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Uma introdução ao “Direito de Informática”

12/09/2011 - Fonte: Gáudio Ribeiro de Paula

1. Considerações preambulares. 2. Conceito. Terminologia. Autonomia Científica. Objeto. 3. Evolução Histórica. Ciência da Computação e Internet. 4. Sociedade da Informação e Aldeia Global. 5. Necessidade de imposição de marcos regulatórios.

1. CONSIDERAÇÕES PREAMBULARES
 
O presente texto ostenta o modesto e, ao mesmo tempo audacioso, objetivo de descrever, panoramicamente e de forma propedêutica, algumas das diversas perplexidades que exsurgem das interpenetrações entre o fenômeno jurídico e as novas tecnologias da informação, de modo a instigar os eventuais curiosos a um estudo mais aprofundado sobre tais temas. Trata-se, portanto, de um convite a reflexões mais detidas sobre várias das tormentosas questões que as ferramentas tecnológicas hodiernas trazem para o universo dos operadores do direito.
Convém ressaltar, de início, que este é um desafio para o qual a comunidade jurídica ainda não tem devotado grandes esforços. Isto se pode constatar, seja no meio científico ou acadêmico, seja nos gabinetes de juízes, promotores, procuradores ou escritórios de advocacia[1].
A esse respeito, são bastante pertinentes as observações lançadas pelo Conselheiro DOUGLAS ALENCAR, do Conselho Nacional de Justiça, em processo em que se discutia a validade do sistema de peticionamento eletrônico pela Justiça do Trabalho:
 
Até o início da década de 90, pode-se dizer que aconteceu com a Internet um fenômeno semelhante ao vivenciado nos países do leste europeu que deixaram a antiga União Soviética.
Em um primeiro momento, em razão da experiência traumática anterior, no tocante ao intervencionismo exacerbado do Estado, tais nações divisavam em qualquer tentativa de regulação estatal, mesmo quanto à tentativa de constitucionalização de direitos e garantias fundamentais, uma espúria interferência no domínio das relações interindividuais, preferindo, assim, um estado de anomia quase que absoluta, o que se mostrou sobremodo deletério, conforme se viu com a ascensão de organizações criminosas que se alastraram no vazio de poder então existente.
O mesmo cenário formou-se em torno das tentativas de regulamentação da rede mundial de computadores antes de 1990, segundo salienta uma das vozes academicamente mais respeitadas em se tratando de temas de Direito e Informática, o Prof. LAWRENCE LESSIG (Code and other laws of cyberspace).
De fato, a web, desde o seu início, sempre foi vista como uma espécie de “terra sem-lei”, em que as liberdades individuais deveriam prevalecer em detrimento de qualquer tentativa de controle externo. As inúmeras anomalias que brotaram nesse contexto anárquico, entre as quais se poderia destacar toda sorte de crimes praticados sob o manto do anonimato, compeliram o Estado a engendrar mecanismos regulatórios do espaço cibernético para impor alguma ordem ao caos que ameaçava instalar-se.
Paralelamente, o próprio Estado viu-se na contingência de se utilizar dessas novas ferramentas para realizar, com maior eficiência e eficácia, os seus fins, passando, deste modo, a padecer das diversas conseqüências da ausência de regulação no universo virtual.
Ocorre que até relativamente pouco tempo, o processo de tomada de decisão, quanto aos padrões operacionais que forjaram a atual estrutura da Internet, encontrava-se atribuído, quase que exclusivamente, a técnicos ou especialistas em tecnologia informação.
Com efeito, apenas recentemente os operadores do direito despertaram da profunda letargia ou mesmo ojeriza que caracterizava sua relação com novas tecnologias. Consoante ressalta LESSIG, as arquiteturas de regulação que foram erigidas ao longo das últimas décadas ergueram-se de acordo com critérios fundamentalmente de ordem técnica ou operacional determinados sobretudo por dois vetores de força: o Mercado e o Estado[2].
 
