Artigo
DAS SANÇÕES DA LEI ANTICORRUPÇÃO À LUZ DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES
08/09/2015
- Fonte:
Kleber Bispo dos Santos
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I – Aspectos gerais a Lei Anticorrupção no contexto brasileiro
A corrupção não é algo novo em nossa sociedade. O surgimento da corrupção remonta desde as primeiras organizações das pessoas em grupos minimamente organizados.
Sob esse viés temporal constata-se que a Bíblia possui diversos versos[1] destinados à advertência à corrupção, tendo em vista que naquela época da antiguidade a corrupção já era praticada pela humanidade.
O Brasil ocupa lugar de destaque no ranking da corrupção[2] o que prejudica sensivelmente a população brasileira que mesmo sendo pagadora da alta carga de impostos, diuturnamente se encontra privada de usufruir dos serviços públicos mais básicos, como uma consulta ou procedimento médico mais específico e especializado[3].
Para combater a corrupção o Brasil possui um amplo leque de leis que buscam esse desiderato, editadas com o propósito de tornar ilegais e reprimir as práticas de subornos de agentes públicos, lavagem de dinheiro, fraude em licitações, apropriação ilícita de recursos públicos, dentre outras condutas ilícitas.[4]
Apenas para citar algumas leis que tratam sobre esse tema de combate às diversas formas de corrupção consignamos as seguintes: Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/1965), Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/1985), Lei da Improbidade Administrativa (LIA – Lei n.º 8.429/1992), Lei do Processo Administrativo Federal (Lei n.º 9.784/1999), Lei do Funcionalismo Público (Lei n.º 8.112/1990), Lei das Licitações (Lei n.º 8.666/1993), Lei do Pregão (Lei n.º 10.520/2002), Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.º 101/2000), Lei de Acesso à Informação (Lei n.º 12.527/2011), Lei do Conflito de Interesses (Lei n.º 12.813/2013), Lei de Inelegibilidades (Lei n.º 64/1990), Lei da Ficha Limpa (LC n.º 135/2010), Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei n.º 1.079/1950), Lei do Crime de Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores (Decreto Lei n.º 201/1967), Código Eleitoral (Lei n.º 4.737/1965) e Lei das Eleições (Lei n.º 9.504/1997), Código Penal, Lei da Lavagem de Dinheiro ( Lei n. º 9.613/1998) modificada atualmente pela Lei n.º 12.683/2012, Lei de Organizações Criminosas (Lei n.º 12.850/2013), dentre outras.
Fato real e constatável que não podemos esconder, e que não há como escapar de nossas críticas, é que apesar desse amplo leque de leis, e da cobrança da população pelo extermínio da corrupção o povo brasileiro, em sua grande maioria, ainda convive bem com o “jeitinho brasileiro”[5] e o seu cotidiano está abarrotado de várias ações eticamente reprováveis.
Embora já existisse esse amplo rol de leis, conforme foi citado acima, que de uma forma ou de outra possuíam dispositivos, que se devidamente aplicados, contribuíam para o combate da corrupção, em 1.º de agosto de 2013 foi publicada a Lei Federal n.º 12.846[6], a qual dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, apelidada de Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa[7].
É importante consignar que as condutas tipificadas no artigo 5.º da Lei Anticorrupção[8] como atos lesivos à administração pública, nacional e estrangeira, são condutas já tipificadas em outros diplomas legislativos, como na Lei de Licitações, Lei de Improbidade, Lei da Lavagem de Capitais, Lei dos Conflitos de Interesses, Lei do Crime Organizado, Lei Federal do Processo Administrativo e outras. A novidade é que agora as sanções são especificas e voltadas para a pessoa jurídica.
A maior peculiaridade e inovação trazida por essa novel legislação é que ela prevê uma responsabilidade objetiva da pessoa jurídica[9], nos âmbitos administrativo e civil, por atos lesivos praticado em seu benefício.
Antes da Lei Anticorrupção não havia uma lei especificamente focada e direcionada[10] à punição das pessoas jurídicas concretamente beneficiadas por diversos atos de corrupção.
Com a promulgação da Lei Anticorrupção a punição administrativa da empresa poderá chegar a até 20% do faturamento bruto anual da empresa ou, a até R$ 60 milhões.
Outra inovação bastante relevante da Lei Anticorrupção é a criação de estímulos para que as pessoas jurídicas adotem mecanismos internos de combate à corrupção, tais como, a adoção de códigos de ética e de conduta, que fazem parte de um programa de compliance, destinado a assegurar a lisura da conduta de seus representantes e empregados.
Esses programas de compliance incentivam a adoção de boas práticas empresariais, por meio de treinamentos que objetivam alterar a cultura corporativa e em última análise trazem benefícios e reflexos positivos para a sociedade civil, pois representam uma cultura nova em contraposição à cultura de corrupção já arraigada na sociedade brasileira.
A adoção e o desenvolvimento dos programas de compliance e integridade no combate à corrupção no âmbito corporativo ganharam força no cenário nacional com o aumento no fluxo de investimentos estrangeiros ocorrido nas últimas décadas, em decorrência das leis estrangeiras de combate à corrupção no estrangeiro, antes, portanto, da promulgação da Lei Anticorrupção. Dentre essas leis podemos destacar o Foreign Corrupt Pratices Act (FCPA)[11], em vigor nos Estados Unidos da América, mas que possuem alcance extraterritorial, de modo que podem ser aplicadas mesmo quando entidades ou pessoas sujeitas à lei praticarem atos exclusivamente em território estrangeiro.
Com a promulgação da Lei Anticorrupção, a legislação brasileira acolheu a tendência internacional de incentivo à implantação de programas de integridade por parte das pessoas jurídicas com presença no país.
Além dessa incontestável influência e pressão internacional a Lei Anticorrupção, segundo opinião de alguns juristas e cientistas políticos, e, apesar de ser fato negado pelos elaboradores de seu projeto, teve como mola propulsora de seu surgimento, com aprovação relativamente rápida do projeto de lei datado de 2010, no Congresso Nacional, as manifestações populares de junho de 2013[12], que no exercício legítimo das prerrogativas e liberdades individuais referendadas pelo Estado Democrático de Direito clamava nas ruas, dentre outros pleitos, pelo fim da corrupção, demonstrando que a população não mais tolera desvios de recursos públicos e sua má utilização, bem como, não tolera mais pagamentos de tributos extorsivos sem ter a devida contraprestação, impunidade dos políticos desonestos.
Em que pese tenhamos assentado acima algumas constatações de ordem sociológica, filosófica, histórica e até mesmo estatísticas, esse não é o objetivo das nossas reflexões e estudos no presente trabalho, mas sim, buscaremos fazer um estudo dogmático jurídico de alguns aspectos polêmicos da Lei Anticorrupção com base no direito positivo brasileiro, à luz da ponderação de interesses.
II – O Neoconstitucionalismo e a Ponderação de Interesses
Nosso estudo dogmático jurídico da Lei Anticorrupção, ao menos em alguns aspectos desse diploma, com base no direito positivo brasileiro, adotará como premissa às diretrizes do neoconstitucionalismo[13].
Dentre os atributos do neoconstitucionalismo, será útil aos nossos estudos a compreensão dessa corrente de pensamento de que os princípios são normas autônomas e impositivas de ponderação.
Antes de adentrar nos estudo do princípio e ainda, no estudo da ponderação, importante consignar que o advento do neoconstitucionalismo e a adoção e utilização do método concretista[14] da ponderação, se deu pela crise sobrevinda ao Estado Nazista.
Com o fim do Estado nazista, após a II Guerra Mundial, o constitucionalismo foi revisto, de modo que passou-se mais e mais a defender a positivação, expressa ou implícita dos valores no texto constitucional, abandonando-se a excessiva referência ao legislador que levada à ferro e fogo levou à morte de milhares de judeus durante o nazismo .[15]
Nessa esteira superado o estado nazista, o princípio da legalidade, fruto da reação ao absolutismo monárquico, foi submetido à revisão. Não mais se admitia leis, com o crivo do parlamento e dos juristas, e sob o rótulo do “Estado de Direito” que afrontassem o núcleo de direitos fundamentais, como as que submeteram os judeus à condição de súditos com perdas dos direitos civis.
Após a II Guerra Mundial e, consequentemente, após o nazismo, o Tribunal de Nuremberg, em novembro de 1945, julgou 199 homens, considerando os principais responsáveis pelo nazismo na Alemanha, e, o principal argumento de defesa foi o fiel cumprimento da lei [16].
A partir do fim da II Guerra Mundial empreendeu-se uma revisão do princípio da legalidade, a Administração não deveria ser apenas mais uma fiel executora das leis, a humanidade não tinha mais tanta confiança nos Parlamentos, surgindo uma concepção alemã do princípio da legalidade, que se funda no conceito de princípio jurídico e parte da seguinte diretriz: a lei deve ser cumprida pela Administração na medida em que esse cumprimento reflita o cumprimento dos princípios constitucionais. Ou seja, a concepção alemã manteve o princípio da legalidade, mas, o submeteu a uma complexa concepção principiológica[17].
