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Direitos Humanos e vacinação compulsória [forçada ou com ‘condução sob vara’ SIM!]

11/01/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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Direitos Humanos e vacinação compulsória [forçada ou com condução sob vara’ SIM!]

 

Por Alexandre Langaro

            Conforme noticiado pelos principais jornais do País e pelo sítio do STF, ‘Plenário decide que vacinação compulsória contra Covid-19 é constitucional. O STF também definiu que os estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de imunização’[1]:

 

Teses

 

A tese de repercussão geral fixada no ARE 1267879 foi a seguinte: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.

 

Nas ADIs, foi fixada a seguinte tese:

 

(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.

 

(II) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.[2]

 

            Concorda-se apenas em parte com essa decisão — data venia.

 

            Isso porque o Tribunal Pleno do Supremo deveria ter seguido, e esse ponto assume relevo transcendental, presentes os direitos à vida e à saúde, a diretriz que — fundada no Direito Internacional dos Direitos Humanos, revelada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos [Pacto de São José da Costa Rica], de 22 de novembro de 1969, que, materialmente, tem natureza de norma constitucional[3] — respalda, no campo jurídico, a necessidade de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos [CADH] que foi promulgada — e é importantíssimo enfatizar esse aspecto fundamental — por meio do Decreto 678, de 6/11/1992.

 

            O ponto objeto da discordância consiste, assim, especificamente na possibilidade de haver coerção direta para a inoculação da vacina contra a Covid-19. Dado que ninguém vive isolado numa ilha — Robinson Crusoé[4]!

 

            Por isso, o uso do ‘sancionamento’ implementado por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes — tem eficácia zero e permite que o obstinado — o birrento que se nega a tomar a vacina —, contamine um sem-número de pessoas, grassando a pandemia, antes, durante e ou depois de ser ‘sancionado indiretamente’. Isso sobe de ponto após a descoberta de que uma nova cepa do vírus e setenta por cento mais contagiosa, fato, notório, que levou o Reino Unido ao isolamento, por causa da Covid.

 

            A isso se soma, ademais, tal e como dito pela repórter especial, Adriana Fernandes, o Brasil precisa vacinar a maior quantidade possível de pessoas. Para eliminar a doença, mais de 70% da população teria de ser vacinada[5].

            Também merecem destaque as palavras de Affonso Celso Pastore ex-presidente do Banco Central e da cientista e microbiologista Natalia Pasternak, para quem, respectivamente:

 

Para salvar vidas e restabelecer a normalidade da economia, é preciso vacinar 100% da população no prazo mais curto possível, como já está ocorrendo na Europa e nos EUA. Infelizmente, em vez de agir com rapidez e eficiência, reduzindo o número de mortes e a incerteza, o governo se comporta como se o problema não existisse. É surpreendente, mas coube ao presidente do Banco Central, e não ao presidente da República, explicar que “a vacina custa menos do que uma ajuda emergencial”.[6]

 

A maior dificuldade de divulgar a Ciência durante a pandemia foi a enxurrada de desinformação patrocinada por fontes que são oficiais e que, por isso, gozam de credibilidade, como o governo federal e o Ministério da Saúde.

 

[…]

 

Não basta desmentir as autoridades. É preciso mostrar também como funciona o processo científico, ou seja, como a ciência é feita.[7]

 

            O jornal Folha de São Paulo, em duríssimo editorial de capa, do jornal impresso do dia 13/12/2020, domingo, intitulado Vacinação já, opinou nos seguintes termos:

 

Passou de todos os limites a estupidez assassina do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus. É hora de deixar de lado a irresponsabilidade delinquente, de ao menos fingir capacidade e maturidade para liderar a nação de 212 milhões de habitantes num momento dramático da sua trajetória coletiva. Chega de molecagens com a vacina!