2. CONCEITO. AUTONOMIA CIENTÍFICA. OBJETO
O que exatamente se entende por “Direito da Informática” ou “Direito Eletrônico”, como preferem alguns[3]? Eis um dos questionamentos mais freqüentes quando se inicia qualquer estudo nessa nova seara.
Não são, contudo, muitos os que se aventuram nessa tentativa de definir isso que alguns consideram um novo ramo do direito. ALDEMÁRIO ARAÚJO CASTRO empreende sua conceituação nos seguintes termos:
 
Direito da Informática é a disciplina que estuda as implicações e problemas jurídicos surgidos com a utilização das modernas tecnologias da informação.[4]
 
De seu turno, JOSÉ CARLOS DE ARAÚJO ALMEIDA FILHO, para o qual a expressão “Direito Eletrônico” seria mais apropriada, oferece a definição que se segue:
 
Direito Eletrônico é o conjunto de normas e conceitos doutrinários, destinados ao estudo e normatização de toda e qualquer relação onde a informática seja o fator primário, gerando direitos e deveres secundários. É, ainda, o estudo abrangente, com o auxílio de todas as normas codificadas de direito, a regular as relações dos mais diversos meios de comunicação, dentre eles os próprios da informática.[5]
 
A nota comum a ambos os conceitos mencionados reside na circunstância de que inexiste qualquer pretensão de autonomia científica em tais conceituações.
Com efeito, o primeiro obstáculo a que se reconheça a aludida autonomia concerne à circunstância de que se trata de uma área do conhecimento jurídico intrinsecamente multidisciplinar, pois envolve conceitos e categorias de diferentes ramos do direito (constitucional[6], penal[7], civil[8], tributário[9], trabalhista[10], processual civil[11], autoral[12], ...) e de outras áreas do saber, como a própria informática ou ciência da computação.
Além disso, pode-se afirmar que, até mesmo como corolário dessa primeira constatação, não há um corpo de princípios comuns ou verdades axiomáticas fundantes sobre as quais se possa fazer apoiar o “Direito de Informática”.
Isto se deve ao fato de que o elemento agregador ou aglutinador dos temas em torno dos quais se debruça esse “ramo” do conhecimento jurídico é puramente acidental ou circunstancial, consistente, concretamente, no meio (virtual) em que os fenômenos aí estudados surgem e se desenvolvem. Revela-se inviável identificar-se, propriamente, uma natureza jurídica específica das relações aí subjacentes. Os bens da vida tutelados nas relações virtuais preservam sua configuração jurídica própria não assumindo natureza diversa pela mera circunstância de se encontrarem, contingencialmente, no universo informático.
Com isso, os conhecidos requisitos formulados por ROCCO[13] para se reconhecer a autonomia científica de um dado ramo da ciência jurídica - campo temático vasto e específico, teorias próprias e princípios peculiares, bem como metodologia específica de construção e reprodução da estrutura e dinâmica – não se configuram no tocante ao denominado “Direito de Informática”.
De todo modo, sobreleva notar que tal constatação não pode conduzir à equivocada conclusão de que não podem ser conduzidos estudos, verdadeiramente, científicos sobre tais questões. A cientificidade de investigações em torno dessas zonas de intercessão entre o direito e as novas tecnologias da informação repousaria não no objeto, mas na forma pela qual são conduzidas (método), ainda que, sem um corpo independente e autônomo de princípios e axiomas.
Nesse contexto, para que se possa desenvolver, com algum grau de cientificidade, essas atividades investigativas, vários autores têm procurado estabelecer algumas delimitações epistemológicas, embora um tanto elementares e vagas ainda. Com efeito, costuma-se distinguir o Direito de Informática – cujo objeto seriam, fundamentalmente, as questões jurídicas decorrentes das novas tecnologias da informação – da chamada “Informática Jurídica” – que se ocuparia da utilização de recursos informáticos como instrumento para o operador do direito - e da “Tecnologia Forense” – a qual se debruçaria sobre o processo de informatização do Judiciário e o respectivo uso da informática nos órgãos jurisdicionais.
 
3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA. CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO E INTERNET
A trajetória história dessa nova área de conhecimentos acompanha, naturalmente, a evolução da Ciência da Computação e, particularmente, da Internet.
 
