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OS EFEITOS DA PANDEMIA SOBRE A EXECUÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

01/04/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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OS EFEITOS DA PANDEMIA SOBRE A EXECUÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
 
Danielle Franco*
 
O ano de 2020 ficará eternamente marcado como o ano em que o mundo, momentaneamente, parou.
 
As consequências da rápida proliferação do COVID-19 pelo território mundial serão sentidas a longo prazo em todos os setores econômicos, e impactarão diretamente todas as formas de contratação – dentre elas, os contratos celebrados entre o Poder Público e os parceiros privados.
 
Todos as formas de contratação (públicas e privadas) são pactuadas levando em consideração os cenários econômicos passíveis de previsão pelas partes, cenários estes que serão devidamente sopesados e calculados para fins econômico-financeiros da avença que será firmada. Contudo, é razoável considerar que, se mesmo os cálculos mais complexos e avançados não seriam hábeis a abarcar todas as situações que podem eventualmente se materializar ao longo da execução contratual em um cenário usual, o que se diria em um momento de crise mundial em função de uma pandemia.
 
Os contratos administrativos – sejam os celebrados com fundamento na Lei Geral de Licitações (Lei n.º 8.666/93), na Lei de Concessões (Lei n.º 8.987/95) ou, ainda, com fundamento na Lei de Parcerias (Lei n.º 11.079/2004) – são fundados na garantia de preservação do seu equilíbrio econômico financeiro, previsto no artigo 37, XXI, da Constituição Federal (“mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei”).
 
No advento de situações inesperadas ou que provoquem grave alteração nas condições contratadas, a Lei n.º 8.666/93 (aplicável a todas as formas de contratação celebradas com o Poder Público) estabelece no artigo 65, II, alínea “d” a possibilidade das partes (Poder Público e particular contratado) repactuarem as condições inicialmente contratadas, objetivando “a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe.”
 
Esta previsão da Lei de Licitações visa abarcar as intercorrências que podem acometer a execução dos contratos administrativos, conhecidas como álea administrativa e álea econômica e ensejam a recomposição do equilíbrio contratual.
 
A álea administrativa compreende as ações praticadas pela Administração Pública, seja realizando atos alheios ao contrato que indiretamente os afete (fato do príncipe), seja na qualidade de contratante, impondo novas condições contratuais que tornem impossível a sua execução (fato da Administração), sendo que ambas podem ensejar o reequilíbrio das condições contratuais.
 
A álea econômica, por sua vez, compreende todos os acontecimentos externos, absolutamente alheios à vontade dos contratantes, imprevisíveis e inevitáveis, que causam desequilíbrio tamanho que desequilibram sobremaneira o cumprimento das condições inicialmente acordadas.
 
Na linha destas definições, a ocorrência de uma pandemia certamente pode ser considerada como um fato imprevisível e de consequências incalculáveis, apto a impedir a desejável e equilibrada execução das condições contratadas, por um período impossível de se calcular no momento.
 
Assim, o cenário mundial atual apresenta as três características essenciais para aplicação do Teoria da Imprevisão:
 
(i)                 a ocorrência de um evento absolutamente imprevisível e independente da vontade dos contratantes;
 
(ii)               sua ocorrência não pôde, de maneira alguma, ser prevista pelas partes;
 
(iii)             a impossibilidade de execução das condições pactuadas está diretamente relacionada à pandemia.
 
 
É válido destacar que a constatação da impossibilidade de execução do ajuste administrativo nas condições pactuadas e os reflexos decorrentes deverão ser analisados à luz de cada um dos contratos celebrados, tendo como ponto de partida as peculiaridades do serviço contratado, a existência de uma causalidade entre a pandemia e a impossibilidade de continuidade dos serviços, bem com os prejuízos decorrentes e medidas necessárias para normalização da sua prestação.
 
Tendo em mente essas premissas, urge o diálogo imediato e transparente junto ao Poder Público contratante expondo:
 
(i)                 as dificuldades encontradas para continuidade das operações nas condições que antecederam a pandemia (lembrando que somente em casos extremos é possível cogitar a paralisação da prestação de um serviço público tido como essencial);
 
(ii)               os impactos financeiros imediatos e projetados (na medida do possível) em decorrência da impossibilidade de prestação do serviço público nas condições inicialmente contratadas. Essas medidas preventivas podem servir como ponto de partida para eventuais negociações futuras junto ao Poder Público sobre a possível necessidade de revisão de parte das obrigações contratuais.
 
É inquestionável que o cenário atual deixará uma série de consequências impossíveis de serem calculadas neste momento. Mais do que nunca, é um convite para reflexão e busca de soluções que possam atender, na medida do possível, uma pluralidade de interessados e, ao mesmo tempo, permitir a retomada de setores essenciais da economia quando for possível enxergar a luz no fim do túnel.
 
 
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*Danielle Franco é Especialista em Direito Constitucional, Administrativo e Contratual pela Escola Paulista de Direito. Advogada com intensa atuação em Direito Público, tanto no âmbito do contencioso judicial estratégico, como no contencioso administrativo e área consultiva. Especializada em temas de infraestrutura, notadamente licitações e contratos administrativos, concessões de serviço público, parcerias público-privada e regulatório. Acompanha ativamente procedimentos junto aos Tribunais de Contas dos Estados e da União, bem como junto à órgãos da Administração Pública (notadamente Agências Reguladoras de Serviços Públicos). 

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