nos contratos de garantia bancária autônoma o garantidor honrará a garantia independentemente da extensão do evento ocorrido.

              Os contratos de seguro variam em função do risco coberto. Há organismos internacionais, como o COFACE - Compagnie Française d´Assurance pour le Commerce Extérieur,  que oferecem em suas carteiras seguros de variadas modalidades, sendo muito comum os seguros que cobrem os riscos atinentes ao comércio exterior. Os riscos cobertos pelas seguradoras são os mais variados, porém, para fins do presente estudo, ater-nos-emos ao risco político. 

              Passaremos a expor abaixo uma classificação dos riscos políticos, elaborada por A Kritzer, citado por Margareth Leister em sua obra “Aspectos Jurídicos do Countertrade”[4]:

  1. Risco de Violência Política (guerra, terrorismo, revolução);
  2. Risco Oriundos de Fatos do Príncipe (nacionalização, alterações legislativas, modificações na política econômica);
  3. Risco de Modificações de Política Tributária, Política Externa e Política Cambial.

              A sigla “PRI – Political Risk Insurance” identifica os seguros que cobrem os riscos políticos

  1. MIGA – Agência Mundial de Garantia para Investimento

              Em reunião anual em Seul, o Quadro de Governadores do Banco Mundial aprovou a Convenção de MIGA que passou a ser aberta à assinatura. Diante da necessidade de ratificação da Convenção por parte de cinco países exportadores de capital e de quinze países importadores de capital, junto ao imperativo de subscrição de pelo menos um terço do capital autorizado, fizeram com que a MIGA só se tornasse realidade em abril de 1988.  Em 23 de março de 1990 o Brasil firmou a Convenção, que foi aprovada em 16 de setembro de 1992, através do Decreto Legislativo n. 66.”[5]

              A MIGA[6] funciona como uma agência seguradora de investimentos internacionais e visa não só atuar como garantidora como também oferecer condições capazes de favorecer os investimentos internacionais, conforme dispõe o art. 11 da Convenção, poderá segurar investimentos considerados elegíveis contra perdas resultantes de um ou mais dos seguintes tipos de risco:

a) Transferências: a introdução, por qualquer governo receptor de investimentos, de restrições para a transferência ao exterior do seu território de sua moeda para conversão a uma moeda de curso livre ou a qualquer moeda aceitável para o depositário da garantia, incluindo a não-adoção, por parte desse Governo, de providências para reagir dentro de um período razoável de tempo ao pedido do citado depositário no sentido de realizar a transferência em questão;

b) Expropriação e Medidas Assemelhadas: qualquer ação ou omissão legislativa ou administrativa atribuível ao governo receptor que tenha o efeito de privar o titular de uma garantia da sua propriedade ou seu controle, ou de um lucro substancial provindo do seu investimento - com exceção de medidas não-discriminatórias de aplicação geral que os governos normalmente adotam com a finalidade de regular as atividades econômicas em seus territórios;

c) Quebra de Contrato: qualquer repúdio ou quebra de contrato por parte de um governo em relação ao titular de uma garantia, quando (a) o titular da garantia não tiver recurso a meios judiciais ou de arbitragem para determinar a indenização correspondente, ou (b) uma decisão por parte desses meios não for comunicada no período de tempo razoável prescrito nos contratos de garantia de acordo com os regulamentos da Agência, ou (c) quando uma decisão desse gênero não possa ser executada; e

d) Guerras e Distúrbios Civis: qualquer ação militar ou distúrbio civil em qualquer território do país receptor, parte da Convenção.

              Prossegue o artigo indicando que não serão cobertas perdas resultantes das seguintes circunstâncias:

  1. qualquer ação ou omissão governamental com a qual o titular da garantia estiver de acordo ou pela qual ele for responsável; e
  2. qualquer ação ou omissão governamental ou qualquer outra circunstância que ocorra antes da conclusão do contrato de garantia.

              Qualquer pessoa física ou jurídica poderá candidatar-se a uma garantia da Agência desde que:

i) a pessoa jurídica seja cidadão de país-membro diferente do país receptor;

ii) a pessoa jurídica esteja estabelecida e tenha sua principal sede de atividades em um país-membro ou tenha como detentores do seu capital um país-membro, países-membros ou cidadão desses países, desde que em nenhum desses casos se trate do país receptor; e

iii) a pessoa jurídica em questão, independentemente do fato de ser de propriedade privada ou não, opere em bases comerciais.