Para não se recuar muito no tempo[14], em simplificação didática, pode-se considerar como marco inicial da história da Computação a invenção da Ars Generalis Ultima ou Ars Magna do filósofo, poeta e teólogo RAMON LLULL (1235-1315), uma máquina lógica que, por intermédio de uma série de figuras geométricas (círculos, quadrados, triângulos, ...), associadas a predicados divinos e mecanicamente movimentadas por manivelas circulares, poderia comprovar a veracidade de alguns postulados.
Em seguida, são mencionados, costumeiramente, os feitos de PASCAL (1623-1662) - com sua complexa calculadora mecânica, conhecida como Pascalina, desenvolvida em 1642 –, LEIBNIZ (1646-1716) – que concebeu a Staffelwalze, uma ferramenta semelhante, mas que operava com sistema binário e lógica formal – e COLMAR (1785-1870) – o qual operacionalizou o mais bem-sucedido projeto de máquina de calcular, o Arithmomètre[15], que foi produzido em escala comercial.
Aproximando-se um pouco mais da atual configuração de um computador moderno, podem ser citadas as invenções de BABAGGE (1791-1871) – de um lado, a Difference Machine ou Engine, uma espécie de computador mecânico que, a partir do método matemático apoiado em diferenças finitas, permitia cálculos um pouco mais elaborados e possuía memória para dados e operações, e, de outro, o Annalytical Engine, uma máquina programável que se utilizava de cartelas perfuradas – e HOLLERITH, fundador da TMC (Tabulation Machine Company), antecessora da multinacional IBM – que criou vários sistemas de tabulação mecânica de dados, inicialmente voltados para a computação de estatísticas,  por intermédio de cartões também perfurados.
Entretanto, quem, de fato, pode ser considerado o responsável pelo modelo teórico que permitiu, posteriormente, o desenvolvimento de uma ciência da computação foi o matemático inglês TURING (1912-1954), que enunciou a Teoria da Computabilidade e, a partir de mecanismos lógico-simbólicos, concebeu a UTM (Universal Turing Machine), como assim passou à história.
A partir das contribuições de TURING foi que ECKERT (1919-1995) e MAUCHLY (1907-1980) chegaram, em 1944, ao ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), o primeiro computador digital eletrônico[16], com capacidade de reprogramação e empregado especialmente para fins militares, em cálculos balísticos.
NEUMANN (1903-1957), avançando um pouco mais, em 1945, desenvolveu uma arquitetura lógica e física, a qual recebeu seu nome (“arquitetura von Neumann”), que ainda hoje é empregada, em certa medida, nos computadores modernos. A estrutura, simples e fixa, compõe-se  de quatro elementos: arithmetic and logic unit  (ALU), control circuitry, memory (RAM/ROM) e input and output devices (I/O).
Em 1966, surgem, como desdobramento da arquitetura von Neumann, as chamadas “máquina auto-replicantes”, que permitiram a fabricação de computadores de menor porte (como o UNIVAC, primeiro modelo comercial).
Contudo, foi apenas no final da década de 1970 (com processadores 8080) e início de 1980 (com processadores 80286) que se começou a conceber a possibilidade de comercializar computadores que pudessem ser utilizados em casa. Até então, imaginava-se que apenas empresas, instituições acadêmicas, ou organizações governamentais pudessem ter interesse em tão sofisticadas  “máquinas de calcular”.
A partir desse momento se passou ao processo de industrialização de computadores com capacidade de processamento que se elevava exponencialmente, nos termos da Lei de Moore[17].
Hodiernamente, quando aparelhos de celular[18] e handhelds constituem verdadeiros computadores de bolso com todos os recursos de um computador convencional, já se tem pensado em novas formas e modelos computacionais que expandiriam as fronteiras dos atuais processadores para além do imaginável, como a chamada computação quântica[19] e a biomolecular[20]. Neste cenário, o paradigma da lógica binária deverá ser rompido, se a computação quântica conseguir obter resultados operacionalizáveis, o que implicará repercussões não só no modo como os dados são inseridos mas, sobretudo, na velocidade e capacidade de processamento dos cálculos, permitindo aos computadores se aproximarem significativamente do modelo cognitivo do cérebro humano[21].
O surgimento e desenvolvimento da rede mundial de computadores (Internet) encontra-se associado à criação e implementação das tecnologias antes referidas, as quais puderam oferecer o aporte instrumental necessário à sua viabilização.
Assim é que se pode costuma aludir a um primeiro momento, quando a Internet era a então ARPANET, rede implementada nos Estados Unidos, em 1969, pela ARPA (Advanced Research Projects Agency), graças a tecnologias já disponíveis como o modem[22] na década de 60. Com objetivos subjacentes de natureza militar, o projeto estabelecia vias de comunicação eficientes entre cientistas, com estrutura de células autônomas, interconectando as Universidades da Califórnia (UCLA) e Stanford, as primeiras universidades interligadas pela rede.
O crescimento vertiginoso e a popularização da rede – que deixou, rapidamente, o solo americano, despindo-se dos intuitos bélicos e passando a ostentar propósitos acadêmicos e, posteriormente, comerciais, sociais, governamentais, lúdicos, ... –, deu-se a partir de ferramentas e interfaces que foram agregadas paulatinamente para permitir ao usuário conectar-se e buscar informações de maneira fácil e intuitiva. São exemplos, nesse sentido: a criação do e-mail, em 1971, por TOMLINSON; a adoção do protocolo de comunicação TCP/IP, em 1983 – que permitiu o estabelecimento de regras uniformes para o tráfego de dados pela rede –, graças ao trabalho de KHAN e CERF; a introdução do sistema de nomes de domínios (DNS – Domain Name Service), para a criação de endereços de páginas na web, por MOCKAPETRIS, em 1984; a instituição da arquitetura informacional em formato de teia e utilização de hipertextos, a www (World Wide Web), com as contribuições do pesquisador inglês BERNERS-LEE, em 1989.
Com isso, a partir da década de 1990, surgiram vários programas, conhecidos como “browsers” (como o Mosaic, o pioneiro, Internet Explorer, desenvolvido pela Microsoft, Nestcape etc.) que, com a capacidade de processamento e a velocidade de transmissão ainda um tanto limitadas dos computadores e modems de então, já permitiam uma navegação relativamente rápida e simples.
Desde o início, com a atuação dos hackers (ou crackers), havia várias controvérsias jurídicas decorrentes da utilização dos computadores na rede mundial. Entretanto, foi apenas com a democratização do acesso à Internet, que se fizeram notar, de modo mais evidente, a proliferação e a correspondente necessidade de controle sobre os atos praticados nesse meio, que passaram a descrever um espectro ilimitado de condutas passíveis de produzirem efeitos jurídicos (v.g., comprar e vender, realizar transações bancárias, encaminhar solicitações a órgãos governamentais, divulgar informações e notícias, ler livros, revistas ou jornais, interagir socialmente etc.).
 
4. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E ALDEIA GLOBAL
O maior feito da Internet quiçá tenha sido o de concorrer para a formação e expansão do complexo e multifacetado fenômeno sociológico que se conhece como a “Sociedade da Informação”, que se sobrepõe à Sociedade Industrial, na perspectiva de teóricos como BECK[23], GIDDENS[24], e CASTELLS[25], deslocando o eixo estruturante da sociedade contemporênea da produção de bens e serviços para a criação, distribuição e manipulação da informação, enquanto atividade econômica, social e culturalmente (e, por conseguinte, também juridicamente) relevante.
De outro lado, a rede mundial de computadores propiciou a consolidação do processo de globalização e/ou desterritorialização que fez emergir a também sociológica expressão fenomênica de tal processo, que foi alcunhada de Aldeia Global por MCLUHAN[26]. Para o sociólogo canadense, autor da frase “the medium is the message” (título de sua mais célebre obra), a mídia eletrônica, ao eliminar barreiras espaciais e temporais nas comunicações humanas, permitiu uma interação antes impensável entre pessoas em escala global.
Essa nova conformação estrutural da comunidade humana, cujo centro de gravidade passou a ser a informação e cujas interligações passaram a ser planetárias e nos mesmos moldes da “www” (numa imensa e complexa teia de interrelacionamentos), produziu como efeitos positivos imediatos, dentre tantos outros: o encurtamento das distâncias (v.g. skype), o incremento no intercâmbio de informações em modelos colaborativos (v.g. wikipedia), a democratização do conhecimento (v.g. google), a ampliação do exercício da liberdade de expressão (v.g. blogs) e a contenção de arbítrios de regimes ditatoriais (v.g. e-mail´s).
Contudo, a web[27], sendo produto da criatividade humana, trouxe consigo alguns dos vícios da sociedade em que se insere, dentre os quais se pode citar: a massificação cultural (v.g. orkut), o excesso de informação, com abrangência quase ilimitada, mas com pouca profundidade, em regra (v.g. google), a ampliação paradoxal do hiato social (v.g. privação de acesso à rede, por motivos econômicos ou culturais), e a prática de condutas socialmente recrimináveis, por vezes, sob o manto do anonimato (v.g. cybercrimes).
 
5. NECESSIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MARCOS REGULATÓRIOS
Em ordem a maximizar e orientar as potencialidades positivas (estabelecendo prioridades e linhas de ação) das novas ferramentas tecnológicas e minimizar e restringir (fixando mecanismos de controle e sanções eficientes) as negativas, importa estabelecer alguns marcos normativos elementares, de modo a permitir que a formulação latina ubi societas ibi ius (assim como sua correspondente complementação ubi jus ibi societas) encontre expressão também no universo virtual.
Ao contrário do que se supunha, inicialmente, a Internet não é intrinsecamente impassível de regulação heterônoma, consoante desvela LESSIG[28]. As dificuldades de natureza técnica ou operacional[29] e mesmo jurídica[30] para que algumas regras possam ser editadas e se façam observar não constituem óbices instransponíveis.
Em realidade, conforme o constitucionalista americano recorda, algumas das leis que podem disciplinar o comportamento virtual, na esfera do que denomina “arquitetura do sistema”, assumem eficácia muito maior que no “mundo real”. Isto porque, tais regras não são, propriamente, passíveis de descumprimento, como ocorrem com as normas deontológicas a que se submetem os indivíduos no âmbito do direito penal, civil, trabalhista, etc..
Se, porventura, exemplificativamente, houver uma opção legal (no plano da arquitetura do sistema) pela identificação de todos os usuários que acessem a Internet[31], a restrição daí decorrente aproxima-se, quanto aos seus efeitos, de uma lei de natureza ontológica (e.g. leis da física), já que, ao se exigir o prévio cadastranento dos dados pessoais do internauta, assim como a manutenção de tais informações pelo provedor de acesso, e ao se atribuir um número de identificação individual (IP fixo), não será possível, em tese, furtar-se ao cumprimento da norma.
Aliás, medidas como a retromencionada (bastante polêmica e discutível) exigiriam, naturalmente, a conjunção de esforços internacionais para que pudessem surtir os efeitos esperados.
De todo modo, nesse processo decisório, em que a comunidade jurídica elegerá as regras que deverão tutelar os bens jurídicos nas relações virtuais, será essencial a participação direta de todos os setores da sociedade civil.
Nessa esteira, LESSIG[32] vê atuarem até praticamente o final da década de 1990, conforme salientado nas observações preliminares, vetores de controle que advém apenas de duas fontes principais: Comércio e Estado. Revela-se imprescindível, sobretudo nas definições de arquitetura do sistema, que, ao lado de ambos os vetores, figurem também os diferentes atores sociais, que compõem os chamados corpos intermediários (ONG´s, sindicatos, associações, etc.), para que não seja, tal como na leitura constitucional de LASSALE, apenas uma resultante dos fatores reais de poder.
Seja como for, o certo é que a atuação de todos os setores da sociedade na concepção dos marcos regulatórios mínimos deve ter por escopo os valores e interesses fundamentais, de duas ordens: os direitos inatos (universais e atemporais) e os contingenciais (regionais e históricos).
Nessa espécie de constitucionalismo virtual, em que arquitetura e regulação se encontram, deverá se dedicar particular atenção aos conflitos entre as diversas liberdades individuais e direitos fundamentais, que podem atritar entre si (e.g. expressão e privacidade, propriedade e igualdade, imagem e informação etc.). A eventual colisão entre tais direitos deve encontrar equacionamento racional nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tal como propõem BONAVIDES e CANOTILHO para composição de conflitos dessa ordem na seara constitucional.
Se, ao fim das ponderações lançadas, apressadamente, no presente texto, ainda ocorrer perguntar: por que, afinal, estudar “Direito de Informática”? BORRUSO é quem nos oferece uma pertinente e atual resposta, que remete às considerações de LESSIG aludidas no início:
 
