Artigo
LINDB: NOTAS AOS ADVOGADOS
22/04/2020
- Fonte:
ESA/OABSP
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LINDB: notas aos advogados
Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]
Regina Célia Martinez[2]
Renata Miranda Lima[3]
Trivialmente, o conhecido Decreto-Lei Nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 está relacionado à Teoria Geral do Direito, influenciando o ordenamento jurídico em sua totalidade ao tratar da vigência das normas (arts. 1º e 2º); da obrigatoriedade das leis (art. 3º); da integração das normas (art. 4º); da interpretação das normas (art. 5º); da aplicação da lei no tempo (art. 6º) e da aplicação da lei no espaço (arts. 7º a 19).
Anteriormente referida como LICC, a vigência do Decreto foi iniciada no dia 24 de outubro do de 1942 e desde então a norma foi alterada diversas vezes. Vale frisar sua alteração pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, que ao alterar a ementa do Decreto-Lei, ampliou seu campo de aplicação, fazendo com que a redação “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro” passasse a ser “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”.
A ementa de uma lei, de acordo com a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República[4], é a parte do preâmbulo que sintetiza o conteúdo da lei, a fim de permitir, de modo imediato, o conhecimento da matéria legislada, devendo guardar estreita correlação com a ideia central do texto e com o primeiro artigo do ato proposto.
Assim, a modificação da ementa sugere que, a partir de 30 de dezembro de 2020, o Decreto-lei nº 4.657/1942 valha para além do Código Civil, estendendo-se às demais normas do Direito brasileiro.
Em sua obra, Maria Helena Diniz[5], destaca o entendimento de Wilson de Campos Batalha de que a “Lei de Introdução é um conjunto de normas sobre normas”, isto porque disciplina as próprias normas jurídicas, assinalando-lhes a maneira de aplicação e entendimento, predeterminando as fontes de direito positivo, indicando-lhes as dimensões espaciotemporais. Isso significa que essa lei ultrapassa o âmbito do Direito Civil, vinculando o direito privado como um todo e alcançando o Direito Público, atingindo apenas indiretamente as relações jurídicas. A Lei de Introdução contém, portanto, normas de sobredireito ou de apoio que disciplinam a atuação da ordem jurídica.
E continua[6], “Não está incluída no Código Civil, cuja matéria se circunscreve às relações de ordem privada, por tal razão, em bora hora veio a lume a Lei n. 12.376/2010. Além disso a fixação de normas desse teor, em uma lei especial, tem a vantagem de permitir ulteriores modificações, independentemente das transformações que se operarem nos institutos civis.”
Outra alteração de suma importância em relação à LINDB foi aquela realizada pela Lei 13.655 de 2018, que acrescentou os arts. 20 a 30, que tratam sobre a segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público, influenciando principalmente o Direito Administrativo, Financeiro, Orçamentário, Tributário e Processual Civil, provocando uma “publicização” da LINDB, ou seja, incluindo dispositivos relativos ao Direito Público[7].
Nesta toada, a redação do artigo 20 e parágrafo único, bem como a do artigo 21 e parágrafo único, explicitam que ao decidir, seja no âmbito do processo administrativo como no judiciário, a autoridade respectiva não deve estar pauta em valores abstratos sem considerar as consequências práticas que podem decorrer da decisão. Assim, a abstração dos valores usados na decisão deve ser equilibrada por meio da motivação que justificará a necessidade da decisão, sua adequação ou a invalidação.
Por conseguinte, pode-se extrair da norma vedação dirigida a autoridade que há de decidir em lançar mão a valores jurídicos abstratos sem considerar as consequências desta decisão no mundo dos fatos. Do contrário, se deturparia a real finalidade do legislador que é aumentar a qualidade jurídica das decisões[8].