              Mister salientar que é necessária a aprovação do país receptor dos investimentos, para que a MIGA assine os contratos de garantia com o investidor, para fins de eventual e sub-rogação nos direitos do investidor indenizado em face do país receptor do investimento.

3.Crédito Documentário

              O crédito documentário, também conhecido como carta de crédito, tem sua origem no período da Primeira Grande Guerra Mundial, em razão da necessidade de se buscar meios e mecanismos que controlassem e diminuíssem os riscos econômicos e políticos que existiam nas operações de comércio internacional.

              O crédito documentário possui especial relevância em operações realizadas entre pessoas ausentes e foi criado em razão da necessidade de se estabelecer um mecanismo seguro através do qual o vendedor da mercadoria poderia ter a certeza de que receberia o preço acordado pela venda, enquanto que, por outro lado, o comprador teria a confiança de receber o produto conforme anteriormente avençado.

              O crédito documentário é, por sua natureza, uma transação distinta do contrato que lhe tenha servido como base e de modo algum envolve ou obriga o banco em relação ao seu objeto, mesmo que alguma referência a tal contrato esteja incluída no crédito documentário. 

              A operação que envolve a carta de crédito consiste no fato de que o importador/comprador solicita a um banco de sua confiança a emissão de um crédito documentário por meio do qual o exportador/vendedor possa receber o pagamento da quantia determinada, assim que todas as condições da operação mercantil contratada estiverem cumpridas. A comprovação do cumprimento de tais condições se dá através da apresentação dos documentos correspondentes ao banco emissor.

              O crédito documentário consiste, assim, em um instrumento que gera a obrigação do banco emissor de realizar um pagamento em dinheiro mediante a apresentação de determinados documentos.

              Há deste modo uma operação pela qual o banco emissor, de acordo com instruções do comprador de uma mercadoria, se compromete a pagar, por este, ao terceiro exportador/vendedor, contra a entrega dos documentos exigidos, o respectivo preço.

              Dentro desta modalidade, o importador requer a um banco de sua praça, a abertura (emissão) de uma carta de crédito no exterior, em favor do exportador da mercadoria. Este pode vir a receber o valor respectivo diretamente do banco emitente, ou através de um outro banco em seu país.

              Sendo assim, verificamos que o crédito documentário é um compromisso bancário, onde o vendedor terá o banco emissor como o seu pagador, em lugar de confiar na capacidade e/ou na disposição de pagar do comprador.  

  1. Vantagens do Crédito Documentário

VENDEDOR

COMPRADOR

Assegura o pagamento no prazo contatado.

Assegura o pagamento no cumprimento integral contrato.  

Garante o recebimento do crédito através de um banco em seu próprio país. 

Garante a presença de um terceiro, um banco, sobre o qual ambos depositam sua confiança e que tem experiência no exame da documentação decorrente do negócio celebrado.

Garante o recebimento à vista ou se ajustado à prazo, confere liquidez com desconto dos saques aceitos.

Confere a possibilidade de obtenção de financiamento bancário.

 

              O regime jurídico da carta de crédito, bem como todas as regras pertinentes a sua abertura, negociação e liquidação, são estabelecidos pela Brochura 500, em vigor desde 1º de janeiro de 1994, que consiste em uma Consolidação de Usos e Costumes Uniformes para os Créditos Documentários, editada pela Câmara de Comércio Internacional. Esta organização, com sede em Paris, foi a precursora na regulamentação da matéria, quando em 1933 criou a primeira edição das R.U.U. (Regras e Usos Uniformes relativos a Créditos Documentários).

              A Brochura 500 é a regulamentação mais utilizada no comércio internacional neste tema, à exceção das operações que envolvem comerciantes americanos, cujo regime é regido pelo U.C.C. É importante destacar que seu artigo 1º é bastante claro ao estabelecer que somente serão amparadas pelas normas nela contidas as operações que expressamente as vincule neste sentido, não sendo possível a vinculação parcial às suas regras.