Se o jurista se recusar a aceitar o computador, que formula um novo modo de pensar, o mundo, que certamente não dispensará a máquina, dispensará o jurista. Será o fim do Estado de Direito e a democracia transformar-se-á facilmente em tecnocracia. (Borruso, 1989)[33]
 
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
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Fonte: http://www.almeidafilho.adv.br/academica/aula01.pdf
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BECK, Ulrich. Teoria de la Sociedad de Riesgo, in J. Beriain. (Org.) Las Consecuencias Perversas da Modernidad. Barcelona: Anthropos, Cap. 6.
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BARRETO, Aldo Albuquerque. As tecnoutopias do saber: redes interligando o conhecimento.
http://www.dgz.org.br/dez05/Art_01.htm 
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CASTELLS, Manuel.  A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura; Volume 1, São Paulo: Editora Paz e Terra, 
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CASTRO, Aldemario Araújo. Apostila Eletrônica de Direito da Informática. Fonte: http://www.infojurcb.hog.ig.com.br/conteudo 6.htm
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GLOSSÁRIO PARA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. http://purl.pt/426/1/
GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp. “Confiança e Modernidade”. Cap. 3, pp. 82-95.
KAMINSKI, Omar (org.). Internet legal: o direito na tecnologia da informação. Curitiba: Juruá, 2003.
LESSIG, Lawrence. Code and other Laws of Cyberspace. New York: Basic Books, 1999.
_______________. The Future of Ideas. New York: First Vintage Books, 2002.
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http://codebook.jot.com/Book/Chapter0/Ch0Part1
http://www.lessig.org/blog/archives/002358.shtml
LEVY, Pierre. Qu'est-ce que le virtuel?. Paris: La Découverte, 1998.
LUCCA, Newton De e SIMÃO FILHO, Adalberto (coord.) e outros. Direito & Internet – aspectos jurídicos relevantes. Bauru, SP: EDIPRO, 2000.
McLUHAN, Marshall. The Medium is the Massage: An Inventory of Effects, Bantam Books, 1967.
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PAESANI, Liliana Minardi. Direito de Informática. São Paulo: Atlas.
____________________. Direito e Internet. São Paulo: Atlas.
PECK, Patricia. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2006.
ROCCO, Alfredo. Corso di Diritto Commerciale - Parte Generale. Padova: La Litotipo, 1921, p. 76
ROVER, Aires José. Direito e Informática. São Paulo: Manole, 2004.
_______________. Informática no direito: inteligência artificial, introdução aos sistemas especialistas legais, Curitiba : Juruá, 2001.
SILVA JÚNIOR, Roberto Roland Rodrigues. Internet e Direito – Reflexões Doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumen Juis.
SITES AVULSOS
http://www.thocp.net/hardware/aritmometer.htm
http://www.columbia.edu/acis/history/hollerith.html
http://www.cesga.es/mostra/carteles/eniac.html
http://www.granneman.com/techinfo/background/history/
http://www.w3.org/History.html
UNESCO - Observatório da Sociedade da Informação http://osi.unesco.org.br/index.php
WIKIPEDIA – www.wikipedia.org.
 