 

Mais de 180 mil pessoas morreram de Covid-19 no Brasil pela contagem dos estados, subestimada. A epidemia voltou a sair do controle, a pressionar os serviços de saúde e a enlutar cada vez mais famílias. Trabalhadores e consumidores doentes ou temerosos de contrair o mal com razão se recolhem, o que deprime a atividade econômica. Cego por sua ambição política e com olhos apenas em 2022, Bolsonaro não percebe que o ciclo vicioso da economia prejudica inclusive seus próprios planos eleitorais.

 

O presidente da República, sabotador de primeira hora das medidas sanitárias exigidas e principal responsável por esse conjunto de desgraças, foi além. Sua cruzada irresponsável contra o governador João Doria esbulhou a confiança dos brasileiros na vacina. Nunca tão poucos se dispuseram a tomar o imunizante, segundo o Datafolha

 

Com a ajuda do fantoche apalermado posto no Ministério da Saúde, Bolsonaro produziu curto-circuito numa máquina acostumada a planejar e executar algumas das maiores campanhas de vacinação do planeta. Como se fosse pouco, abarrotou a diretoria da Anvisa com serviçais do obscurantismo e destroçou a credibilidade do órgão técnico.

 

Abandonada pelo governo federal, a população brasileira assiste aflita ao início da imunização em nações cujos líderes se comportam à altura do desafio. Não faltarão meios jurídicos e políticos de obrigar Bolsonaro e seu círculo de patifes a adquirir, produzir e distribuir a máxima quantidade de vacinas eficazes no menor lapso temporal.

 

O caminho da coerção, no entanto, é mais acidentado e longo que o da cooperação entre as autoridades federais, estaduais e municipais. Perder tempo, neste caso, é desperdiçar vidas brasileiras, o bem mais precioso da comunidade nacional.

 

Basta de descaso homicida! Quase nada mais importa do que vacinas já —e para todos os cidadãos.

                       

            No Direito Administrativo, contudo, a coerção direta serve — bem se sabe — para conter um processo lesivo em curso ou iminente[8]. Por exemplo, uma casa prestes a cair tem de ser evacuada e demolida pelo poder público; uma pessoa ‘do povo’ andando armada pela rua tem de ser detida pelo servidor policial. Nos dois casos, interrompe-se contém-se um processo lesivo iminente ou em curso, mediante coerção direta, levada a cabo pelo poder público. Isso é Direito Administrativo e não Direito Penal[9]. O que garante, decerto, segurança, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. É nesse sentido, claro, que o poder público teria de ter sido autorizado a atuar para vacinar todos àqueles, irracionais ou não, que, mediante atitude estúpida, se negam a tomar a vacina. A Lei 13.379, determina, no ponto, a propósito, o seguinte:

 

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:

 

III – determinação de realização compulsória de:

 

d) vacinação e outras medidas profiláticas.

 

            Compulsório significa obrigatório, que tem o efeito de compelir. E compelir quer dizer fazer deslocar-se à força; empurrar, impelir; fazer agir sob coação; obrigar, forçar. Essa terminologia guarda finíssima sintonia e legitimidade com o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

           

            Importa referir, por sua pedagogia e profilaxia próprias, fragmento da fala do  ator Antônio Fagundes[10], ao parafrasear o jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Hughes Galeano, morto em 2015, ‘somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos’.

 

            No Estado Democrático de Direito — não é ocioso [re] lembrar —, o cidadão tem deveres para com toda a comunidade nacional e internacional — ou com a humanidade, se se preferir, sobretudo os deveres de solidariedade e de fraternidade[11]. Todo o poder emana do povo; não há direitos absolutos; tampouco, poderes ilimitados. Daí surgindo, portanto, o dever de solidariedade a que se refere o art. 3º, I, da Constituição federal[12], que limita, no caso, a autodeterminação[13], em ordem a beneficiar a todos. Na CADH:

 

CAPÍTULO V

 

Deveres das Pessoas

 

ARTIGO 32

 

Correlação entre Deveres e Direitos

 

1. Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade.