              A conceituação genérica do crédito documentário, por sua vez, é realizada pelo art. 2º in verbis: “Para os fins destas Regras, as expressões crédito(s) documentário(s) e carta(s) de crédito “stand by”, aqui usadas, significam qualquer acordo, independentemente de sua denominação ou descrição, pelo qual um banco (o banco emitente), agindo a pedido e por instruções de um cliente (o tomador do credito),deve efetuar um pagamento a terceiro (o beneficiário) ou à sua ordem, ou deve pagar ou aceitar as letras de câmbio (saques) sacadas pelo beneficiário, ou autoriza outro banco a efetuar tal pagamento, ou a pagar, aceitar ou negociar tais letras de câmbio (saques) contra entrega de documentos estipulados, desde que os termos e condições do crédito sejam cumpridos.”

              O artigo 2º da Brochura 500 estabelece quais são as partes atuantes em operações de carta de crédito. Cada uma delas possui funções e obrigações específicas na operação, que merecem ser analisadas:

  1. TOMADOR: é a pessoa física ou jurídica que, mediante contrato, solicita ao banco a emissão do crédito;
  2. EMITENTE: é o banco que, nos termos do contrato do cliente/tomador, tendo recebido depósito em dinheiro ou recebido garantias que julgou convenientes, emite o crédito, com instruções específicas quanto ao seu cumprimento, e fica responsável pelo seu pagamento. As obrigações do banco emitente estão previstas no artigo 9º da Brochura 500.
  3. AVISADOR: é o banco que, a pedido do instituidor, faz chegar ao conhecimento do beneficiário a existência e as condições do crédito, transmitindo-lhe seus termos. Permite conferir autenticidade ao crédito documentário que recebe do banco emitente, conforme estabelecido no artigo 7º da Brochura 500.
  4. BENEFICIÁRIO: é o favorecido do crédito, a quem ficou assegurado pagamento de sua exportação quando cumpridas as formalidades exigidas.
  5. CONFIRMADOR: é o banco que, a pedido do instituidor, ou atendendo a solicitação do beneficiário, constitui como sendo sua a obrigação firme de pagar o valor do crédito ao beneficiário. Pode ser considerado como o avalista do banco emitente, pela garantia que confere. Para tanto, é geralmente um banco considerado como de 1ª linha, situado da praça do beneficiário, no qual ele possa depositar toda sua confiança de que, mesmo que o banco emitente não o pague, receberá do confirmador o valor de seu crédito, contra apresentação dos documentos de embarque exigidos no texto de emissão da carta de crédito.
  6. NEGOCIADOR: é um banco especificamente nomeado na carta de crédito que, acatando a documentação exigida, paga o valor ao beneficiário (em caso de carta de crédito à vista) ou aceita as letras de Câmbio por ele emitidas (carta de crédito a prazo). Caberá a ele a negociação dos documentos, isto é, a análise formal da documentação apresentada pelo beneficiário e seu eventual pagamento.

              De um modo geral, as funções de banco avisador e negociador e, eventualmente, confirmador são desenvolvidas por uma única instituição financeira altamente confiável. Trata-se, portanto, em linhas gerais, de uma operação triangular entre tomador e banco e entre este último e o beneficiário.

              Existem algumas divisões no que se refere às modalidades de cartas de crédito. Algumas delas: (i) cartas de crédito revogáveis e irrevogáveis; (ii) transferíveis e intransferíveis; (iii) confirmadas e não confirmadas; dentre algumas outras, conforme previstas na regulamentação da CCI.

              A carta de crédito revogável é aquela que pode ser alterada ou cancelada a qualquer momento, sem aviso prévio ao beneficiário, não sendo mais utilizada em virtude do risco a que submete o exportador.

              Todos os documentos de crédito devem indicar se são revogáveis ou irrevogáveis. No silêncio, são considerados irrevogáveis, conforme dispõe a alínea “c” do artigo 6º da Brochura 500.

              Isto porque as cartas de crédito revogáveis deixarem de ter a segurança necessária a este tipo de documento, na medida em que não passariam de um mandato a ser concedido pelo importador ao banco emitente, o qual poderia ser revogado a qualquer momento. Por isso, não oferecem qualquer segurança ao beneficiário (exportador) da carta de crédito.

              Na carta de crédito transferível o banco é autorizado a pagar partes do valor total da carta de crédito a diferentes beneficiários, conforme as instruções constantes do texto do crédito. Já nas intransferíveis, o banco deverá efetuar o pagamento somente àquele beneficiário estipulado da carta de crédito, sem haver a possibilidade de transferência ou endosso, mesmo se se tratar de carta de crédito a prazo.

