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Combate à violência contra a mulher e contra a criança no mundo é urgente! Parte II (dados do agravamento à violência contra a mulher no Brasil)

21/07/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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Novos desafios decorrentes do Covid-19:

Combate à violência contra a mulher e contra a criança no mundo é urgente! Parte II (dados do agravamento à violência contra a mulher no Brasil)

 

Renata Miranda Lima[1]

Stefani Miranda Lima[2]

Mayla Croce[3]

Raíssa Musarra[4]

 

Resumo: O artigo expõe dados gerais e brasileiros sobre o aumento da violência contra a mulher, criança e adolescente em virtude de confinamento imposto pela pandemia por Covid-19, expondo ações de combate ao enfrentamento destas violências e a necessidade de articulação institucional em busca da superação das vulnerabilidades e aumento da proteção social dos grupos abordados. Para tanto, utiliza-se do método analítico-dedutivo com técnica de pesquisa documental nacional e internacional e teórica.

Palavras-chave: Violência Doméstica; Violência de Gênero; Violência contra Crianças e Adolescentes; Confinamento por Covid-19.

 

Especificamente em São Paulo, o número de casos de violência contra a mulher aumentou 30% durante a quarentena, de acordo com o Núcleo de Gênero e o Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público de São Paulo. Segundo os dados levantados em março de 2020, 2.500 medidas protetivas foram decretadas em caráter de urgência; por sua vez, no mês de fevereiro do mesmo ano o número de medidas correspondeu a 1.934. Portanto, o crescimento foi de quase 30% entre os meses de fevereiro e março de 2020[5].

Aprofundando os dados produzidos pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, tem-se que no primeiro levantamento foram coletados os dados referentes às medidas protetivas e autos de prisão em flagrante entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2020, quando ainda não havia a situação de pandemia, para se verificar a variação dos procedimentos urgentes em situação de normalidade no país. Em seguida, houve o levantamento entre fevereiro e março de 2020. Conforme o estudo, houve aumento do número de medidas protetivas e prisão em flagrante. Segue tabela elaborada pelo MPSP para viabilizar a compreensão do cenário:

Fonte: MPSP, 2020[6]

 

Ainda no que diz respeito a este estudo feito pelo MPSP, observa-se que, quanto ao crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência - que foi inserido na Lei Maria da Penha em 2018, pela Lei 13.641/2018[7] -, não teve um grande aumento se comparado com os dados referentes ao mesmo mês no ano passado.

No que tange a essa alteração legislativa, é importante destacar que esta representou grande avanço para a garantia de direitos as mulheres em situação de violência doméstica, dado que, antes de sua vigência, a jurisprudência havia firmado entendimento de que descumprir medidas protetivas não configurava crime. Esse entendimento dificultava a atuação do Estado, já que não era possível a prisão em flagrante. Com a alteração, descumprir medidas protetivas configura crime e autoriza a prisão em flagrante do agente e, assim, maior possibilidade de garantia de direitos à mulher.

Em tempos de isolamento, o descumprimento de medidas protetivas pode configurar um risco ainda maior, e, para verificar se está havendo descumprimento, realizou-se também o levantamento quanto às prisões em flagrante com fundamento no artigo 24-A da Lei Maria da Penha. Contudo, os resultados da pesquisa apontam que não houve grande aumento de descumprimento das medidas protetivas. Para ilustrar o exposto segue tabela:

 

Prisão em flagrante por descumprimento de medidas protetivas:

Fonte: MPSP, 2020[8]

 

Por fim, nesse estudo observou-se um aumento geral dos pedidos de medidas protetivas e um expressivo crescimento de prisões em flagrante em 51% no Estado de São Paulo, conforme se observa dos gráficos abaixo:

Fonte: MPSP, 2020[9]

 