 

2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, numa sociedade democrática.

 

            A Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que:

 

Artigo 29

 

1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.

 

2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

 

           Invocam-se ainda, no particular, os arts. 196 a 198 da Constituição federal e as Leis 6.259/1975 e 14.006/2020.

 

            A questão seria, portanto e no limite, como materializar, na espécie, a coerção direta contra os negacionistas da vacina.

 

            É preciso ter em conta, como assinalado pelo jornal O Globo, por meio de editorial, 20/12/2020, pág. 2, que:

 

A Covid-19 já matou mais de 185 mil brasileiros. Uma nova e mortífera onda de contágio já mata mais de mil por dia. A situação do país é crítica e, embora a vacina esteja num horizonte não tão distante, não há espaço para brincar com vidas humanas.

 

            Talvez a condução, informada, educada e firme, claro, do recalcitrante, pelo agente público, a um posto de vacinação, para uma simples espetadela — se a vacina for injetável —, poderia, por evidente, resolver o [suposto] impasse; prevalecendo, por efeito disso, o coletivo sobre o egoísmo individual, genocida por definição.

 

            São densos, no ponto, portanto, os argumentos do vencedor do Nobel da Paz de 2006, o economista Muhammad Yunus:

 

O sr. também tem dito que, nesse redesenho do mundo, as empresas devem ser criadas exclusivamente para resolver problemas da sociedade, sem o objetivo de distribuição de dividendos. Isso significa romper com o capitalismo?

 

O capitalismo é baseado na suposição de que os seres são movidos por interesses próprios. Estou reformulando essa suposição para aproximá-la de seres humanos reais. De acordo com minha formulação, os seres humanos são impulsionados em parte por interesse próprio, mas principalmente pelo interesse coletivo. Uma vez que o interesse coletivo se tornar parte da motivação humana, teremos de encontrar um formato de negócio apropriado, que garantirá a solução de problemas coletivos. Negócios movidos a interesses coletivos não precisam pagar dividendos. Precisamos de soluções para problemas coletivos de uma forma sustentável financeiramente. É isso que chamo de 'negócios sociais'. O lucro é colocado de volta no negócio. Isso é capitalismo? Nessa nova versão da teoria, as empresas ainda funcionam lado a lado dos negócios que não distribuem dividendos. Isso é deixado para a escolha dos indivíduos. Uma pessoa pode escolher por um negócio de maximização de lucro, por negócios sociais ou por ter ambos os tipos de negócios. Ambos os tipos de negócios participam do mesmo mercado, sob as mesmas autoridades reguladoras[14].

 

            Nesse sentido, adaptado — ou mudando o que tem de ser mudado —, decidiu o STF:

 

COLETIVO VERSUS INDIVIDUAL. Ante o estabelecido no artigo 225 da Constituição Federal, conflito entre os interesses individual e coletivo resolve-se a favor deste último[15].

 

            Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova Iorque

 

 

           

 

           



[1][http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&ori=1].

[2][Idem].

[3][Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (Constituição federal].

[4][https://pt.wikipedia.org/wiki/Robinson_Crusoe].

[5][‘Vacinação para todos’, O Estado de S. Paulo, pág. B4, 19/12/2020].

[6][O Estado de S. Paulo, 19/12/2020, pág. B4].

[7][O Globo, 20/12/2020, pág. 18].

[8][Alexandre Langaro, https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=193].

[9][Ver, no ponto, por todos, Eugênio Raul Zaffaroni, “Lineamientos de derecho penal”, Ediar, 2020, Buenos Aires].

[10][https://youtube/owKOjCB5S68].

[11][Declaração Universal dos Direitos Humanos, DUDH, Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948, artigo 1:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

[12][Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária].

[13][Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana].

[14][Entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, 19/12/2020, pág. B4, os segundos grifos foram adicionados pelo autor deste artigo].

 

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