              O fator de confirmação ou não de uma carta de crédito traz ao beneficiário uma segurança maior ou menor do recebimento do valor a ele devido pelo pagamento da mercadoria exportada. No caso do crédito confirmado, o beneficiário, como já dito anteriormente, terá uma garantia adicional do banco confirmador que se responsabiliza pelo pagamento, ainda que o banco emitente não possa remeter os fundos por qualquer razão. Por essa confirmação aposta à carta de crédito, o banco confirmador cobra taxas de comissão bancária adicionais, as quais variam dependendo do risco por ele assumido.

              Os ensinamentos do Professor Bruno Ratti, sobre o funcionamento da operação de compra e venda amparada por carta de crédito, é resumida da seguinte forma:

  1. contatos preliminares, quando o importador encomenda a mercadoria e o exportador fornece fatura pro forma;
  2. o importador abre o crédito em banco emissor de sua praça;
  3. o banco emissor da praça do importador comunica ao banco avisador da praça do exportador a existência do crédito;
  4. o banco avisador da praça do exportador comunica a este a existência do crédito e suas condições;
  5. o exportador entrega a mercadoria para despacho aduaneiro;
  6. a mercadoria é embarcada para o país do importador;
  7. o exportador recebe o conhecimento de embarque e o apresenta junto com a fatura e o certificado de seguro ao banco emissor;
  8. o banco emissor recebe os documentos do exportador, examina-os e, se estiverem em ordem, efetua o pagamento ao exportador (caso o pagamento seja à vista) ou aceita as letras de câmbio sacadas contra si (nos créditos a prazo);
  9. o banco avisador remete os documentos ao banco emissor;
  10.  o banco emissor entrega ao importador os documentos;
  11.  o importador paga os direitos aduaneiros e retira a mercadoria.[7]

              As obrigações assumidas através da carta de crédito devem sempre estar inteiramente separadas das obrigações mercantis estabelecidas entre comprador e vendedor que originaram o pedido de abertura do crédito. Há, portanto, uma autonomia do crédito documentário em relação ao contrato comercial a ele subjacente, conforme estabelece a alínea “a” do artigo 3º da Brochura 500.

              A obrigação decorrente do crédito documentário tem, portanto, um caráter abstrato e está sujeita ao rigor dos seguintes documentos:

  1. fatura comercial;
  2. conhecimento de embarque;
  3. certificado de origem, se necessário;
  4. packing list;
  5. apólice de seguro internacional; e
  6. outros certificados, quando exigidos pelo importador.

              Uma vez cumpridas as exigências da carta de crédito, o vendedor receberá o pagamento do preço, mesmo antes de os bens chegarem às mãos do comprador, comprovando-se, desta forma, a total autonomia dos institutos, excetuando-se os casos de má-fé comprovada.

              Por fim, ressaltamos que o exportador/beneficiário deve verificar antecipadamente todas as exigências da Carta de Crédito para evitar discrepâncias com a documentação em seu poder. Havendo qualquer discrepância, o exportador deve contatar o importador antes do embarque da mercadoria, para solicitar emendas à Carta de Crédito e evitar, assim, que o banco avisador, no país do exportador, notifique a divergência ao banco emissor, situação em que a garantia de pagamento “firme e irrevogável” ficará suspensa.

Conclusão

            O poder da moeda sempre esteve ligado ao poder econômico da nação. Até o início do século passado, a libra esterlina foi a moeda de reserva de valor no mercado internacional. Daí em diante, o dólar americano tornou-se a moeda líder para a estabilidade do sistema de pagamentos internacionais, como foi estabelecido no acordo de Bretton Woods (1947-1971).

            Isso se deveu à liderança econômica dos Estados Unidos no período pós-guerra, o qual ficou conhecido como a era dourada do crescimento econômico mundial. Na época, o país produziu quase 50% do PIB mundial, foi responsável por 85% do total dos investimentos diretos internacionais, possibilitou a reconstrução da Europa, contou com poupança superior à demanda de investimentos domésticos, superávit nas contas públicas e na conta corrente e construiu-se um grandioso e sofisticado mercado financeiro.