Para os fins deste estudo será adotado o conceito de princípios em sua terceira fase, vale dizer, princípios como mandados de otimização que devem ser realizados na maior medida possível.
Mas para isso, é necessário se fazer menção às duas fases anteriores do conceito de princípio para deixar clara as suas distinções e possibilitar o uso delas como ferramenta de aplicação de direitos.
Em uma primeira fase do conceito de princípios, os mesmos eram considerados as regras básicas e fundamentais de uma disciplina jurídica, seus aspectos mais importantes[18]. Em uma segunda fase do conceito de princípios, eles deixam de ser apenas os assuntos mais importantes e fundamentos de uma disciplina jurídica e passaram a ser tidos como mandamento nuclear de um sistema, viga mestra e vetor de interpretação de todas as normas jurídicas extraídas do sistema[19], mas ainda nessa fase não são normas jurídicas autônomas, em que pese tenham conteúdo normativo.
Nos dias atuais vigora a terceira fase do conceito de princípios jurídicos, em que eles tem a estrutura lógica de normas jurídicas. Nessa fase vigente tanto as regras como os princípios são normas jurídicas, de modo que ambas são passíveis de aplicação direta.
Essa nova fase sobre o conceito de princípios iniciou-se com Ronald Dworking[20] e consolidou-se com Alexy, sobretudo a partir de seu livro Teoría de los Derechos Fundamentales.[21]
Desta forma, a diferença entre as regras e os princípios não é apensa de grau, em que as regras são consideradas normas menos gerais do que os princípios. O fato, como leciona o administrativista neoconstitucionalista brasileiro Ricardo Marcondes Martins[22], é que há uma diferença qualitativa no modo de positivação, vale dizer, os princípios exigem que seja atingido um fim, mas não fixam o comportamento a ser adotado para que o fim seja atingido, ao contrário das regras, que fixam o comportamento a ser adotado, como no modo de aplicação, ao menos num primeiro momento.
A aplicação dos princípios dá-se pela ponderação, a aplicação das regras dá-se pela subsunção.
O neoconstitucionalismo não importou na renúncia à concepção de princípios como vigas-mestras, mandamento nuclear do sistema, conceitos aglutinadores do conjunto normativo, mas atualmente vige, tanto o conceito da segunda fase quanto o da terceira fase, ambas fases se somam, todavia, o foco de nosso estudo fará mais ênfase ao conceito da terceira fase.
O fato é que princípios, na terceira fase, são normas jurídicas autônomas não servindo apenas para uma interpretação ou invalidação de normas, mas para regular e disciplinar condutas, sobretudo a conduta do agente normativo. Nessa fase, conforme ressalta Ricardo Marcondes Martins, passa a ser perfeitamente possível a edição de atos administrativos fundados diretamente nos princípios jurídicos, e ainda, é possível exigir que uma lei seja editada, ou caso não tenha sido, que um ato administrativo seja editado, ou, ainda, que uma sentença seja proferida, tudo com base diretamente num princípio.
Fato que se extrai dessa concepção é que toda a regra é formada ou traz consigo um princípio, e por outro lado o princípio se traduz em uma regra.
E nesse cenário toda vez que uma regra é aplicada ou um princípio é aplicado, ocorre, em última análise, um conflito entre princípios. E, a nosso ver, a maneira mais segura, racional e transparente de solucionar esse conflito é através da ponderação.
Muitas críticas se fazem ao neoconstitucionalismo e ao método da ponderação, sobretudo, quanto aos critérios que são adotados para se assegurar uma racionalidade, bem como ainda, no sentido de que a discricionariedade adotada pelos agentes normativos afrontaria a democracia.
Todavia, em resposta a estas críticas, iniciando-se pela primeira delas, o que se constata, e demonstraremos nesse estudo, é que a ponderação possibilita uma elaboração e aplicação do direito através da concretização de princípios levando-se em consideração a colisão de princípios, o peso dos princípios, as circunstâncias fáticas concretas, o que do nosso ponto de vista, tornará a decisão muito mais racional e menos subjetiva ou resultante de uma mera interpretação pessoal.
Em reposta à segunda crítica, esclarecemos que por força dos princípios formais, a democracia não é afrontada pela adoção do método da ponderação.
Antes mesmo de falar dos princípios formais, vale ressaltar que os princípios se dividem em três espécies: os princípios de direitos individuais, ou princípios de interesses coletivos, os princípios formais especiais e os princípios formais fundamentais.
Os princípios formais aumentam no plano abstrato, o peso, a importância de outros princípios. Eles atribuem uma carga argumentativa em favor de outros princípios.
Os princípios formais especiais[23] atribuem um peso adicional a outro princípio, mas não possuem a função de garantir a competência dos centros normativos.
Os princípios formais fundamentais garantem o respeito às competências normativas. Eles estabelecem um peso adicional ao valor concretizado pela regra, tendo em vista a competência para editá-la.
Na concretização do direito há um princípio formal que dá primazia às ponderações constitucionais (Pfc), outro dá primazia às ponderações legislativas (Pfl), outro dá primazia às ponderações administrativas (Pfa), e outro dá primazia às ponderações privadas (Pfd), sendo que não há um princípio formal que dê primazia às ponderações jurisdicionais, porque na função jurisdicional não há discricionariedade, ela não se presta, segundo Ricardo Marcondes Martins[24], no que concordamos, a introduzir novas concretizações no sistema, mas a verificar o acerto das concretizações efetuadas pelos agentes normativos e corrigi-las quando equivocadas.
Segundo afirma Ricardo Marcondes Martins [25] os valores devem ser observados pelos particulares, no âmbito de sua liberdade, e, pelos agentes públicos, no exercício da função pública.
Nessa nova concepção do constitucionalismo a discricionariedade está muito presente na concretização das escolhas, vale dizer, na própria concretização do direito em si, que são os valores, os princípios.
É certo que em muitas hipóteses a valoração é objetiva, independe da opinião de cada um se reduzindo à apenas uma possibilidade, todavia, em muitas hipóteses, talvez a maioria delas, a valoração é subjetiva, depende da opinião do agente competente para escolher.
São agentes competentes para efetuar a escolha dos valores[26], vale dizer princípios, e concretizar o direito, o constituinte originário, o constituinte derivado, o legislador e o administrador. Esses princípios jurídicos possuem diferentes pesos de modo alguns prevalecem em determinadas situações fáticas e outros prevalecem em outras situações fáticas.
O constituinte originário é quem possui maior discricionariedade e introduz uma nova ordem constitucional se pautando nos postulados normativos[27], que são pressupostos epistemológicos da própria Constituição, são elementos que fazem parte do sistema jurídico, realizando a primeira ponderação.
Realizada a escolha pelo constituinte, este limitado pelos postulados normativos, são estabelecidos princípios explícitos e implícitos na Constituição. Alguns princípios com peso maior que outros a uma primeira vista ou prima facie[28]. Ao concretizar o princípio P1 pelo meio M1 o constituinte acresce um peso adicional à “P1” pelo “PFco”, de formar que as ponderações constitucionais devem ser respeitadas (P1 + PFco).
O constituinte derivado, reformulador da Constituição, por sua vez pode concretizar o valor “P2” pelo meio “M2”, todavia, é limitado por todas as cláusulas pétreas expressas e implícitas e, ao positivar sua escolha, respeitadas todas as limitações às suas competências, “P2” é acrescido de um peso adicional dado por “PFd”, segundo o qual as ponderações do constituinte reformador devem ser respeitadas (P2+PFd).
Na sequência, suponha-se que o legislador concretize o princípio “P3” pelo meio “M3”. O legislador nessa hipótese será limitado por todas as normas constitucionais, e, ao positivar sua escolha, respeitadas todas as limitações de sua competência, “P3” é acrescido de um peso adicional dado por “PFl”, segundo o qual as ponderações do legislador deve ser respeitadas (P3+PFl).
Suponha-se que o administrador público concretize o princípio “P4” pelo meio “M4”. O administrador é limitado por todas as normas constitucionais e legislativas, e, ao positivar sua escolha, respeitadas todas as limitações às suas competências, “P4” é acrescido de um peso adicional dado por “PFa”, segundo o qual as ponderações do administrador devem ser respeitadas (P4+PFa).
Segundo o escólio do Professor Ricardo Marcondes Martins[29], as ponderações jurídicas devem respeitar os limites impostos ao exercício da competência e o peso dos princípios formais fundamentais.
Ensina ainda, que toda norma abstrata, quer dizer, toda a ponderação realizada no plano abstrato é sempre prima facie, o que significa que se no caso concreto um princípio oposto for mais pesado do que o princípio concretizado pela regra abstrata e o princípio formal que lhe dá primazia, o princípio oposto deve prevalecer (exemplo: P4>P3+PFl ou até mesmo P4>P1+PFco).
Segundo o jurista alemão Robert Alexy[30], conflito entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios, visto que só princípios válidos podem colidir. A solução para a colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto. Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão da precedência seja resolvida de forma contrária.