Salienta-se que a modificação legislativa visa conter o excesso de subjetivismo e a superficialidade de decisões, impondo a obrigatoriedade do efetivo exame das circunstâncias do caso concreto, tal como a avaliação das diversas alternativas sob um prisma de proporcionalidade e razoabilidade que rege o Estado de Direito.
De outro modo, considera-se que a renovação legislativa não adotou o "consequencialismo", enquanto espécie da teoria da argumentação[9], mas tão somente exigiu que ao decidir a autoridade deve tecer considerações quanto às consequências empíricas da decisão, o que enseja comprovação por parte dos operadores da real e verossímil ocorrência.
No que tange ao artigo 22 e seus parágrafos, considera-se que, seguindo a mesma vertente do artigo anterior, o legislador impõe diretrizes à interpretação da norma, a qual deve ser ponderada a partir do primado da realidade considerando toda a circunstância fática na qual o administrador está inserido quando da interpretação de normas sobre gestão pública.
Os artigos 23 e 24 da referida lei têm como sustentáculo fortalecer valores de segurança jurídica no decorrer do processo decisório, e quanto os artigos 26 e 27 da LINDB instauraram tanto nos processos administrativos como nos processos judiciais a possibilidade de transação de Direito Público ao conceber o instrumento do compromisso e o instituto da compensação[10] decorrentes dos benefícios auferidos indevidamente e respectivos prejuízos impostos à administração pública. Significando que qualquer órgão ou ente administrativo encontra-se autorizado a celebrar compromisso sem necessária edição de lei, decreto ou regulação interna[11].
Quanto ao artigo 28, este, por sua vez, trata sobre a responsabilização pessoal dos agentes públicos diante de erro grosseiro. Considera-se que o teor deste artigo deve ser visto a partir da ótica da Constituição em seu artigo 37º §6º CRFB que prevê a possibilidade do direito de regresso consubstanciada no princípio da eficiência.
Observa-se que este artigo gerou algumas discussões no âmbito jurídico principalmente no que diz respeito a sua constitucionalidade, assim como, observa-se que deste artigo decorrem diversas consequências no que tange à responsabilidade proveniente do erro grosseiro[12].
O artigo 29 também acrescentado pela Lei n. 13655, de 25 de abril de 2018, consagra a governança participativa[13] na medida que dispõe: “em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão”. E, complementa em seu ´parágrafo 1º.: “ A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver.” Assim, a Administração Pública tem o dever de realizar consulta pública prévia à publicação de ato administrativo normativo, pois sua ausência implicaria em ato normativo unilateral[14], o que não é esperado de um ente incumbido de representação da coisa pública.
O legislador, no art. 30 finaliza a LINDB destacando: “ As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.” Assim, surge o dever de respeito futuro ao conteúdo emanado das consultas e também o dever simétrico de respostas às mesmas em exercício ao direito de petição[15].
O advogado no exercício do seu mister deve estar atento às referidas súmulas administrativas existentes e pertinentes à temática em que atua, à medida em que uniformizam a jurisprudência administrativa no Estado.
Por fim, consagra-se que essas modificações entraram em vigor desde a data da publicação da Lei 13.655/2018, ou seja, desde o dia 26 de abril de 2018, exceto quanto ao art. 29 acima citado (que prevê que em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão), que apresentou um prazo de vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias.
Conteúdo aprofundado quanto à esta matéria pode ser encontrado no parecer elaborado por juristas em resposta à comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL n° 7.448/2017, que fundamentou as alterações finais à LINDB[16]. O grupo de juristas entende que as alterações figuram como um grande avanço para a melhoria da qualidade decisória nacional, consagrando as “melhores práticas em matéria de controle da administração pública, em grande parte já utilizadas no Brasil e no plano internacional por órgãos controladores”.
Os advogados devem estar atentos às alterações incluídas em 2018, especialmente pelo fato de que elas incitam alterações com implicação sobre segurança jurídica, decisões judiciais fundamentadas e motivadas e que as mesmas considerem suas consequências práticas no âmbito do Direito Público.