[1] A esse propósito, no tocante aos advogados, é particularmente emblemática a estatística citada por ÓPICE BLUM, um dos raros especialistas sobre o tema: “(...) dos 550 mil advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB -, apenas cerca de 800 detém algum conhecimento específico sobre Direito e Informática” (BLUM, Renato Ópice. Gazeta Mercantil de 06/07/06. “Direito digital perde na corrida da Internet”).
[2] Pedido de Providências Nº 64/05, Relator Conselheiro Douglas Alencar Rodrigues, DJ de 06/08/07.
[3] Há quem prefira “Direito Eletrônico”, como ALDEMÁRIO e BLUM, outros “Direito Digital”, como PECK, “Jus-Cibernética”, como LOSANO. Há, ainda,  quem empregue a locução “Direito de Informática”, como PAESANI e ROVER, que parece ser a forma premominante de se referir a esta disciplina, em nosso país. No Direito Comparado, são encontráveis as seguintes expressões : em inglês
Computer Law ou Cyber Law, em francês, Droit de L'Informatique ou Droit des nouvelles technologies de l´information, em espanhol, Derecho de Informática, Derecho Informático ou Informática Jurídica, em italiano, Diritto dell'Informatica ou Informatica Giuridica e, finalmente, em alemão, Informationsrecht ou
Rechtsinformatik.
[4] CASTRO, Aldemario Araújo. Apostila Eletrônica de Direito da Informática. Fonte:
http://www.infojurucb.hpg.ig.com.br/conteudo6.htm.
[5] ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Apostila sobre Direito Eletrônico. Fonte: http://www.almeidafilho.adv.br/academica/aula01.pdf
[6] São exemplos de questões com implicação constitucional: a discussão sobre o direito à privacidade e à imagem (como a que envolveu o célebre Caso Cicarelli), ao monitoramento de e-mails, à democratização do acesso aos “bens informáticos”. Aliás, muitos têm defendido a necessidade de se refletir sobre a concepção de uma arquitetura constitucional para preservar no universo virtual os direitos e garantias fundamentais, considerando-se os valores essenciais da sociedade nacional.
[7] Crimes internéticos, praticados por meios eletrônicos, como pedofilia (na verdade, pornografia infantil), fraudes de toda sorte (phishing scams, salamislacing, denial of service attacks) ou mesmo simples ilícitos (spamming, hoaxes, sniffers, etc.) são alguns dos objetos do direito penal na seara informática.
[8] Aqui se poderia citar a eficácia probatória de documentos eletrônicos, assim como a assinatura eletrônica e a certificação digital, como temas de estudo de natureza civil.
[9] Como fazer incidir a tributação e qual seria a espécie tributária aplicável quanto aos serviços de telefonia prestados em sistemas de VoIP (voice over IP), como no caso do programa Skype? Eis uma das tantas questões de interesse tributária que podem brotar no contexto das novas tecnologias da informação.
[10] O ordenamento jurídico trabalhista positivado em nossa legislação consolidada, a CLT, que é de 1943, teria condições de oferecer respostas satisfatórias aos novos desafios como os que se colocam em razão dos novos modelos de prestação de serviços surgidos no meio virtual? O que dizer das relações que se formam em torno de comunidades virtuais ou em MMO´s (massive multiplayer online games) como é o caso do Second Life, um ambiente tridimensional em que várias empresas mantém desde stands de venda até centros de treinamento?
[11] A nova Lei 11.419/06 instituiu o denominado “processo eletrônico” em nosso país, permitindo a prática de atos processuais em meio digital, o que inclui a apresentação de petições, a intimação e mesmo citação das partes, prescindindo-se, totalmente, dos autos e das formas de cientificação em papel. Inaugurou-se uma ruptura sem precedentes com o tradicional sistema que herdamos do Direito Romano e ainda preserva arcaísmos e institutos anacrônicos, o que exigirá do intérprete e do aplicador do direito novos paradigmas. A propósito, deve-se considerar que o processo eletrônico não representa, pura e simplesmente, a digitalização dos autos, mas traduz uma nova forma de conceber a própria relação jurídica processual em que autor, réu e órgãos jurisdicionais passam a interagir de um modo completamente novo, de modo mais ágil e dinâmico.
[12] Veja-se as novas formas de licenciamento autoral propostas para tutelar de modo revolucionário a propriedade intelectual, de que são espécies as licenças creative commons, concebidas por Lawrence Lessig.
[13] ROCCO, Alfredo. Corso di Diritto Commerciale - Parte Generale. Padova: La Litotipo, 1921, p. 76.
[14] Conquanto seja inegável a contribuição proto-histórica e o impacto de tecnologias primitivas (embora sofisticadas e inteligentes) utilizadas em ferramentas de cálculo como o ábaco - que, segundo alguns, teria sido inventado em 2400 AC – e o astrolábio, desenvolvido, ao que parece, por Hipparchus de Alexandria em 200 AC.
[15] O instrumento contou com alguns “upgrades” em 1890, quando então foram agregadas algumas funções adicionais como a acumulação de resultados parciais, o armazenamento e reinserção automática de resultados anteriores (função memória) e a impressão dos resultados.
 