O jurista espanhol Luis Prieto Sanchis[31] pontua que as antinomias são uma consequência natural do dinamismo do direito e dos sistemas jurídicos e, sobretudo de um déficit de racionalidade do legislador, e que os critérios tradicionais, hierárquico, cronológico e da especialidade apresentam dificuldades para solução de tais antinomia e principalmente nos casos em que a antinomia se produz dentro do mesmo documento legislativo, caso em que se afasta de plano por serem inservíveis, os critérios hierárquico e cronológico.
Pontua ainda Luis Prieto Sanchis que diferentemente da antinomia das regras que se resolvem em invalidação, ou exceção, em virtude do princípio da especialidade, a antinomia de princípios são eventuais contradições que não acarretam validade e invalidade, mas uma relação de preferência condicionada.
A necessidade da ponderação começa desde o momento em que se aceita que não existem hierarquias internas na Constituição e que os princípios carecem de um peso autônomo e diferenciado e só possuem uma vocação de máxima realização que seja compatível com a máxima realização dos demais.
A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores.
Na ponderação vigora a regra de que quanto maior seja o grau de não satisfação ou afetação de um princípio, maior terá que ser a importância de satisfação do outro.
O resultado ótimo de um exercício de ponderação não teria de ser a preponderância esmagadora de um dos princípios, nem sequer no caso concreto, mas sim a harmonização de ambos, isto é, a busca de uma solução intermediária.
Princípios para Robert Alexy[32] são mandados de optimização. E esse conceito de “otimização” na teoria dos princípios decorre da própria definição de princípios. Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Uma das teses centrais da “Teoria dos Direitos Fundamentais” é a de que essa definição implica a máxima da proporcionalidade[33], com suas três máximas parciais, as máximas da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, e que a recíproca também é verdadeira, ou seja, que da máxima da proporcionalidade decorre logicamente o caráter principiológico dos direitos fundamentais. Essa equivalência significa que as três máximas parciais da máxima da proporcionalidade definem aquilo que deve ser compreendido por “otimização” na teoria dos princípios.
Como mandamentos de otimização, princípios exigem uma realização mais ampla possível em face não apenas das possibilidades fáticas, mas também em relação às possibilidades jurídicas. Essas últimas são determinadas, sobretudo pelos princípios colidentes. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, a terceira máxima parcial da máxima da proporcionalidade, expressa e significa a otimização em relação aos princípios colidentes. Segundo Alexy, ela é idêntica à lei do sopesamento[34], que tem a seguinte redação: “Quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância da satisfação do outro.”
Isso expressa que a otimização em relação aos princípios colidentes nada mais é que a ponderação.
A lei da ponderação mostra que ela pode ser dividida em três passos. No primeiro é avaliado o grau de não satisfação ou afetação de um dos princípios. Depois, em um segundo passo, avalia-se a importância da satisfação do princípio colidente. Por fim, em um terceiro passo, deve ser avaliado se a importância da satisfação do princípio colidente justifica a afetação ou a não satisfação do outro princípio.
Diferente do que dizem algumas críticas, o método da ponderação apresenta rigor e disciplina.
O jurista José Maria Rodrigues Santiago[35] demonstrando a racionalidade e método ordenado da ponderação consigna que a mesma se procede através de três fases sucessivas, quais sejam: 1.ª fase) [36]identificação dos princípios (valores, bens, interesses) em conflito; 2.ª fase)[37] atribuição a cada um deles de um peso ou a importância que corresponda em atenção às circunstâncias do caso; 3. ª fase)[38] decisão sobre a prevalência de um princípio sobre os outros.
Famoso caso presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no qual se utilizou a ponderação entre princípios diz respeito a uma ação declaratória, de rito ordinário, em que uma criança investigava a paternidade de seu suposto pai. O Juízo da Segunda Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre determinou a realização de exame de ADN (ácido desoxirribonucléico), com o objetivo de resolver a controvérsia. No entanto, o suposto pai se negou a realizar a coleta de sangue, sendo determinada, por essa razão, a execução forçada da ordem judicial, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[39]. .
Após essa decisão, em razão do suposto pai estar na iminência de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por decisão do Tribunal de Justiça Riograndense, foi impetrado o pedido de "Habeas Corpus" ao Supremo Tribunal Federal, onde a questão foi analisada. Por uma maioria de seis votos contra quatro, o Plenário do STF concedeu o habeas corpus, após tormentosos debates.
A corrente não prevalente sustentou que o direito ao conhecimento da real paternidade da criança deveria sobrepor-se ao da integridade física do pai, como informa Mendes[40].
A corrente vitoriosa, liderada pelo voto do ministro Marco Aurélio entendeu, porém, que o direito à intangibilidade do corpo humano não deveria ceder, na espécie, para possibilitar a feitura de prova em juízo. Fica claro que, no caso em análise, o que se ponderou não foi o direito da criança em conhecer a identidade paterna versus a intangibilidade do corpo humano, o que se julgou foi a necessidade de forçar um ser humano a dispor da integridade do seu corpo para que se pudesse fazer prova em um processo judicial.
Para alguns a decisão do Supremo não parece ser a mais acertada ao conceder habeas corpus para o pai não fazer o exame de forma forçada, alguns entendem que o direito do filho em conhecer sua verdadeira paternidade deveria prevalecer sobre o direito à integridade física, que seria ferida de maneira mínima ao se realizar o exame de sangue.
De acordo com Cristóvam[41], nesse caso o STF teve uma decisão equivocada, pois o sacrifício imposto ao suposto pai é ínfimo frente ao direito da criança em conhecer a sua verdadeira origem genética, tal direito seria “própria extensão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, inscrito no artigo 1º , inciso III da Constituição da República”.
Entretanto, deve-se ficar claro, que o que se ponderou não foi o direito do filho em conhecer a paternidade, e sim a obtenção de uma prova judicial de maneira forçada, aqui rotulado de principio P1 (reforçado pelo correspondente princípio formal que disciplina o produção de prova pericial para o conhecimento da paternidade), ao direito do pai de manter a sua integridade física, aqui rotulado de P2, posto que se poderia obter a prova judicial de diversas outras maneiras.
Portanto, parece acertada a decisão do Supremo em decidir pela não imposição de realização do exame de DNA de maneira forçada nesse caso, em razão da prevalência da integridade física sobre a necessidade de realização de prova judicial. Nessas hipóteses, o princípio P2 teve maior peso de que o princípio P1 + PFl.
O Constituinte está vinculado aos postulados, pressupostos epistemológicos. Ele tem uma grande discricionariedade, a mais larga do sistema. O seu princípio formal é o mais forte. Um exemplo disso é a regra da prescrição prevista no artigo 37, parágrafo 5.º da Constituição Federal.
Na sequência, vem a ponderação do legislador, que trabalha também no plano abstrato e é limitado pela Constituição. O legislador identifica os valores na Constituição. Há uma discricionariedade estrutural do legislador de escolher a ordem dos princípios a serem escolhidos. Ele escolhe o meio para a realização dos valores constitucionais no plano abstrato.
A Administração também faz uma ponderação com base na Constituição e nas Leis. Mas, todavia, tem que levar em consideração os princípios formais.
Contudo, não para por ai. O particular também tem que ponderar para saber até onde vai a sua liberdade. Apenas o particular tem liberdade.
A ponderação do particular é bem diferente das demais. Ele é livre, mas deve ponderar para descobrir até onde vai a sua liberdade[42].
O juiz, o magistrado, quando provocado, cabe a ele rever a ponderação do legislador, do administrador, do particular e do constituinte reformador. Isso porque o juiz, diferentemente dos centros de competências normativas, não tem discricionariedade, lhe cabendo rever a ponderação dos mesmos, e, estando a mesma equivocada, refazer a ponderação, ou, estando a mesma acertada, mantê-la.
O positivismo jurídico do século XIX reduzia à justiça à lei, de modo que os direitos eram aqueles que a lei reconhecia enquanto tais. Com o advento da democracia pluralista isso mudou. A Constituição pluralista típica das sociedades heterogêneas apresenta a estrutura de um pacto em que cada uma das partes implicadas introduz aqueles princípios que correspondem a seus ideais de justiça.
No modelo do positivismo jurídico o Direito tinha no legislador o seu senhor, portanto a ideia de certeza e segurança era facilmente sustentada pelo dever de aplicação literal da lei, pois assim, a vontade do senhor estava sendo acatada e, a “única” solução jurídica encontrada.
Ocorre que nos atuais Estados Constitucionais o Direito não tem mais senhores, os juízes não são mais a inanimada “boca da lei”, ao contrário do que se poderia pensar, tampouco se transformaram nos senhores do Direito.
Conforme Zagrebelsky[43], os juízes são os garantidores da complexidade estrutural do Direito, os garantidores da necessária e dúctil coexistência entre lei, direitos e justiça (1995, p. 153), e que portanto, a carência de certeza do Direito retrata a incerteza de uma sociedade que procura dar unidade à sua própria complexidade, isto é, sua raiz plural.