[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).
[2] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Doutora. Mediadora, Conciliadora e Árbitra. Professora da Escola Paulista da Magistratura de São Paulo(EPM). Vice Presidente da Associação Paulista de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais. Membro efetivo da Comissão de Ensino Juridico da OAB/SP. Consultora Especialista do Conselho Estadual de Educação – São Paulo. Integrante do Banco de Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior – BASIS. Consultora Jurídica.
[3] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia ESA/OAB-SP (2020). Mestre pela Universidade Nove de Julho em Direito (2018-2020). Coordenadora Adjunta do Núcleo de bolsas e desenvolvimento Acadêmico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM (2019-2020). Coordenadora Adjunta do Grupo de ações indiscriminatórias do Grupo Prerrogativas (2019-2020). Atuante em ações Adovocacy pelo curso AdvocacyHub. Pós-Graduada pela Universidade Castilla La Mancha - UCLM em negociação, conciliação e mediação em resolução de conflitos (2018). Pós-Graduada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM em parceria com o Instituto Ius Gentium Conimbrigae (IGC) Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Direitos Fundamentais Internacionais (2017). Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE (2016).
[4] BRASIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República. Ementa Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Dicas/Ement. a.htm; Consulta em 20 de fevereiro de 2020.
[5] Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume I:teoria geral do direito civil- 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 73. “W. Campos Batalha, Lei de Introdução ao Código Civil, São Paulo, Max Limonad, 1959, v. 1,p.5 e 6; Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, São Paulo, Saraiva, 2001; Espínola e Espínola Filho, A Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro comentada, Rio de Janeiro, 1943, v. 11. P. 10; Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro. Borsoi, 1955; Lair da Silva Loureiro Filho, Lei de Introdução ao Código Civil interpretada, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2000; Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso, cit., v. 1, p.59-81;Zeno Veloso, Comentários à Lei de Introdução do Código Civil – arts. 1º. A 6º. , Belém, Unama, 2005.
[6] Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume I:teoria geral do direito civil- 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 73. “W. Campos Batalha, Lei de Introdução ao Código Civil, São Paulo, Max Limonad, 1959, v. 1,p.5 e 6; Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, São Paulo, Saraiva, 2001; Espínola e Espínola Filho, A Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro comentada, Rio de Janeiro, 1943, v. 11. P. 10; Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro. Borsoi, 1955; Lair da Silva Loureiro Filho, Lei de Introdução ao Código Civil interpretada, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2000; Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso, cit., v. 1, p.59-81;Zeno Veloso, Comentários à Lei de Introdução do Código Civil – arts. 1º. A 6º. , Belém, Unama, 2005.
[7] FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. 2.ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodvim, 2018, p. 185.
[8] SUNDFELD, Carlos Ari; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Uma nova lei para aumentar a qualidade jurídica as decisões públicas e de seu controle. In: Contratações públicas e seu controle. Carlos Ari Sundfeld (Org.) São Paulo: Malheiros, 2013, p. 277-285.
[9] MACCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Clarendon Law Series, Oxford: Oxford University Press, 1978.
[10] O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento (§1º do art 26 da LINDB).
[11] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Art. 26 da LINDB Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 225-242, nov. 2018..
[12] É exemplo do exposto a imprescritibilidade das ações de ressarcimento do erário. Destaca-se que por ser este um tema autônomo, não cabe nos objetivos que propõe este artigo.
[14] MONTEIRO, Vera. Art. 29 da LINDB Regime jurídico da consulta pública. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 225-242, nov. 2018.
[15] MOREIRA, Egon Bockman; PEREIRA, Paula Pessoa. Art. 30 da LINDB O dever público de incrementar a segurança jurídica. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 225-242, nov. 2018.
[16] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo et al.; Resposta aos comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL n° 7.448/2017. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf. Consulta em 20 de fevereiro de 2020.