[16] Apenas para que se tenha uma idéia das dimensões do computador, cuja capacidade de processamento não alcança a dos mais modelos celulares disponíveis hoje, o ENIAC pesava 30 toneladas e media 5,50 metros de altura e 25 metros de comprimento.
[17] O fundador da Intel, Gordon Moore, em previsão que se revelou bastante acertada, assentou que, a cada 18 meses, a capacidade de processamento dos computadores dobraria, enquanto os custos de produção permaneceriam constantes.
[18] A propósito, vide os novos smartphones da Nokia, série N (que inclui o N95, um aparelho que reúne GPS, câmera de 5Mp, acesso à Internet via Wireless ou rede GPRS, dentre outros inúmeros recursos), e da Apple, o best-seller I-phone, com 8Gb de memória interna e o revolucionário sistema multi-touch.
[19] “Um computador quântico é um dispositivo que executa cálculos fazendo uso direto de propriedades da mecânica quântica, tais como sobreposição e interferência. Teoricamente, computadores quânticos podem ser implementados e o mais desenvolvido atualmente trabalha com poucos qubits de informação. O principal ganho desses computadores é a possibilidade de resolver em tempo eficiente, alguns problemas que na computação clássica levariam tempo impraticável, como por exemplo: fatoração, busca de informação em bancos não ordenados etc.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Computador_qu%C3%A2ntico).
[20] “A idéia de criar um computador de DNA surgiu da necessidade de resolver problemas combinatórios com mais eficiência. A primeira implementação de tal sistema foi descrito no artigo da Revista Science ‘Computação Molecular de Soluções para Problemas Combinatórios’, de Leonard Adleman, da University of Southern California, em Novembro de 1994. O artigo tratava da resolução do problema do caminho hamiltoniano através de computação por DNA” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Computador_de_ADN). A tecnologia substituiria o silício por moléculas de DNA. Para se ter uma noção da capacidade de armazenamento nesse modelo biotecnológico, 1g  de DNA ou 1 cm³ equivaleria a 1  trilhão cds ou 750 TB.
[21] A respeito das implicações para o direito da utilização da inteligência artificial, que pode ser potencializada pela computação quântica, vide interessante texto de Federico Casa, “Le Scienze Cognitive  e gli studi attuali sull’Informatica Giuridica”, disponível em http://www.filosofiadeldiritto.it/Fondi/1%20Fondo%202007.1.htm. No país, quem tem refletido sobre essa temática é o Prof. AIRES ROVER, o qual conduz estudos sobre o emprego dos denominados sistemas especialistas no universo jurídico. Vide Informática no direito: inteligência artificial, introdução aos sistemas especialistas legais. Curitiba : Juruá, 2001.
 
[22] O primeiro modelo comercial, o Bell 103, foi fabricado pela AT&T em 1962 e tinha a inacreditável velocidade de transmissão de dados na ordem de 300 bps.
[23] BECK, Ulrich. Teoria de la Sociedad de Riesgo, in J. Beriain. (Org.) Las Consecuencias Perversas da Modernidad. Barcelona: Anthropos, Cap. 6.
[24] GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp. “Confiança e Modernidade”. Cap. 3, pp. 82-95.
[25] CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. S. Paulo: Paz e Terra.
[26] McLUHAN, Marshall. The Medium is the Massage: An Inventory of Effects, Bantam Books, 1967.
[27] LEVY lembra que o virtual não é, de per si, bom ou mau. Trata-se de mera potencialidade que assume natureza instrumental projetando qualidades e defeitos do gênero humano, retratando, assim, suas incoerências existenciais.
[28] LESSIG, Lawrence. Code and other Laws of Cyberspace. New York: Basic Books, 1999.
[29] V.g., a existência do anonimato que decorre da impossiibilidade de identificação do usuário do endereço IP (muitas vezes, dinâmico), a partir do qual se acessa a Internet, inviabiliza a identificação de autoria em caso de condutas ilícitas praticadas na web.
[30] A necessidade de respeito à soberania dos estados nacionais obstaculiza, em alguns casos, a persecução criminal, para se ficar com apenas um exemplo.
[31] É precisamente o que propõe o Senador Eduardo Azeredo, relator do projeto da “Lei de Crimes de Informática”.
[32] LESSIG, Lawrence. Op. cit.
[33] BORRUSO R., "Computer e diritto", Milano, 1988.


 

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