A atual era do Direito, a nosso ver, caminha no sentido do Direito como integridade proposto por Ronald Dworking[44], em que se trata de construir uma decisão correta, amparada na integridade do sistema jurídico como um todo (convenções jurídicas e precedentes), extraindo princípios amplos deste e dos valores que a comunidade personificada faz vigorar no presente, com esteio nos princípios da justiça, equidade e do devido processo legal.
Não podemos olvidar que pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição[45], as sanções previstas na esfera administrativa na Lei Anticorrupção, são passíveis de revisão judicial uma vez que ocorra a provocação do Poder Judiciário, que no caso poderá revisar a ponderação efetuada pelo Agente Administrativo[46].
Traçadas e delineadas as balizas do neoconstitucionalismo e da aplicação da ponderação de interesses, faremos a análise das hipóteses de responsabilizações e sanções previstas na Lei Anticorrupção à luz da ponderação de interesses.
III – Das sanções da Lei Anticorrupção à luz da ponderação de interesses
A Lei Anticorrupção possui duas modalidades de responsabilização da pessoa jurídica, a responsabilização intitulada administrativa, e, a responsabilização intitulada judicial.
Segundo o artigo 8.º da lei em exame, na responsabilização administrativa a ponderação administrativa em concreto é competência da autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivos[47], Legislativos e Judiciário, que poderá agir de ofício ou mediante provocação, instaurando e julgando os processos administrativos de responsabilidade da pessoa jurídica, observado o contraditório e a ampla defesa.
De outra banda, segundo se extrai do artigo 19 da lei em análise, na responsabilização judicial a União, os Estados e os Municípios, por meio de suas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial ou equivalente, e o Ministério Público ajuízam ação perante o Poder Judiciário, e a este compete aplicar as sanções às pessoas jurídicas infratoras.
Conforme já consignamos acima, mas vale reiterar, ao magistrado, quando provocado para aplicar as sanções da Lei Anticorrupção, não goza de discricionariedade, lhe competindo rever a ponderação do legislador, do administrador, do particular e do constituinte reformador. Isso porque, o juiz, diferentemente dos centros de competências normativas, não tem discricionariedade, lhe cabendo rever a ponderação dos mesmos, e, estando a mesma equivocada, refazer a ponderação, ou, estando a mesma acertada, mantê-la.
Em que pese à rotulação atribuída pelo legislador o regime jurídico que norteia a novel legislação é o do direito administrativo sancionador.
Fábio Medina Osório[48]já se manifestou também no sentido de que o regime jurídico da Lei Anticorrupção é o do direito administrativo sancionador, com interface periférica com outros ramos jurídicos, assegurando que, a Lei em exame não tem natureza penal, muito menos de Direito Civil.
A responsabilização intitulada administrativa, no corpo da Lei, prevê duas sanções, sendo a primeira: a sanção de multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação, e, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), e, a segunda: a publicação extraordinária da decisão condenatória.
As sanções previstas para a modalidade de responsabilização administrativa não são o maior foco de nossas reflexões, pois a redação e formulação de seus dispositivos não encontram, a nosso ver, tantos problemas[49], todavia, com relação à esta primeira modalidade de sanção administrativa prevista na lei em análise no tocante a responsabilização intitulada administrativa, a única consideração, por ora, que temos à fazer é que o aplicador da sanção deve efetuar uma ponderação considerando às peculiaridades da hipótese concreta tendo em vista o vasto hiato que se tem entre o percentual de 0,1% (um décimo por cento) à 20% (vinte por cento) do faturamento de uma pessoa jurídica, bem como, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) quando da estipulação da pena de multa.[50]
Caminhou bem o legislador no sentido de aplicar uma ponderação e adoção ao princípio da proporcionalidade, quando no parágrafo primeiro do artigo 6.º dispôs que as sanções devem ser aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações, com a precedência da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.
Na mesma esteira, cautela semelhante se observa que teve o legislador ao dispor no artigo 7.º que serão levados em consideração na aplicação das sanções, a gravidade da infração, a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator, a consumação ou não da infração, o grau de lesão ou perigo de lesão, o efeito negativo produzido pela infração, a situação econômica do infrator, a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade[51], auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, bem como, o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.
Tratam-se de diversas circunstâncias fáticas que o legislador em sua ponderação, impõe que sejam levadas em consideração na ponderação do administrador público, ou responsável pela apuração e aplicação da responsabilização administrativa prevista na lei[52].
Visando trazer um parâmetro factível, quantitativo e concreto para a fixação do valor da multa, o decreto regulamentador, Decreto n.º 8.420, de 18 de março de 2.015, nos artigos 17 a 20 estabeleceu parâmetros para gradação da sanção entre o mínimo e máximo.
Tais disposições estabelecidas por meio do decreto regulamentador se tratam da ponderação em abstrato do administrador que veio para delimitar o alcance da norma, especificando primeiro no artigo 17 critérios crescentes de soma de percentuais de multa atrelados à fatores que apresentam lesividade ao interesse público, e, num segundo momento, no artigo 18, critérios decrescentes de subtração de percentuais de multa atrelados à fatores que reduzem a lesividade ao interesse público.
Não obstante, a ponderação em abstrato efetuada pelo legislador, bem como, a ponderação também em abstrato efetuada pelo agente administrativo no decreto regulamentador, nos parece que no caso concreto ainda resta margem de discricionariedade para ponderações do agente administrativo competente para aplicar a sanção, mormente nos casos em que na essência a aplicação de determinado parâmetro de multa possa resultar no aniquilamento extinção da pessoa jurídica. Sobretudo nos casos em que a pessoa jurídica foi constituída regularmente para cumprir sua função social e que a venha cumprindo.
Todavia, é importante considerar que toda a regra abstrata é prima facie, vale dizer, à primeira vista, sendo que para aplicação da mesma devem ser considerados princípios opostos e eventualmente conflitantes e, sobretudo as circunstâncias fáticas envolvidas no caso concreto. É no caso concreto, e somente nele, que a regra ou princípio ganha status de definitivo. Em algumas hipóteses prevalecerá certo princípio e em outras prevalecerá outro princípio.
Toda aplicação de um princípio deve levar em consideração os princípios opostos o que consiste na regra da ponderação que dispõe que quanto maior o grau de afetação de um princípio maior será o grau de realização do oposto.
Outrossim, na ponderação de princípios há se ser considerada ainda as circunstâncias fáticas do caso concreto. Desta forma devido a ampla delimitação da norma efetuada pela ponderação em abstrato do legislador, seguida da ponderação também em abstrato do administrador na competência de regulamentar a lei sobra pouquíssima margem para a discricionariedade ao agente administrativo, que vai apurar no caso concreto a violação da Lei Anticorrupção e aplicar as sanções cabíveis, porém, considerando-se que a discricionariedade só se verifica com acerto e segurança no caso concreto, em que pese na maioria das hipóteses P1 + Pfl terá mais peso do que P2 é possível que em algumas hipóteses P2 tenha maior peso do que P1+Pfl.
A segunda modalidade de sanção administrativa prevista na lei em análise, intitulada responsabilização administrativa, prevista na Lei Anticorrupção, qual seja, a publicação extraordinária da decisão condenatória, ao menos a priori não gera muitos transtornos, tendo em vistas que já é de rigor, em virtude e observância dos princípios da publicidade e transparência, a que está sujeita a Administração Pública, de que todas as decisões em processos administrativos sejam publicadas.
Outrossim, no nosso ordenamento jurídico pátrio temos leis que determinam como sanção a publicação da decisão condenatória em jornal de grande circulação, como exemplo da Lei do Direito Autoral[53], não sendo portanto previsão dessa espécie novidade que venha causar espanto.
Apenas fazemos uma ressalva de que, nem em sua previsão no corpo da Lei, no inciso II do artigo 6.º, nem tampouco no artigo 24 do Decreto n.º 8.420, de 18 de Março de 2015, que veio para regulamentar a Lei em exame, se estabelece o marco temporal, prazo inicial e prazo final em que se dará a intitulada publicação extraordinária, o que ao nosso ver, cria uma lacuna[54] um tanto quanto preocupante e perigosa.
Isso porque, a nosso ver a publicação de uma decisão condenatória, seja administrativa ou judicial, só tem razão de ser no período, dias, semanas ou até alguns meses após a condenação.
Como estamos tratando de decisão condenatória administrativa a publicação só tem razão de ser quando for realizada dias, semanas ou até alguns meses após a condenação administrativa. Frisamos isso pelo fato de que se eventualmente a publicação extraordinária da decisão administrativa condenatória ocorrer muito tempo após a pessoa jurídica infratora já ter cumprido a sua penalidade, tal publicação perde a razão de ser, pois adentra-se em uma esfera de preservação da imagem da pessoa jurídica e nessa hipóteses o peso de P2 pode ser maior do que o peso de P1 + PFl, afastando-se a aplicação da norma.
