Artigo
O RITO DO AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL
02/04/2020
- Fonte:
ESA/OABSP
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O RITO DO AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL
Alexandre Langaro*
1. A LEP — Lei de Execução Penal 7.210/1984, estabelece:
Art. 197. Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.
2. A LEP, contudo, não determina o rito processual a ser seguido, no caso desse agravo.
3. O Superior Tribunal de Justiça, no ponto, fixou a seguinte orientação:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. RITO. OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO PARA O RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. INDICAÇÃO DAS PEÇAS NECESSÁRIAS. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Diante dessa falta de previsão em lei sobre o rito processual a ser adotado no trâmite do recurso de agravo em execução penal (LEP, art. 97[1]), tanto a jurisprudência quanto a doutrina majoritária firmaram o entendimento de que procedimento a ser adotado deve ser o do recurso em sentido estrito, estabelecido nos arts. 581 a 592 do Código de Processo Penal.
2. O Ministério Público cumpriu o ônus legal previsto no art. 587 do Código de Processo Penal, de que "Quando o recurso houver de subir por instrumento, a parte indicará, no respectivo termo, ou a requerimento avulso, as peças dos autos de que pretenda traslado", motivo pelo qual a Corte de origem não poderia haver deixado de julgar o mérito do recurso sem que, antes, providenciasse a juntada dos documentos indicados no termo do recurso.
3. Havendo sido devidamente indicadas pelo Ministério Público as peças que deveriam haver sido trasladadas para a correta instrução do agravo, não poderia a Corte estadual haver deixado de apreciar o mérito do recurso.
4. Agravo regimental não provido[2].
4. Isso significa que ao agravo em execução penal o STJ diz que tem aplicabilidade o procedimento previsto para a tramitação do recurso em sentido estrito — art. 581 e seguintes, CPP [Código de Processo Penal].
5. Discorda-se desse entendimento.
6. O CPP diz que:
Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
7. Sabe-se que, no campo processual penal, admite-se expressamente a interpretação extensiva [evolutiva/fundamental[3]] e a aplicação analógica. Assim como o suplemento dos princípios gerais de direito.
8. Merece destaque o fato de que tanto a interpretação extensiva como a aplicação analógica têm de considerar — sistematicamente [e o sistema do ordenamento jurídico é uma ordem e não uma babel] — os valores e os postulados constitucionais e os Direitos Internacionais dos Direitos Humanos. Sobretudo o vetor da dignidade da pessoa humana — fundamento impregnado de centralidade no Estado Democrático de Direito[4] —, do devido processo legal[5] e das suas elementares: o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[6].
9. Tudo isso com vistas à razoável duração do processo, claro, tendo em conta as categorias ônticas. No CPC[7]:
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
10. O que sobe de ponto quando em jogo, como na espécie, mediata ou imediatamente, a liberdade — bem de envergadura maior e ímpar.
11. Na era digital, por conseguinte, não faz nenhum sentido, lógico e ou processual, mandar processar, na origem, morosa e anacronicamente, o agravo, como recurso em sentido estrito, com ‘traslado”, “instrumento” … .
12. Nessa linha — combinados com os arts. 1º, caput, III, 5º, caput, LIV, LV e LXXVIII, §§ 1º a 4, CF [Constituição Federal] —, os arts. 3º, CPP, 1º, 14, 1.015, caput, II, 1.016, caput, e 1.019, caput e I, CPC. Assim:
Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
II — mérito do processo.
Art. 1.016. O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio de petição com os seguintes requisitos: […].
Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:
I — poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.
13. A Declaração Universal dos Direitos Humanos — DUDH, 1948, revela que:
Artigo 8°
Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. [Grifado por conta]
Artigo 11°
1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
14. O Decreto 592/1992, que promulga o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 1966, estabelece que:
ARTIGO 14
1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. [
15. Também a Convenção Europeia de Direitos Humanos, 1953, diz o seguinte:
Artigo 6.º
(Direito a um processo equitativo)
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. [Sem o grifo no original]
16. Há, assim, manifesta violação das normas Constitucionais e de Direito Internacional dos Direitos Humanos, que, expressamente mencionam a necessidade de efetividade recursal, de equidade, de processos e recursos recheados de garantias e, sobretudo, de prazo razoável para a tramitação e o julgamento recursal. O que está longe de acontecer quando se determina o processamento do agravo [em execução penal] pelo rito, caduco e obsoleto, do recurso em sentido estrito a que se refere o Código Rocco. É que, junto com a publicação e a vigência do Código de Processo Penal/1941[8], surgiu, é importantíssimo recordar, a necessidade, imperiosa, de sua reforma, dado que esse corpo legislativo tinha “na maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem” o seu ponto fundamental. Assim:
De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidencia das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade.
[…]
Quando da última reforma do processo penal na Itália, o Ministro Rocco, referindo-se a algumas dessas medidas e outras análogas, introduzidas no projeto preliminar, advertia que elas certamente iriam provocar o desagrado daqueles que estavam acostumados a aproveitar e mesmo abusar das inveteradas deficiências e fraquezas da processualística penal até então vigente. A mesma previsão é de ser feita em relação ao presente projeto, mas são também de repetir-se as palavras de Rocco: “Já se foi o tempo em que a alvoroçada coligação de alguns poucos interessados podia frustrar as mais acertadas e urgentes reformas legislativas”.
17. No mundo da vida — no campo ôntico, portanto — e conforme o tribunal, local, estadual ou federal, o pedido de medida liminar [ou de tutela provisória de urgência, se se preferir], feito no agravo de instrumento, no procedimento determinado pelo CPC, pode ser analisado[9] ainda no mesmo dia em que o recurso foi interposto. À utilização desse rito recursal — art. 1.016 e seguintes, CPC[10] — isso é bastante. Também é a pá de cal, a fulminar qualquer outro argumento, “sistêmico” ou “funcional”, a ser articulado em sentido oposto. [Dado que — já que a LEP, insista-se, não determina o rito recursal do agravo de que trata o art. 197 — não faz nenhum sentido, repita-se, material e ou processual, seguir-se, consciente ou inconscientemente, o pior procedimento, o mais demorado, o mais travado, o mais anacrônico, o mais desfavorável ao cidadão].
18. Em uma palavra: em caso de conflito entre as leis internas e a Constituição Federal e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, estes prevalecem em detrimento daquelas. Isso considerado, no ponto, o postulado da humanidade, assim sintetizado:
Artigo 1°
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. [DUDH/1948]
*Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York
[2][AgInt no REsp 1629499/MG, sem o grifo no original].
[3][Adjetivos acrescentados pelo recorrente: — o processo é uma marcha para frente].
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. [CF]
Artigo 8º — Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. [Convenção Americana de Direitos Humanos — Pacto de São José da Costa Rica].
[4][Constituição Federal
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III — a dignidade da pessoa humana.
[5][Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV — ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV — aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes].
[6][CF
LXXVIII — a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão].
[7][Código de Processo Civil].
[8][Item II da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal].
[9][CPC
Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:
I — poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.
[10]Art. 1.016. O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio de petição com os seguintes requisitos:
I — os nomes das partes;
II — a exposição do fato e do direito;
III — as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e o próprio pedido;
IV — o nome e o endereço completo dos advogados constantes do processo.