            Essas condições já não existem há décadas. Os Estados Unidos produzem 23% do PIB mundial, responde por 20% do total dos investimentos diretos internacionais, a poupança líquida é mínima. Desde o governo do presidente Reagan (1980), o país apresenta déficit na conta corrente como fator de obtenção de recursos externos para atender à demanda de investimentos. Trata-se de uma sociedade que gasta além dos limites da renda.

            O elevado deficit público induz a elevação de impostos, inflação e juros, redução da renda real do trabalhador e dólar mais desvalorizado. Esse deverá ser o cenário da economia americana nesta década.

            Os reflexos dessa queda gradual da economia dos Estados Unidos têm influenciado a composição das reservas monetárias internacionais. Em 1973, o dólar representou 85% do total dessa reserva. O marco alemão representou 6,7% e a libra esterlina, 5,9% do total. Em 2009, o dólar americano caiu para 62% no total, uma queda de 23 pontos percentuais. Nesse tempo, surge o euro, que poderá compensar as incertezas da moeda americana, mas não substituí-lo.

            O euro representou 27% do total da reserva. O euro ainda não se apresenta como alternativa, mas pode-se traçar um cenário com mais de uma moeda nas transações comerciais. Embora não se conheça o comportamento das moedas de países emergentes nas reservas e nas transações internacionais, pode-se prever o papel de liderança de moedas de países emergentes nas transações financeiras e comerciais futuras.

            A história não confirma essa hipótese, porém a realidade mundial é distinta da que prevaleceu no período do acordo de Bretton Woods. Existirão outras moedas nas transações internacionais: além do dólar, teremos o euro, o renminbi, a rúpia e o real.

            A previsão é de que, em 2050, a economia dos Estados Unidos representará 12% do Produto Interno Bruto (PIB) global; a da China, 22%; a da União Europeia (27 países), 10%; a da Índia, 7%; e a do Brasil, 4%. Isso não significará enfraquecimento do dólar nas transações internacionais, mas o fim do monopólio da moeda americana pelo fato de que outras nações alcançarão elevado grau de prosperidade ao longo deste século.

            O euro está sendo objeto da reserva monetária entre os países da região. A rúpia (Índia) e o renminbi (China) já são moedas de reserva entre países asiáticos. O real será a moeda líder na América do Sul e estará no conjunto das reservas de moedas dos países que tenham comércio com o Brasil.

            Será comum bancos aceitarem depósitos em moedas internacionais, por exemplo, em euro, e emprestarem renminbi ou vice-versa. Provavelmente, também teremos uma nova moeda representada por uma cesta de moedas de países emergentes, tendo o dólar e o euro como integrantes dela. Essa deverá ser a nova arquitetura monetária, que dependerá de uma profunda reforma no sistema financeiro internacional e de amplo processo de abertura econômica entre nações desenvolvidas e emergentes.

            Acreditamos que a moeda brasileira poderá figurar entre as que farão parte das transações internacionais. Para tanto, há de se fazer a reforma tributária, tendo em vista a flexibilidade, a redução do percentual das alíquotas sobre a produção e a folha de pagamento, bem como sobre a renda social da classe média. Esse balizamento de carga tributária deverá ser compatível com a existente entre os emergentes. A meta de curto prazo de se eliminar a miséria está correta. No médio prazo, deve manter-se, como estratégia, maior abertura econômica e prover o país de infraestrutura adequada, tornando-o mais eficiente e competitivo. Isso não é um sonho, mas uma oportunidade factível.

            A história de que o câmbio mata uma nação não passou de uma crítica à inconsistência da política monetária e fiscal da época. A taxa de câmbio em si não tem esse poder devastador. No entanto, a fragilidade dos fundamentos macroeconômicos, a dívida pública crescente e o regime tributário adverso causam danos irreparáveis ao progresso de uma nação.

            O século XXI será de aprofundamento nas relações multilaterais com base em uma nova ordem monetária, na qual várias moedas coexistirão, integrando países em regiões comerciais. O real será moeda utilizada nas transações comerciais entre seus parceiros emergentes globais.

            Tratados internacionais assinados entre o Brasil e outras nações estendem uma série de benefícios sociais a trabalhadores que atuam fora do país: acordos reconhecem direitos e protegem o trabalhador

            Metade dos brasileiros que vivem e trabalham no exterior está protegida pelos acordos internacionais de previdência social, o que significa que o tempo de trabalho realizado fora do país será contado para efeito de aposentadoria por idade, invalidez e pensão por morte. O último acordo foi fechado com os americanos. Sozinhos, os Estados Unidos são o destino de mais de um terço dos brasileiros que moram no exterior, o que representa 1,28 milhão de um total estimado pelo Itamaraty em pouco mais de 3 milhões de pessoas.