De outra banda, a Lei prevê que a publicação extraordinária será feita a expensas da pessoa jurídica sancionada, fato que pode gerar outro complicador, que é inviabilidade do cumprimento dessa sanção quando faltar iniciativa da pessoa jurídica sancionada em empreender os dispêndios necessários para o implemento desta sanção, ou seja simplesmente se omitir, seja por falta de recursos ou por falta de interesse. Nessas hipóteses a previsão legal ficará inócua.
Feitas essas considerações, entendemos que essa sanção guarda sintonia com os princípios constitucionais norteadores da função administrativa, sobretudo, os princípios da publicidade, transparência, moralidade administrativa, probidade administrativa, todavia, essa expressão extraordinária encontra limites em outros princípios constitucionais, e, constatada lacuna da Lei e do Decreto regulamentador merece ser suprida pela ponderação do agente executor da lei nos casos concretos que lhe forem submetidos, afim de que se proceda a publicação dentro do prazo apropriado e preciso, podendo cobrar posteriormente os custos da empresa sancionada, junto com eventual multa ou separadamente.
Antes de adentrar na análise das hipóteses intituladas responsabilização judicial da Lei Anticorrupção, cabe aqui consignar que o legislador criou na intitulada responsabilização administrativa da Lei Anticorrupção, o instituto do acordo de leniência[55], que não é objeto de maior atenção nesse, mas, que para fins de nossa análise tem natureza de uma circunstância fática, que ao lado das circunstâncias jurídicas, contribui para a ponderação diminuindo ou aumentando o peso de determinado princípio na aplicação da sanção no caso concreto.
As sanções previstas na intitulada responsabilização judicial, podem ser melhor analisadas após a abordagem que fizemos acima sobre a ponderação de interesses inerentes ao neoconstitucionalismo.
O foco maior de nossas reflexões são os dispositivos da Lei Anticorrupção que tratam da intitulada responsabilização judicial, que segundo o legislador independe da responsabilização na esfera administrativa, uma não afetando a outra.
A responsabilização judicial só se dá mediante ação interposta no Poder Judiciário pelas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e ainda, pelo Ministério Público, visando à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; suspensão ou interdição parcial de suas atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica; proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
Segundo o legislador, a dissolução compulsória da pessoa jurídica, prevista no inciso III do artigo 19 da Lei Anticorrupção só será determinada quando comprovado: ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou, ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
Das sanções previstas na responsabilização judicial da Lei Anticorrupção, a dissolução compulsória da pessoa jurídica é a nosso ver a mais gravosa, todavia, o legislador define de modo bem transparente as condutas e as circunstâncias que se verificadas podem levar a esta penalidade, quais sejam, ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos, ou, ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
Ou seja, apesar da sanção ser a pena capital para a pessoa jurídica, o legislador elencou uma série de pressupostos para que a mesma seja aplicada de fato para aquela pessoa jurídica constituída para finalidade criminosa e/ou fraudulenta, ou, ainda que a empresa tenha sido inicialmente constituída para fins social, e no exercício da livre iniciativa, em determinado momento de sua história, tenha passado de modo habitual a servir de instrumento para a criminalidade e fraudes contra a Administração Pública, e em última análise contra toda a sociedade.
Nessas hipóteses entendemos que andou bem o legislador em prever a possibilidade de dissolução e extermínio da pessoa jurídica que se afastou da finalidade social e passou a ser instrumento da criminalidade e também daquela pessoa jurídica que desde o início fora criada como arquitetura de fraudes e da criminalidade.
Nesse dispositivo se aplica a regra de que quanto maior a especificação pelo legislador menor a discricionariedade do aplicador. E, quanto menor a especificação do legislador maior a discricionariedade aplicador. No artigo em exame, o legislador em sua ponderação procurou especificar bastante os contornos e circunstâncias em que o princípio escolhido prevaleceria, diminuindo a margem de discricionariedade do aplicador[56]. De modo que, a nosso ver, verificada a constituição originária da pessoa jurídica para finalidade criminosa e/ou fraudulenta, ou ainda que a empresa tenha sido inicialmente constituída para fins social, e no exercício da livre iniciativa, em determinado momento de sua história, tenha passado de modo habitual a servir de instrumento para a criminalidade e fraudes contra a Administração Pública, nessas hipóteses a ponderação feita pelo legislador, consentânea com a ponderação do constituinte, sempre prevalecerá, vale dizer, P1 + PFl terá sempre maior peso do que o princípios opostos, P2, P3, P4, etc.
A sanção consistente em perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, do nosso ponto de vista, guarda sintonia com o ordenamento jurídico pátrio, tendo inclusive disposição nesse sentido na Lei de Improbidade Administrativa, Lei n.º 8.429/92, artigo 6.º, e artigo 12 e incisos, e, tem como suporte de fundamento o princípio da vedação ao enriquecimento ilícito. Isso porque o enriquecimento ilícito é repudiado pelo direito pátrio, sendo que nesta hipótese a ponderação feita pelo legislador, consentânea com a ponderação do constituinte, sempre prevalecerá, vale dizer, P1 + PFl terá sempre maior peso do que o princípios opostos, P2, P3, P4, etc.
Todavia, ressalva-se o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, que ainda poderá provando sua boa fé, livrar-se de prejuízos.
A sanção de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos, no mesmo sentido, a nosso ver também guarda sintonia com o ordenamento jurídico pátrio, também possuindo dispositivo similar na Lei de Improbidade Administrativa, Lei n.º 8.429/92, artigo 12 e incisos, sendo reprimenda que encontra lastro no princípio da moralidade administrativa e no princípio republicano.
Essa penalidade possui tempo certo de cumprimento e exaurimento do cumprimento, possibilitando futura reabilitação da empresa, o que se encontra em sintonia com o princípio da segurança jurídica. Ademais, assim como as outras penalidades da responsabilização judicial da Lei Anticorrupção, esta sanção só é aplicada após o crivo do contraditório, e ampla defesa. Nesse caso comprovada após regular processo com a comprovada infração P1 + PFl também terá maior peso do que o princípios opostos, P2, P3, P4, etc, restando ao magistrado fixar a gradação da penalidade entre 01 (um) e 05 (cinco) anos, aplicando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando as circunstâncias fáticas do caso concreto.
Deixamos propositadamente por último a análise do pena de suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica, tendo em visto que esse dispositivo merece uma maior reflexão quanto à sua eficácia e aplicabilidade prática sob o viés da teoria da ponderação.
A sanção prevista no inciso II do art. 19 da Lei Anticorrupção, consistente na suspensão ou interdição parcial das atividades das pessoas jurídicas pela prática de atos previstos no art. 5.º da lei em exame merece nossa maior atenção.
Isso porque esse dispositivo legal é prima facie [57], vale dizer, a razão por ele estabelecida é valida prima facie, num primeiro momento, em abstrato, todavia depende de confirmação no plano concreto. Isso porque não existe um princípio absoluto. Todo princípio é relativo e suscetível de ponderação e, dependendo das circunstâncias, pode ser afastado por um princípio oposto.
Segundo as lições do jurista Ricardo Marcondes Martins[58], ao efetuar uma ponderação, o legislador, o administrador e o magistrado devem atentar para as diferentes preferências em favor dos princípios constitucionais, preferências, essas, reveladas pela forma como o constituinte os positivou no Texto Maior. Da mesma forma ao efetuar uma ponderação, o administrador e o magistrado devem atentar para as diferentes preferências estabelecidas em favor dos princípios pelo legislador, reveladas pela forma como editou as regras infraconstitucionais. Há uma ordenação branda de valores no texto constitucional e uma ordenação branda de valores nos textos legais. Ambas devem ser observadas pelo aplicador do Direito. A edição de uma norma abstrata consiste numa valoração: há, a cada norma inserida no sistema, a ver revelação pelo editor da norma de sua preferência pelo valor nela contido. A positivação estabelece em abstrato, uma preferência em prol do respectivo princípio e, por força dela, o princípio é considerado na ponderação com um peso maior que os demais. Assim, da positivação constitucional e inconstitucional decorrer uma ordenação branda, flexível de valores.
A preferência estabelecida em abstrato pode ser afastada no caso concreto, ou seja, é possível que um princípio de maior hierarquia no plano abstrato seja afastado por um princípio de menor hierarquia. Eles têm pesos diferentes em abstrato, mas, por força das circunstâncias fáticas, a ordem pode se inverter. Faz parte do sistema jurídico uma ordenação branda de valores, flexível, que pode ser confirmada ou não confirmada no caso concreto. Os valores são incompatíveis com uma ordenação rígida, mas não com uma ordenação branda.
Na sanção prevista no inciso II do artigo 19 da Lei Anticorrupção, consistente na suspensão ou interdição parcial das atividades das pessoas jurídicas pela prática de atos previstos no art. 5.º o que se verifica é uma preferência, uma ordenação branda do legislador, pelos princípios da probidade administrativa, da moralidade administrativa, tendo os mesmos em abstrato uma preferência e um peso maior que outros valores, por exemplo, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da República, previstos no inciso IV, do artigo 1.º da Constituição Federal, bem como os valores da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e marginalização e, redução das desigualdades sociais e regionais, assentados no artigo 3.º da Constituição Federal, e ainda, os valores da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, conforme previsto no art. 170, caput, da Constituição Federal.