O presente estudo ganha maior relevância diante de dados do Ministério Público do Estado de São Paulo ao apontar que o local em que essas mulheres majoritariamente são assassinadas. A complexidade que envolve a questão exige cuidado e um olhar atento pelo Estado e pelas entidades e setores de proteção dos Direitos da mulher. Como forma de melhor compreender o tema, seguem dados das pesquisas feitas pelo MPSP que tiveram como base 364 denúncias[10] oferecidas pelo Ministério Público entre março de 2016 e março de 2017. Segundo os resultados da pesquisa, em regra, a mulher sofre o ataque fatal em casa. Outro dado relevante foi à identificação de feminicídio praticado em locais normalmente frequentados pela mulher, como seu caminho para casa ou para o trabalho, o que resulta no total de 8% dos crimes praticados. Segue tabelas e gráficos que esclarecem as informações.

 

 

Fonte: MPSP, 2017[11]

 

A situação do Estado do Rio de Janeiro também é alarmante com um aumento de 50% nos casos de violência no mês de abril de 2020, segundo a Justiça do Rio [12]. Já no Rio Grande do Norte, no mês de abril de 2020 as promotorias de justiça registram mais de 18% de aumento de medidas protetivas de urgência [13].  Outro exemplo desse aumento é Blumenau (SC), onde as ocorrências de violência doméstica subiram 39%.

Quanto aos casos de feminicídio, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que houve aumento expressivo do número de assassinato de mulheres dentro de casa no mês de março. Em São Paulo o aumento foi de 46%, no Acre foi de 100%, no Rio Grande do Norte de 300% e no Mato Grosso de 400%. A comparação foi realizada com o mês de março de 2019 e março de 2020.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública o crescimento no número de feminicídio registrado nos 12 estados analisados foi de 22,2%, saltando de 117 vítimas em março/abril de 2019 para 143 vítimas em março/abril de 2020. No Acre o crescimento chegou a 300%, passando de 1 para 4 vítimas este ano; no Maranhão o crescimento foi de 166,7%, de 6 para 16 vítimas; no Mato Grosso o crescimento foi de 150%, passando de 6 para 15 vítimas. Apenas três Estados da federação registraram redução no número de feminicídio no período, são eles: Minas Gerais (-22,7%), Espírito Santo (-50%), e Rio de Janeiro (-55,6%) [14].

Ainda referente aos dados no Brasil pesquisa mais recente feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que de acordo com os dados disponibilizados pelos Tribunais de Justiça de cada Estado, o número de solicitações e concessões de medidas protetivas de urgência apresentou queda de, respectivamente, 3,7% e 8,8% durante o mês de março no estado do Acre quando comparado ao mesmo período do ano passado. Já em São Paulo, houve aumento de 2,1 % de solicitações e de 31% de concessões das medidas, assim como no estado do Pará, que registrou aumento de 8,9% de concessões.

Este fenômeno também atinge os dados no que diz respeito ao registro de boletins de ocorrência, com exceção do Rio Grande do Norte, pois os demais Estados começam a apresentar redução nos registros de ocorrência que, em geral, demandam a presença física das vítimas (alguns Estados, como São Paulo, diante da pandemia, mudaram suas regras e estão permitindo o registro eletrônico de algumas modalidades criminais). No Pará, por exemplo, houve uma redução de 49,1% no total de ocorrências de violência contra mulheres, registradas entre os dias 19 de março e 02 de abril de uma comparação entre os anos de 2019 e 2020[15].

No caso das lesões corporais dolosas decorrentes de violência doméstica, por exemplo, no Estado do Mato Grosso os registros de lesão apresentaram queda de 21,9%, passando de 953 em março de 2019 para 744 em março de 2020. No Rio Grande do Sul os registros de agressão em decorrência da violência doméstica apresentaram uma queda de 9,4% em março deste ano em comparação com mesmo mês do ano passado, e de 14,7% em relação a 2018. Também na comparação de março de 2020 com março de 2019, no Acre a queda foi de 28,6%, no Ceará de 29,1%, e no Pará de 13,2%. Apenas no Rio Grande do Norte se verificou o crescimento dos registros desse tipo de violência. Em março de 2020 o aumento foi de 34% em relação ao mesmo mês de 2019 e de 72% em relação a 2018, mas é importante destacar que o decreto que impôs a quarentena no Estado é de 1 de abril e, portanto, se faz necessário acompanhar os números nos próximos meses para verificar se a tendência no crescimento se mantêm[16].