            Pelos cálculos da Previdência Social, entre 40% e 60% dos brasileiros que trabalham nos Estados Unidos encontram-se em alguma fase de regularização. São esses que poderão contar com os benefícios. ¿Esperamos que o acordo incentive a regularização. Com isso, a proteção será estendida a um contingente maior de brasileiros no exterior¿, disse o secretário de Políticas de Previdência Social, Helmut Schwarzer, responsável pela condução das negociações.

            Além dos Estados Unidos, o Brasil negociou acordos com Japão, Bélgica, Canadá, Quebec e Alemanha. Acertos semelhantes estão em vigor com os países do Mercosul (Paraguai, Argentina e Uruguai), Chile, Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Luxemburgo e Cabo Verde.

            A importância dos convênios internacionais de previdência social, que não deixa de ser uma cláusula de Seguro, é que somente com eles é possível o reconhecimento do tempo de contribuição feito no exterior para outro regime. O mesmo vale para o estrangeiro de um desses países com acordo com o Brasil, que vive e trabalha aqui. Pelas regras acertadas, cada país reconhece a fração correspondente à sua parte e paga ao segurado um pedaço do benefício.

            Nos países que não possuem acordo, isso não é possível. Mesmo que o trabalhador esteja regularizado, ele não consegue somar os tempos de contribuição para efeito de aposentadoria. Esse tempo faz falta na hora em que ele vai solicitar o benefício no país de origem ou de destino. Embora nenhum benefício seja concedido retroativamente o pagamento começa a partir da solicitação do trabalhador que tem direito. Isso significa que uma pessoa com tempo de trabalho anterior à data de assinatura do acordo internacional, uma vez que ele esteja em vigor, vai poder solicitar a contagem desse período. No caso de morte do trabalhador, sua família poderá se beneficiar da pensão.

            As empresas também são beneficiadas pelos tratados internacionais de previdência social, pois eles eliminam a bitributação. De acordo com o secretário, a duplicidade ocorre nos casos dos trabalhadores enviados temporariamente pelas empresas para trabalhar em outros países. Quando não existe o acordo, as empresas são obrigadas a continuar contribuindo no país de origem e passam a recolher a contribuição previdenciária no país de destino desses trabalhadores.

            Esperamos que o acordo incentive a regularização. Com isso, a proteção será estendida a um contingente maior.

            O Brasil, portanto, precisará estar preparado para enfrentar esse novo mundo financeiro, comercial e de moedas globais. Os bancos residentes terão a missão de promover o Brasil na economia financeira global. A política econômica deverá assegurar a estabilidade do crescimento real da renda das pessoas, a redução contínua do custo da produção nacional, o aumento da produtividade da mão de obra, a capacidade competitiva global de todos os setores produtivos e a plena distribuição da renda, através de uma melhor avaliação das cláusulas contratuais entre as empresas. Nada disso é impossível ou improvável.

            A crença nessas possibilidades está alicerçada na história recente desses países: União Europeia, Brasil, China, Índia e vários do Pacífico Asiático estão construindo seus sonhos de nação em um mundo global, enquanto que os Estados Unidos terão de reconstruir um novo sonho para sua liderança.

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[1] Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes, Especialista em Contratos Internacionais, Doutor Honoris Causa, Pós-Graduado em Direito Constitucional Italiano e Europeu pela Università Degli Studi di Macerata, Mestrando em Direito Econômico Professor da Escola Superior de Advocacia de São Paulo

[2] STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio, Ed. LTr, 3ª Edição, p.204.

[3] Op. cit.

[4] LEISTER, Margareth. Aspectos Jurídicos do Countertrade. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000.

[5]In “Proteção, Tratamento e Garantias dos Investimentos Internacionais contra Riscos Políticos: aspectos de direito internacional”, 1997, tese de mestrado USP.

[6] MIGA

[7] in, Comércio Internacional e Câmbio, 7ª ed., São Paulo: Aduaneiras, 1993, p. 99-100

Rua Cincinato Braga, 37 - 13° e 14° andares - Bela Vista - São Paulo - SP  -  (11) 3346-6800  -  


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