Na sanção prevista nesse dispositivo, inciso II, com previsão de suspensão ou interdição parcial de atividades, diferente da sanção do inciso III seguinte, dissolução compulsória da pessoa jurídica, o legislador pouco especifica sobre os pressupostos para a aplicação da penalidade, não dando quaisquer balizas sobre quando a mesmo deva ser imposta, fator esse que, ao nosso ver, reduz o peso do valor ordenado de forma branda pelo legislador, atribuindo um peso maior aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da República, previstos no inciso IV, do art. 1.º da Constituição Federal, e ainda, os valores da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, conforme previsto no art. 170, caput, da Constituição Federal.
Isso porque, o dispositivo legal em análise, além de não especificar pressupostos ou condutas comprovadas que levariam à suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica, sequer estipula um prazo mínimo ou máximo para tal sanção, o que pode levar a uma pena definitiva.
Ou seja, em um caso concreto, se determinada empresa, pagadora dos seus impostos, com milhares de funcionários registrados, e com atividade que expressa relevante função e benefício social com a produção que contribui para a economia e bem estar da coletividade, realizando sua função social em todas as suas facetas, venha a receber a sanção de suspensão ou interdição de suas atividades, por prazo indefinido, tal sanção pode equivaler à mesma a uma pena capital. Nesta hipótese P2, P3, P4, etc, representado pelos princípios da livre iniciativa, livre concorrência, e pelos valores do pleno emprego, desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, busca do pleno emprego, e erradicação da pobreza e da marginalização, insculpidos nos artigos 1.º, 3.º, 170 e outros dispositivos da Constituição Federal, terá mais peso do que P1 + PFl, afastando a incidência do inciso II do artigo 19 da Lei Anticorrupção
Conclui-se pelos nossos estudos que a ponderação em abstrato feita pelo legislador nas sanções na responsabilização intitulada administrativa da Lei Anticorrupção fora objeto de nova ponderação em abstrato do agente administrativo ao expedir o decreto regulamentador, e, será objeto de nova ponderação, desta vez em concreto, feita pelo agente administrativo competente para apurar os ilícitos e aplicar as sanções, ponderação esta que poderá ser revista pelo Poder Judiciário, que poderá mantê-la, se apurar a correção da mesma, ou alterá-la caso constate a incorreção da mesma.
Outrossim, observamos que o que tange à intitulada responsabilização judicial da Lei Anticorrupção e aplicação das sanções é competência do Poder Judiciário.
Nessa esteira, é imperioso relembrar e reiterar aqui que o Poder Judiciário não possui discricionariedade para realizar ponderações concretizando os princípios, vale dizer, o mesmo não é fonte normativa, mas tão somente figura como revisor das ponderações já realizadas, e como bem ressaltado e aplicável também na hipótese de apuração e sanção pela intitulada responsabilização judicial, podendo apurar a correção da ponderação em abstrato do legislador, e mantê-la se estiver correta, ou alterá-la, caso constate a incorreção da mesma.
Nas duas hipóteses apontadas acima, a revisão da ponderação feita pelo Poder Judiciário se dão pelo controle de constitucionalidade difuso ou concreto, pela via incidental. Todavia, nada obsta que a revisão da ponderação das hipóteses de responsabilização previstas na Lei Anticorrupção sejam feitas pelo Poder Judiciário pelo controle de constitucionalidade concentrado ou abstrato, por via principal ou ação direta.
Conclui-se ainda pelos nossos estudos que a ponderação em abstrato feita pelo legislador nas sanções na responsabilização judicial da Lei Anti Corrupção será objeto de revisão direta pelo Poder Judiciário, no caso concreto, onde pelo fato das normas em abstrato serem prima facie, podem-se apresentar diversas nuances ou variações de peso de princípios na aplicação da lei no caso concreto, o que é fruto da função revisora jurisdicional, que como já dito, que p oderá manter a ponderação efetuada anteriormente, se apurar a correção da mesma, ou alterá-la caso constate a incorreção da mesma.
É fato certo, que os agentes administrativos e principalmente o Poder Judiciário tem uma grande desafio, e, relevante e nobre missão à frente, que é a justa aplicação da Lei Anticorrupção.
Ainda não temos uma produção jurisprudencial com base na Lei Anticorrupção, todavia, esperamos que as considerações aqui delineadas sejam úteis para a compreensão a aplicação desta lei de inequívoca importância para o crescimento e amadurecimento do nosso País, que precisa afastar-se a cada dia mais da prática da corrupção, e aplicar 100% do dinheiro público em serviços públicos de saúde, educação, saneamento básico, infra estrutura, dentre outros, visando tão somente o bem estar da população e a felicidade[59] e paz dos homens.
CONCLUSÃO
A Lei Anticorrupção é mais uma ferramenta instrumental no combate à corrupção, antigo mal indesejado instalado em no nosso país e que subtrai da população boa parte dos recursos públicos que lhe seriam revertidos em serviços públicos, resultando em um melhor atendimento e estrutura de hospitais públicos, melhor estrutura e recursos investidos na educação, etc.
A nomenclatura mais apropriada, a nosso ver, para a Lei Anticorrupção seria a de Lei de Improbidade Empresarial, isso porque a novel legislação não é um diploma isolado no combate à corrupção, mas sim, mais uma dentre outras inúmeras leis com esse desiderato.
O regime jurídico da Lei Anticorrupção é o do direito administrativo sancionador, e, as sanções previstas nesse diploma legislativo devem ser aplicadas não apenas considerando um positivismo isento de qualquer valoração, sob pena de se incidir no mesmo equívoco do legalismo nazista.
Entendemos que a fim de se alcançar a justiça e felicidade dos homens, aspiração final do Direito, a Lei Anticorrupção deve ser aplicada à luz da ponderação de interesses, um dos atributos da corrente de pensamento intitulada neoconstitucionalismo que tem como premissa a assertiva de que os princípios são normas autônomas e impositivas de ponderação.
As sanções pela intitulada responsabilização administrativa, previstas no artigo 6.º, inciso I e II da Lei n.º 12.846/2013, vale dizer, a multa e a publicação extraordinária em que pesem não sejam figuras inovadora no direito pátrio, ao serem aplicadas pelo agente administrativo competente impõem uma ponderação das circunstâncias do caso concreto a fim de se obter a mais correta concretização dos princípios constitucionais.
A pena de multa considerando a larga margem que separa a pena mínima da máxima, em que pese o esforço do regulamentador em estabelecer em ponderação em abstrato alguns parâmetros de gradação no artigo 17 a 20 do Decreto n.º 8.420 de 18 de março de 2015, impõe uma ponderação nos casos concretos a fim de evitar distorções do desiderato da Lei e o prevalecimento do princípio menos forte, na maioria dos casos P1 + Pfl será mais forte do que P2, todavia, isso não descarta a possibilidade de em alguns casos em que P2, P3, P4, etc, seja maior do que P1 + Pfl.
A publicação extraordinária por sua vez não teve data e prazo estipulado no corpo da Lei, nem tampouco no decreto regulamentador, de modo que caberá ao agente administrativo efetuar uma ponderação no caso concreto, a ser realizado em prazo proporcional e razoável, a fim de se evitar, quando publicada em data e prazo muito distante dos fatos, o prevalecimento do princípio oposto e menos forte (P2 > P1 + Pfl).
Já as sanções pela intitulada responsabilização judicial, que estão previstas nos inciso I, II, III e IV do artigo 19 da Lei n.º 12.846/2013, vale dizer, perdimento de bens, direitos ou valores obtidos da infração, suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica, dissolução compulsória da pessoa jurídica e proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades publicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo 5 (cinco) anos, foram objeto maior de nossas considerações, sobretudo a hipótese de suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica.
As sanções de perdimento de bens, direitos ou valores obtidos da infração, prevista no inciso I do artigo 19 e a de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeira públicas ou controladas pelo poder público pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco), prevista no inciso II do artigo 19, a nosso ver foram bem delimitadas na ponderação em abstrato do legislador, que bem concretizou os princípios constitucionais de acordo com o sistema, e, não encontrarão maiores problemas na aplicação pelo juiz no caso concreto e constatada as infrações, com o crivo da ampla defesa e contraditório, o peso de P1 + Pfl de fato será maior do que P2, P3, P4, etc., restando ao magistrado tão somente a gradação do anos no caso da sanção de proibição de recebimento de incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos, entidades públicas, instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público.