                Neste aspecto, considera-se que a casa é um espaço que pode ser perigoso para muitas mulheres e exige o fortalecimento das políticas e programas já existentes para poder atenuar as violências que têm se agravado durante a pandemia. A redução de denúncias, boletins de ocorrência e outros procedimentos legais e processuais que possam indicar ou ser termômetro de violência contra a mulher devem ser vistos com cautela, visto que podem estar viciados pelas problemáticas da subnotificação.

É necessária a adoção de medidas sofisticadas para vencer as barreiras que a violência domestica podem gerar em períodos de isolamento social como a dificuldade de denúncia e proteção de mulheres. Destaca-se que o Estado e o poder público necessitam de planos emergenciais para garantir a proteção e a sobrevivência das mulheres por meio da tecnologia mecanismos digitais para que possam receber as denúncias e reduzir as subnotificações.


[1] Advogada e Mestre em Direito, Pós-graduada em Direitos Humanos internacionais, pesquisadora na Escola Superior da Advocacia e especialista em negociação e conciliação.

[2] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XIII, Villetaneuse (Sociologie/Droit)

[3] Advogada. Graduada em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo.

[4] Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017-2021). Voluntária na Assistência Jurídica 22 de Agosto. Monitora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a supervisão do Professor Luiz Sérgio Fernandes de Souza e do Professor Silvio Luís Ferreira da Rocha. Integrante do Grupo de Diálogo Universidade - Cárcere - Comunidade (GDUCC) vinculado ao departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP. Atuou enquanto estagiária no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

[5] MPSP. Violência contra mulher aumenta na pandemia, diz nota do CAOCrim e Núcleo de Gênero. Notícias. 2020

Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=22511423&id_grupo=118>.

[6] MPSP. Nota técnica: Raio X do isolamento durante o isolamento. Um retrato de São Paulo, 2020, p. 5. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show?_docname=2659985.PDF>.

[7] Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência previsto na Lei Maria da Penha nº 11.343/2006.

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

[8] MPSP. Nota técnica: Raio X do isolamento durante o isolamento. Um retrato de São Paulo, 2020, p. 6. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show?_docname=2659985.PDF>.

[9] MPSP. Nota técnica: Raio X do isolamento durante o isolamento. Um retrato de São Paulo, 2020, p. 7. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show?_docname=2659985.PDF>.

[10] Denúncia é a peça inicial do processo criminal, a acusação feita pelo Ministério Público perante o Juiz Criminal. Assim, o termo “denúncia” não está sendo empregado como “denúncia anônima”, mas sim, imputação formal feita pelo Ministério Público, com a descrição dos fatos e indicação do artigo de lei em que está incurso o réu.  

[11] MPSP. Raio X do feminicidio em São Paulo. É possível evitar a morte. 2017, p. 9. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/RaioXFeminicidioC.PDF>.

[12] São Paulo. Violência doméstica aumenta durante o isolamento social. 2020. Disponível em: <https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/violencia-domestica-aumenta-durante-o-isolamento-social1>.

[13] São Paulo. Violência doméstica aumenta durante o isolamento social. 2020. Disponível em: <https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/violencia-domestica-aumenta-durante-o-isolamento-social1>.

[14] Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 – ed. 2. 29 de maio de 2020, p. 6. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/06/violencia-domestica-covid-19-ed02-v5.pdf>.2

[15] Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 – ed. 1. 16 de abril de 2020, p. 6. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf>.

[16] Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 – ed. 1. 16 de abril de 2020, p. 6. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf>.

 

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