Artigo
TENTATIVA E IMPUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS
07/04/2020
- Fonte:
ESA/OABSP
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TENTATIVA E IMPUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS
Alexandre Langaro*
1. O ‘concurso de pessoas’[1] — antigo concurso de agentes de que tratava a redação original do art. 25 do Código Penal (CP)[2] de 1940 — tem na Teoria Monística, ou Monástica Limitada, ou Temperada, o seu ponto fundamental; ademais de revelar, também, a ‘culpabilidade’ [a responsabilidade penal, no caso] como medida da pena. Assim:
Art. 29 — Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade [responsabilidade penal[3]].
§ 1º — Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º — Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
2. A ‘participação’ pode dar-se por ajuste, por determinação ou instigação [aporte ‘moral’] e por auxílio [aporte material].
3. A participação, para ser típica [proibida, vedada penalmente], não pode ser banal. A participação trivial, comum, ou banal, é um indiferente penal. O aporte é banal, assim, no caso de roubo, por exemplo, em que o ‘agente’ toma um táxi e diz para o motorista levá-lo, rapidamente, à Rua Central, porque, nesse local, assaltará a joalheria Comercial. O taxista o leva, recebe o pagamento pela corrida e vai embora. O aporte, aqui, do taxista, é banal, totalmente indiferente ao Direito Penal; além disso, a tipicidade conglobante[4], torna atípica a conduta do motorista do táxi. Agora, se, nesse mesmo exemplo, o taxista esperar o ‘agente’ a assaltar a joalheria para logo o levar para o aeroporto, a participação, ou o aporte material, deixará de ser banal, merecendo, por isso, glosa penal, proporcional. A participação, assim, no exemplo acima, passou a ser funcional, à medida auxiliou — agilizou — a fuga do local do crime, por parte autor da infração penal. É que se o taxista não estivesse esperando o autor do roubo, teria ele decerto de fugir a pé, ou chamar um táxi, ou um tomar um ônibus, o que, certamente, demoraria mais, a acarretar a iminente possibilidade de captura [detenção] do ‘agente criminoso’, pela polícia.
4. O partícipe é partícipe porque não tem o domínio do fato. Se o tiver, tal e como o autor, ou o coautor [que também é autor], deixa de ser partícipe. Domínio do fato significa controlar o fato delituoso, desde o seu ‘nascedouro’, tomando, no ponto, conta de absolutamente tudo: o tempo do crime, o lugar do crime, o plano criminoso, o modo e os meios de executar a infração penal, o controle sobre os partícipes [os atos dos partícipes] e sua respectiva quantidade, o momento exato do encerramento da atividade criminosa.
5. Isso tudo, é, claro, tem influência no campo processual penal, sobretudo no recebimento, ou não, pelo juízo criminal, da denúncia oferecida. Nesse sentido:
Tempo do crime
Art. 4º — Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.
Lugar do crime
Lugar do crime
Art. 6º — Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. [CP]
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. [Código de Processo Penal — CPP]
7. Então, a Teoria Monística Limitada — que não dispensa a investigação dogmática acerca da existência do dolo —, exige, por parte do autor da ação penal, presente o sistema acusatório, a narrativa pormenorizada, ou destrinchada, se se preferir, na denúncia, sobre os autores[5], os partícipes da empresa delituosa, o tempo do crime, o lugar do crime[6]. No STF:
A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta.[7]
Crime contra a ordem tributária. Imputação penal deduzida contra sócios da empresa. Acusação que deve narrar, de modo individualizado, a conduta específica que vincula cada sócio ao evento supostamente delituoso. A questão dos delitos societários e a inadmissível formulação de acusações genéricas. Ofensa aos postulados constitucionais da plenitude de defesa e da presunção de inocência. Medida cautelar deferida. A invocação da condição de sócio e/ou de administrador de organização empresarial, sem a correspondente e individualizada descrição de determinada conduta típica que os vincule, de modo concreto, ao evento alegadamente delituoso, não se revela fator suficiente apto a justificar, nos delitos societários, a formulação de acusação estatal genérica ou a prolação de sentença penal condenatória.[8]
8. Importa destacar que a punibilidade do partícipe depende de o autor da infração penal ter ao menos tentado praticar o crime. Sem a tentativa, portanto, por parte do autor do crime, não há, por conseguinte, punibilidade da participação, dado que acessória — Teoria da Assessoriedade Limitada. Dessa forma, na mesma hipótese envolvendo o taxista, citada no item 3, acima, suponha-se que, como já exemplificado, o taxista se comprometeu a auxiliar o ‘autor’ do roubo, aguardando-o, no carro, ao volante, para, logo, transportá-lo para o aeroporto. Acontece que, por um motivo qualquer, o ‘autor’ do roubo, enquanto o taxista o esperava, desistiu de praticar o crime, não dando início a qualquer ato executivo. Em consequencia disso, a ‘participação’ do taxista, na espécie, é impunível. No CP:
Art. 14 — Diz-se o crime:
Crime consumado
I — consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;
Tentativa
II — tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Art. 29 — Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º — Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
Casos de impunibilidade
Art. 31 — O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
9. A participação, dessarte, como instituto acessório e limitado, para ser punida, glosada penalmente, depende que a infração penal [‘o principal’] tenha sido, ao menos, tentada. O caso da arma entregue por A à B, para a prática de um homicídio, qualificado ou não, pode ser invocado, como exemplo. Na espécie, houve auxílio, ou aporte material, mediante a entrega da arma, para o suposto ‘autor’ do crime. A punibilidade do partícipe, então, ficará na dependência de esse ‘autor’ ao menos iniciar a execução da infração penal. Para isso, na hipótese tratada, bastaria, em princípio, A sacar e apontar a arma para B. A pena a ser fixada à B teria de ser igual ao castigo fixado à A, diminuída, contudo, de um sexto a um terço, dada a existência da participação de menor importância, porém, não banal, de B. De menor importância porque, sem o aporte material, consistente na entrega da arma, por parte de B à A, o homicídio poderia ter sido consumado com qualquer outra arma, inclusive e exemplificativamente, por meio de arma branca, própria [faca] ou imprópria [machado], ou, todavia, sem o uso de qualquer arma.
Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York
[2][Pena da co-autoria
Art. 25. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas.
[3][Nota de Alexandre Langaro].
[4][Eugenio Raúl Zaffaroni, ‘Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2019].
[5][Agravantes no caso de concurso de pessoas
Art. 62 — A pena será ainda agravada em relação ao agente que:
I — promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes.
[6][Arts. arts. 1º, caput, III, 5º, XLV, XLXVI, LIV e LV, CF (Constituição Federal), 41, CPP e 4º, 6º, 13 e 29, CP].