A sanção de dissolução compulsória da pessoa jurídica, em que pese ser a pena capital ou máxima para a pessoa jurídica, teve seus contornos bem delimitados na ponderação em abstrato feita pelo legislador, quando nos incisos I e II do artigo 19 dispôs que tal penalidade só será determinada quando comprovado que a personalidade jurídica fora utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos ou, tenha sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
Deste modo, verificada a constituição originária da pessoa jurídica para finalidade criminosa e/ou fraudulenta, ou, ainda que a empresa tenha sido inicialmente constituída para fins social, e no exercício da livre iniciativa, em determinado momento de sua história, tenha passado de modo habitual a servir de instrumento para a criminalidade e fraudes contra a Administração Pública, nessas hipóteses a ponderação feita pelo legislador, consentânea com a ponderação do constituinte, sempre prevalecerá, vale dizer, P1 + Pfl terá sempre maior peso do que o princípios opostos, P2, P3, P4, etc.
Deste modo, caberá ao magistrado apenas e tão somente aplicar tais penalidades quando de fato comprovada a habitualidade na facilitação, ou promoção de atos ilícitos, ou a constituição da pessoa jurídica apenas com a finalidade de ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários destes atos ilícitos.
Por fim, a sanção de suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica é objeto de maior foco do nosso estudo, sobretudo à luz da ponderação de interesses.
Isso porque diferentemente da sanção de dissolução compulsória da pessoa jurídica na sanção de suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa jurídica o legislador ao efetuar sua ponderação em abstrato não delimitou os parâmetros e contornos de aplicação da sanção desse dispositivo.
A nosso ver, a aplicação desse dispositivo, na forma em que estabelecido pelas ponderações do legislador, de forma aberta e sem delimitações quanto à aplicabilidade, e considerando que o magistrado não goza de discricionariedade para efetuar ponderações, redunda na sobreposição aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da República, previstos no inciso IV, do art. 1.º da Constituição Federal, e ainda, dos valores da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, conforme previsto no art. 170, caput, da Constituição Federal.
Deste modo, entendemos que à luz da ponderação de interesses a sanção do inciso II do artigo 19 da Lei n.º 12.846/2013 é inconstitucional na forma em que a ponderação em abstrato do legislador foi efetuada, e, caso se entenda pela constitucionalidade do mesmo, no exercício revisor da ponderação que é atribuída ao Poder Judiciário, o magistrado competente no caso concreto terá de refazer a ponderação do legislador considerando o peso dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da República, previstos no inciso IV, do art. 1.º da Constituição Federal, e ainda, dos valores da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, conforme previsto no art. 170, caput, da Constituição Federal.
Na hipótese concreta de uma pessoa jurídica constituída regularmente e que cumpre sua função social, gera receitas, paga impostos, emprega pessoas, contribuir para o crescimento regional econômico, reduzindo as desigualdades, P2, P3, P4, etc, representado pelos princípios da livre iniciativa, livre concorrência, e pelos valores do pleno emprego, desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, busca do pleno emprego, e erradicação da pobreza e da marginalização, insculpidos nos artigos 1.º, 3.º, 170 e outros dispositivos da Constituição Federal, terá mais peso do que P1 + Pfl, afastando a incidência do inciso II do artigo 19 da Lei Anticorrupção
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REVISTA DO ADVOGADO, AASP, Ano XXXIV, Dezembro de 2014, n.º 125, São Paulo, Título: CORRUPÇÃO.
[1] Advertência contra a corrupção no funcionalismo público: “Chegaram também uns cobradores de impostos, para serem batizados, e lhe perguntaram: Mestre, que devemos fazer? Respondeu-lhes: Não peçais mais do que o que vos está ordenado”. Lucas 3:12-13; Advertência contra a corrupção policial: “Então uns soldados o interrogaram: E nós, o que faremos? Ele lhes disse: A ninguém trateis mal, não deis denúncia falsa, e contentai-vos com o vosso soldo”. Lucas 3:14; Advertência contra a corrupção no Poder Judiciário: “Não torcerás a justiça, nem farás acepção de pessoas. Não tomarás subornos, pois o suborno cega os olhos dos sábios, e perverte as palavras dos justos. Segue a justiça, e só a justiça, para que vivas e possuas a terra que o Senhor teu Deus te dá”. Deuteronômio 16:19-20; “Também suborno não aceitarás, pois o suborno cega os que têm vista, e perverte as palavras dos justos”. Êxodo 23:8; “O ímpio acerta o suborno em secreto, para perverter as veredas da justiça”. Provérbios 17:23; “Ai dos que...justificam o ímpio por suborno, e ao justo negam justiça”. Isaías 5:22 a 23; “Até quando defendereis os injustos, e tomareis partido ao lado dos ímpios? Defendei a causa do fraco e do órfão; protegei os direitos do pobre e do oprimido. Livrai o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios. Eles nada sabem, e nada entendem. Andam em trevas”. Salmos 82:2-5; “Não farás injustiça no juízo; não favorecerás ao pobre, nem serás complacente com o poderoso, mas com justiça julgarás o teu próximo”. Levítico 19:15.
[2] O Brasil é atualmente o 69º colocado em ranking sobre a percepção de corrupção no mundo, que analisa 175 países e territórios. O estudo foi divulgado no dia 03/12/2014 pela organização Transparência Internacional. O índice brasileiro foi de 43 – um ponto a mais que em 2013, quando o país ficou em 72º lugar, quando 177 países foram analisados –, ou seja, o Brasil melhorou sua posição, mas piorou sua nota. O país divide a 69ª posição com mais seis: Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Suazilândia. (http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/12/ranking-de-corrupcao-coloca-brasil-em-69-lugar-entre-175-paises.html)
[3] A Corrupção mata milhares de brasileiros todos os anos. É a camada de asfalto mais fina que o ideal que as empreiteiras colocam nas estradas para faturar mais, com a conivência dos órgãos fiscalizadores; é a falta de atendimento adequado à população em hospitais públicos em que milhares de pessoas morrem por falta de leitos, falta de médicos, falta de estrutura e medicamentos, e, de um modo geral por falta do atendimento preciso, no momento preciso, onde por outro lado, boa parte das verbas vai parar no bolso de ladrões, tanto corruptos, quanto corruptores; é a péssima qualidade do ensino, com professores ganhando uma miséria enquanto os “tubarões” enchem os bolsos de dinheiro, enfim, um sem fim de mazelas que resultam em crimes gravíssimos contra toda a população, que merecem ser apurados e punidos com rigor.
[4] Entre os anos 2000 e 2006, o Brasil ratificou as três principais convenções internacionais voltadas ao combate à corrupção: 1) a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); 2) a Convenção Interamericana Contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos (OEA); e, 3) a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Fato é que por conta desses instrumentos, somado ao crescente inconformismo da população brasileira com relação ao mau uso do dinheiro público e à corrupção, é que o Brasil vem experimentando um amadurecimento das políticas públicas de combate à corrupção.
[5] Não raro o cidadão brasileiro reclama da corrupção mas, ao ser abordado por um agente ou guarda de trânsito tenta cavar uma oportunidade para oferecer algo ao agente ou guarda de transito em troca da abstenção do mesmo em lhe punir. Não raro o cidadão brasileiro reclama da corrupção mas, possui dentro de suas residências instalações clandestinas de eletricidade, tv a cabo, internet, os chamados “gatos”. Não raro o cidadão brasileiro reclama da corrupção mas, nos assuntos ou procedimentos de seu interesse que tramitam em órgãos públicos busca a figura de algum conhecido dentro desse órgão, ou alguém de fora que conhece alguém dentro desse órgão, para que possa passar o seu assunto ou procedimento na frente do de outros, oferecendo uma gratificação em troca ou não. E isso se repete de forma estratosférica dia a dia, seja nos serviços de Educação, Saúde, Segurança Pública, nos serviços prestados por concessionárias de serviços públicos e nas atividades privadas, sendo que enquanto os considerados mais “espertos” se beneficiam pelo “jeitinho brasileiro”, inúmeras, milhares de outras pessoas são preteridas. E o fato mais grave é que esta cultura é considerada normal e já está arraigada na sociedade brasileira, o que a nosso ver se considera um grave desvio ético e que produz repercussões na educação das crianças e reflexos futuros nas condutas dos futuros líderes, gestores, empresários, agentes públicos.
[6] A paternidade da lei deve ser atribuída à Controladoria Geral da União (CGU), que elaborou o Projeto de Lei enviado pela Presidenta ao Congresso.
[7] A nosso ver, e, considerando que esse diploma legislativo não se trata do único que visa o combate à corrupção, uma denominação mais apropriada para essa lei seria a de lei da improbidade empresarial ou até melhor, lei da improbidade da pessoa jurídica.
[8] Art. 5.º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV - no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
(...)
