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HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS NAS AÇÕES ELEITORAIS

05/05/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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Honorários Sucumbenciais nas Ações Eleitorais

 

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]

 

A Constituição Federal, no artigo 5º garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, em seu inciso LXXVII, a gratuidade das ações de habeas corpus habeas data, e, na forma da lei, dos atos necessários ao exercício da cidadania. 

Contudo, a CF não faz menção ao que compõe esta “gratuidade”. Uma lei dos anos 1950, contudo, estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Nesta lei, n.º 1060/50 quanto à isenção das despesas, constava dispositivo, hoje revogado, que previa que “a assistência judiciária” compreende as seguintes “isenções”:

I - das taxas judiciárias e dos selos; II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados; V – dos honorários de advogado e peritos. VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade. (Incluído pela Lei nº 10.317, de 2001) VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009). Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal. (Incluído pela Lei nº 7.288, de 1984).

 

Contudo, a Constituição Federal, quanto aos atos necessários ao exercício da cidadania, foi regulamentada pela Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996. Que dispõe, em seu primeiro artigo:

 “São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados: I - os que capacitam o cidadão ao exercício da soberania popular, a que se reporta o art. 14 da Constituição; II - aqueles referentes ao alistamento militar; III - os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia de irregularidades administrativas na órbita pública; IV - as ações de impugnação de mandato eletivo por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude; V - quaisquer requerimentos ou petições que visem as garantias individuais e a defesa do interesse público. VI - O registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. (Incluído pela Lei nº9.534, de 1997) VII - o requerimento e a emissão de documento de identificação específico, ou segunda via, para pessoa com transtorno do espectro autista. (Incluído pela Lei nº 13.977, de 2020)”.

 

Assim, garante gratuidade a todos os atos que visem a garantia da soberania popular que estejam envolvidos nas matérias relativas aos Direitos Políticos, diz o art. 14 da CF:

A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I -  plebiscito; II -  referendo; III -  iniciativa popular. § 1º O alistamento eleitoral e o voto são: I -  obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II -  facultativos para: a)  os analfabetos; b)  os maiores de setenta anos; c)  os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. § 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos. § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: I -  a nacionalidade brasileira; II -  o pleno exercício dos direitos políticos; III -  o alistamento eleitoral; IV -  o domicílio eleitoral na circunscrição; V -  a filiação partidária; VI -  a idade mínima de: a)  trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b)  trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c)  vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d)  dezoito anos para Vereador. § 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. § 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente. § 6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. § 8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I -  se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; II -  se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. § 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. § 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

 

Quanto às ações de impugnação de mandato eletivo por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, antes de 1988, a Lei n.º 7.493/86 dispunha que a diplomação não impedia a perda do mandato, pela Justiça Eleitoral, quando se comprovasse que foi obtido mediante abuso de poder político ou econômico. Após a Constituição, tem-se a Lei n.º 7.664/88 de 29 de junho de 1988,  que determinou que o mandato eletivo poderia ser impugnado perante a Justiça Eleitoral, após a diplomação, instruída com provas conclusivas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude e transgressões eleitorais (art. 24), embriões da ação de impugnação de mandado eletivo[2].

Além destas matérias, a Lei das Eleições (Lei 9.504/97) oportunizou a existência de novas ações que também receberam o mesmo tratamento pela jurisprudência do TSE[3], de modo que não só as ações eleitorais, mas qualquer feito eleitoral pudesse ser desprovido de cobranças, custas processuais, emolumentos e condenação em sucumbência. São comumente referenciadas as decisões seguintes, neste sentido:

  1. Eleições 2012. Agravo regimental. Agravo. Conduta vedada. Caracterização. Processo eleitoral. Justiça. Gratuidade. Inexistência. Reexame. Fatos e provas. Impossibilidade. Desprovimento. 1. No processo eleitoral não há falar em gratuidade de justiça, porquanto não há custas processuais e tampouco condenação em honorários advocatícios em razão de sucumbência. 2. Alterar a conclusão da Corte Regional que assentou a prática de conduta vedada pela agravante demandaria o vedado reexame do acervo fático-probatório dos autos nesta instância extraordinária, em ofensa às Súmulas nos 7 do STJ e 279 do STF [...]”. (Ac. de 12.5.2015 no AgR-AI nº 148675, rel. Min. Luciana Lóssio.)
  2. NE: “[...] indefiro o pedido de gratuidade da justiça, pois não incidem custas ou honorários sucumbenciais no presente feito (art. 25 da Lei nº 12.016/2009.)” (Ementa não transcrita por não reproduzir a decisão quanto ao tema). (Ac. de 17.2.2011 no AgR-RMS nº 696, rel. Min. Cármen Lúcia.)
  3. NE: Ementa não transcrita por não reproduzir a decisão quanto ao tema. Analisando pedido de assistência judiciária gratuita, o ministro relator assentou que “Ademais, vale ressaltar que nos feitos eleitorais não há condenação ao pagamento de honorários em razão de sucumbência, bem como inexiste o preparo, tendo em vista que a Justiça Eleitoral não se encontra aparelhada para realizar o seu recebimento”. (Ac. nº 327, de 19.4.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)
  4. “[...] indefiro o pedido de gratuidade da justiça, pois não incidem custas ou honorários sucumbenciais no presente feito (art. 25 da Lei nº 12.016/2009.)” (Ementa não transcrita por não reproduzir a decisão quanto ao tema). (Ac. de 17.2.2011 no AgR-RMS nº 696, rel. Min. Cármen Lúcia.)
  5. “[...] Nos feitos eleitorais, não há condenação a pagamento de honorários em razão de sucumbência. Precedentes. Não provido”. (Ac. nº 23.027, de 13.10.2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

