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A PARTE FINAL DO ARTIGO 7, ITEM 5, DA CADH [COMISSÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS] E SUA INTERPRETAÇÃO PRO HOMINE

09/07/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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A PARTE FINAL DO ARTIGO 7, ITEM 5, DA CADH [COMISSÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS] E SUA INTERPRETAÇÃO PRO HOMINE

CONTUMÁCIA JUSTIFICADA

Alexandre Langaro*

 

            A parte final do item 5 do art. 7 da CADH diz o seguinte:

 

ARTIGO 7

 

Direito à Liberdade Pessoal

 

5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, á presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condiciona a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.[1]

 

            Ocorre que, como já sustentado, ao investigado[2], ao indiciado, ao acusado, ao denunciado e ao réu[3] assiste o direito[4] de ausência[5]. Direito de ausência como estratégia defensiva, tendo presente o postulado da dignidade humana. Nesse sentido:

 

 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 

III – a dignidade da pessoa humana.

 

            É que a autodefesa – presente o direito à autodeterminação[6] – pode ser exercida, no campo penal e processual, por meio da contumácia [revelia[7] é outra coisa, claro].

 

            Nessa ordem de ideias, o art. 367, CPP [Código de Processo Penal]:

 

Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.

 

            Em síntese, não há revelia, no preceito; tampouco, por óbvio e logicamente, qualquer efeito dela decorrente, no processo penal; o que há, isso sim, é a contumácia [a contumácia processual penal significa ausência, não comparecimento e mais nada, não há qualquer consequência negativa relevante, no tocante à liberdade da pessoa[8]]. No CPP:

 

Art. 261.  Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

 

Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.

            E não há revelia no processo penal[9] porque a defesa – ou a resposta à acusação, ou o fogo cruzado, se se preferir, que sempre terá de ser fundamentada – é parte integrante, inseparável e inexorável do processo criminal acusatório[10], democrático[11] e dialético. Dialético porque, ao final, há a síntese, pelo Estado-Juiz, na sentença. Síntese que decorrente da avaliação, caso a caso, da tese articulada, constante na denúncia, ou na queixa, versus a antítese, extraída da resposta do réu. Tudo, claro, sob pena de nulidade:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos.[12]

 

            Nessa vertente de pensamento, portanto e, tendo presente ainda, no ponto, substancialmente, o postulado pro homine[13], a parte final do artigo 7, 5, CADH – “sua liberdade pode ser condiciona a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo” – tem de ser lida e interpretada no sentido da inexigibilidade da [suposta] obrigação de o réu ter de comparecer em juízo[14], considerada a estratégia defensiva estabelecida pela defesa técnica e pela autodefesa. O que não significa que o réu deva se esconder. Longe disso, o réu tem o dever de informar ao juízo criminal todos os seus dados atualizados, o local onde mora, aonde trabalha e os meios [digitais] pelos  quais pode ser rapidamente contatado [e-mail, telefone, watts app]. Soma-se a isso tudo que a defesa técnica terá de informar, formalmente, nos autos, que adotou essa ou aquela estratégia defensiva [de não comparecer em juízo, por exemplo, dentre outras]. O autor deste artigo designa essa estratégia defensiva por contumácia justificada. Contumácia justificada que, além de legítima, jurídica e altamente recomendada é, sobretudo, eficaz, nos terrenos penal e processual penal. No CED [Código de Ética e Disciplina da OAB]:

 

Art. 11. O advogado, no exercício do mandato, atua como patrono da parte, cumprindo-lhe, por isso, imprimir à causa orientação que lhe pareça mais adequada, sem se subordinar a intenções contrárias do cliente, mas, antes, procurando esclarecê-lo quanto à estratégia traçada.

 

Art. 23. É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado. Parágrafo único. Não há causa criminal indigna de defesa, cumprindo ao advogado agir, como defensor, no sentido de que a todos seja concedido tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, sob a égide das garantias constitucionais.

 

        Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova Iorque.



[1][Grifado por conta].

[5][Alexandre Langaro, “Dogmática Penal por artigos”, 2020, Kindle/Amazon].

[6][Ato ou efeito de decidir por si mesmo; livre escolha do próprio destino, in https://www.google.com/search].

[7][Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. (CPP)

Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor (CPC – Código de Processo Civil)].

[8][CADH/2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano].

[9][Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312].

[10][CRFB/1998/Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei].

[11][Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […].

Do postulado republicano, expressamente previsto no caput do art. 1º, CF, se retiram os princípios da racionalidade e da proporcionalidade].

[12][CPP].

[13][A norma mais favorável ao ser humano tem de prevalecer].

[14][CRFB/1988/Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado].

 

Rua Cincinato Braga, 37 - 13° e 14° andares - Bela Vista - São Paulo - SP  -  (11) 3346-6800  -  


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