 

Note que na lei de 1950 não estão citados os honorários “sucumbenciais”, ainda que houvesse referência aos mesmos, como dito, o artigo foi expressamente revogado pelo Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), assim dispondo, em seu artigo 98, que:

A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. § 1º A gratuidade da justiça compreende: I - as taxas ou as custas judiciais; II - os selos postais; III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais; VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. § 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.

 

É necessário notar que, conforme grifo no trecho citado da jurisprudência, que somente uma das decisões é de data posterior ao novo Código de Processo Civil. Ou seja, na leitura realizada hoje, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.

Pode-se argumentar a especialidade da Justiça Eleitoral para resolução da matéria. Contudo, não há dispositivo especial neste sentido, apenas jurisprudência, ainda não debatida frente ao artigo 98 do Novo Código de Processo Civil. O que há, em sede de norma Eleitoral é o disposto no artigo 373 do Código Eleitoral, que diz: “São isentos de sêlo os requerimentos e todos os papéis destinados a fins eleitorais e é gratuito o reconhecimento de firma pelos tabeliães, para os mesmos fins. Parágrafo único. Nos processos -crimes e nos executivos fiscais referente a cobrança de multas serão pagas custas nos têrmos do Regimento de Custas de cada Estado, sendo as devidas à União pagas através de sêlos federais inutilizados nos autos.”[4]

Vale frisar que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem admitido fixação de honorários advocatícios em processos que versem sobre cobrança judicial de dívida ativa da Fazenda Pública e nas situações em que configura litigância de má-fé, prevendo, também, o cabimento de honorários sucumbenciais em exceção de pré-executividade na execução fiscal. Assim, a jurisprudência aduz: “Ainda que não sejam devidos honorários de sucumbência nos processos eleitorais, as partes não adquirem uma completa isenção pelos atos processuais que praticam, razão pela qual, configurada a hipótese de litigância de má fé, as sanções advindas do comportamento temerário da parte devem ser aplicadas integralmente” (Ac. De 16.6.2014 no REesp nº 183219, rel. Min. Henrique Neves).

A despeito de existirem acórdãos do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que a Justiça Eleitoral não admite honorários sucumbenciais, há que se resgatar a interpretação sistemática frente ao novo Código de Processo Civil, em especial ao sentido do termo “gratuidade” disposto no texto constitucional e nas normas que o acompanham.

Na interpretação sistemática, confronta-se a prescrição positiva com outra de que proveio, ou que da mesma dimanaram, verifica-se o nexo entre a regra e a exceção, entre o geral e o particular, e deste modo se obtém esclarecimentos preciosos[5]. De acordo com o CPC, art. 85, “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. Compreendendo não ser possível haver honorários fixados por arbitramento judicial diante da gratuidade nos atos na seara eleitoral, há que se rever o disposto aos honorários sucumbenciais diante do já citado §2º do artigo 98 do mesmo código: “A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência”.

À guisa de conclusão, a análise dos dispositivos não deve olvidar a dispensa das despesas eleitorais, indiscutivelmente isentas na seara eleitoral, apenas o sentido da “gratuidade” em sede de honorários sucumbenciais. Isso é especialmente relevante se considerado o direito em norma que emana de mesmo ente legiferante que as normas aqui elencadas, o artigo 22 da Lei nº 8.906, de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, que diz: “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”, revelando a natureza distinta de cada um deles e o direito ao recebimento diante de efetiva realização de serviço profissional.

 

 



[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

 

[2] BORGHI, Fátima Aparecida de Souza. Considerações sobre a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Disponível em: https://www.mpms.mp.br/portal/download.php?codigo=11239. Acesso em 04 de maio de 2020.

[3] Justiça Eleitoral não cobra custas processuais para julgamento de ações ou recursos, 2015. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Julho/justica-eleitoral-nao-cobra-custas-processuais-para-julgamento-de-acoes-ou-recursos.

[4] LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965.

[5] MAXIMILIANO, Carlos. “Hermenêutica e Aplicação do Direito”. 21ª Edição. Rio de Janeiro. Forense, 2017.

 

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