[9] Segundo Fabio Medina Osório, a Lei nº.12.846/13 ostenta natureza punitiva e deve submeter-se ao regime jurídico do Direito Administrativo Sancionador. Nesse sentido, não é cabível falar em responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas para fins de imposição de penalidades administrativas. Cabe ao acusador o ônus da prova, que não pode ser invertido. Necessário trabalhar a culpabilidade da empresa, o que requer níveis prudenciais de conduta na tomada de decisões, para atender padrões de probidade (boa gestão), e é precisamente neste campo que pode surgir novo espaço para responsabilidade de pareceristas e maior consistência nos processos de tomada de decisões empresariais. Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-set-20/lei-anticorrupcao-observar-regime-direito-administrativo-sancionador. Acesso em 03 de maio de 2015. Entendemos também não ser cabível a responsabilidade objetiva na apuração e aplicação das sanções previstas na Lei Anticorrupção, isso porque a responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo, segundo bem doutrina os juristas Celso Antônio Bandeira de Mello e Carlos Ari Sundfeld, tem como pressuposto os princípios da legalidade e igualdade visando compartilhar entre todas a sociedade os riscos da própria atividade administrativa. Agora, no caso da Lei Anticorrupção em que se apresenta típica situação de direito administrativo sancionador, não nos parece cabível a responsabilização objetiva, sobretudo quando se apresentam penalidade tão pesadas e restritivas. Entendemos que deve ser apurado e comprovado o dolo ou culpa grave para aplicação das penalidades apontadas na novel legislação ora em exame. Na esfera civil, o Código Civil no art. 927 prevê a responsabilidade objetiva independentemente de culpa naquelas atividades que por sua natureza impliquem em risco para os direitos de outrem. No âmbito penal, considerando que ontologicamente em nada difere o direito administrativo sancionador e o direito penal, há que se considerar a teoria da imputação objetiva, que tem por finalidade imputar ao agente a prática de um resultado delituoso apenas quando o seu comportamento tiver criado, realmente, um risco não tolerado, nem permitido, ao bem jurídico, e, consignar que a mesma não se consolidou ou se firmou como utilizável dos casos práticos ou concretos. A responsabilidade objetiva no âmbito da Lei Anticorrupção ainda será objeto de muita discussão doutrinária e jurisprudencial, todavia, não entendemos que a mesma seja possível com relação às sanções e restrições punitivas nela presente, com exceção do ressarcimento dos danos ao erário público.
[10] A Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8 nº. 429/92 é mais focada e direcionada à sanção dos agentes públicos, em sentido amplo, e, apesar de no seu artigo 3.º prever que as disposições daquela lei serão aplicadas, no que couber àquele que mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta, bem como, o artigo 12 prevê em seus incisos sanções passíveis de serem cumpridas pelas pessoas jurídicas, como o ressarcimento do dano, perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, com o advento da Lei Anticorrupção, Lei 12.846/2013, esta pelo critério da especialidade, assume posição de preferência quando na hipótese concreta os atos de improbidade forem acentuadamente provocados e/ou praticados por pessoas jurídicas.
[11] A edição do Foreign Corrupt Pratices Act (FCPA), de 19 de dezembro de 1977 foi uma resposta do Congresso Americano, sob a administração de Jimmy Carter, após Securities and Exchange Commission descobrir que mais de 400 empresas norte-americanas praticavam corrupção no estrangeiro em valores que movimentavam centenas de milhões de dólares. Essa legislação, que veio como uma medida para se prover e preservar a credibilidade do sistema, baseada na chamada effects theory, autoriza a aplicação da legislação americana a qualquer corporação ou negócios nos Estados Unidos e pessoas envolvidas em prática de corrupção, ainda que praticada fora do território norte americano. Ou seja, a lei citada autoriza que se jurisdicionem fatos ocorridos no campo da extraterritorialidade. Além do Foreign Corrupt Pratices Act (FCPA), citamos ainda a lei denominada Sarbannes-Oxley, alcunhada de Sarbox ou mesmo SOX, subscrita em 30 de junho de 2002 pelo senador americano do Estado de Maryland, Paul Sarbannes e pelo deputado republicano pelo Estado de Ohio, Michael Oxley, que suscitou uma inflexão no quadro de mercados de capitais, trazendo reflexos trabalhistas, ao impor a todas as empresas de capital aberto, mecanismos de auditoria e segurança de suas operações financeiras, sendo que diretores, executivos e acionistas passaram a registrar-se perante à Securities and Exchange Commission, o que já se fazia, mas agora sob intensa fiscalização, devendo os mesmos se sujeitarem à códigos de ética que explicitam condutas, tidas como honestas e éticas, bem como, ao preenchimento de relatórios periódicos de modo qualificado na legislação americana como “pleno, justo, preciso, tempestivo e compreensível”, e ainda, impôs-se a tais empresas, a aferição de cumprimento das regras e regulamentos governamentais, ou em língua inglesa, compliance. O Título VIII da lei Sarbox é totalmente dedicado às fraudes coorporativas e novas e graves sanções criminais para as empresas e seus dirigentes, ainda que empregados. Em função do ambiente criado pelo desenvolvimento da legislação de proteção dos mercados financeiros o U.S. Department of Justice (Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América) editou um memorando denominado Federal Prosecution of Business Organizations, que acabou alcunhado de Thompson Memorandum, em homenagem ao procurador geral adjunto produtor do documento, nomeado pelo presidente George W. Buch. O Thompson Memorandum é um verdadeiro guia para a persecução dos violadores das normas de proteção do mercado. (Revista do Advogado, Ano XXXIV, Dezembro de 2014, n.º 125, artigo Corrupção, compliance e Direito do Trabalho: velhas práticas, novos riscos para empregados, do autor Luis Carlos Moro).
[12] Os protestos no Brasil em 2013, também conhecidos como Manifestações dos 20 centavos, Manifestações de Junho ou Jornadas de Junho, foram várias manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, principalmente nas principais capitais. Foram as maiores mobilizações no país desde as manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello em 1992. Inicialmente restrito a poucos milhares de participantes, os atos pela redução das passagens nos transportes públicos ganharam grande apoio popular em meados de junho, em especial após a forte repressão policial contra os manifestantes, cujo ápice se deu no protesto do dia 13 em São Paulo. Quatro dias depois, um grande número de populares tomou parte das manifestações nas ruas em novos diversos protestos por várias cidades brasileiras e até do exterior. Em seu ápice, milhões de brasileiros estavam nas ruas protestando não apenas pela redução das tarifas e a violência policial, mas também por uma grande variedade de temas como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má qualidade dos serviços públicos e a indignação com a corrupção política em geral. Os protestos geraram grande repercussão nacional e internacional. Em resposta, o governo brasileiro anunciou várias medidas para tentar atender às reivindicações dos manifestantes e o Congresso Nacional votou uma série de concessões (a chamada "agenda positiva"), como ter tornado a corrupção como um crime hediondo, arquivado a chamada PEC 37, que proibiria investigações pelo Ministério Público, e proibido o voto secreto em votações para cassar o mandato de legisladores acusados de irregularidades. Houve também a revogação dos então recentes aumentos das tarifas nos transportes em várias cidades do país, com a volta aos preços anteriores ao movimento.
[13] Segundo Ricardo Marcondes Martins, a compreensão dos princípios como normas autônomas, impositivas de ponderação, caracteriza a corrente de pensamento chamada neoconstitucionalismo. (Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado, p. 29)
[14] Ainda Ricardo Marcondes Martins, esclarece em sua obra, Um diálogo sobre a Justiça, que os chamados métodos concretistas advieram após a crise do legalismo pós Estado Nazista, em que o positivismo enquanto isenção valorativa absoluta não era mais aceitável. Segundo o autor, quem abriu o método concretista fora Josef Esser, na obra Princípio e norma na elaboração jurisprudencial do direito privado, em que se vinculou a aplicação do direito a critérios de racionalidade fundados numa análise valorativa. Após Esser, vieram Friedrich Muller, com a metódica estruturante, Konrad Hesse, com a concretização constitucional, Peter Haberle com a abertura constitucional, em Robert Alexy, com a ponderação constitucional. (Um diálogo sobre a Justiça, p. 67)
[15] A partir do nazismo a humanidade não mais tolerou o equivoco da absolutização do relativismo valorativo, existe uma moral universalizável.
[16] Caso paradigmático ainda foi o das sentinelas do muro de Berlim, que por força do n.º 89 do Regulamento de serviço n.º 30/10 do Ministério da Defesa Nacional da Alemanha Ocidental deveriam abater quem transpassasse ilegalmente a fronteira. Após a queda do muro e a unificação da Alemanha, essas sentinelas foram acusadas de homicídio e processadas, sendo quem em suas defesas alegaram o cumprimento da lei.
[17] Ricardo Marcondes Martins apud Joanisval Brito Gonçalves. 2.ª ed., pp.138-139. Efeitos do Vício do Ato Administrativo, p. 80-81.
[18] A exemplo das obras princípios gerais de direito administrativo de Osvaldo Aranha Bandeira de Mello e Ruy Cirne Lima.
[19] Essa fase é marcada pelo conceito de princípios do ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Mello.
[20] Ronald Dworkin, Levando os Direitos a Sério, pp. 36-46.
[21] Robert Alexy, Teoría de los Derechos Fundamentales, pp 86-172 (na edição brasileira, trad. de Virgílio Afonso da Silva, Malheiros Editores, 2008, pp 85 a 179).
[22] Ricardo Marcondes Martins, Abuso de Direitos e a Constitucionalização do Direito Privado, pp. 13-56.
[23] Como exemplos de princípios formais especiais podemos citar o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o princípio da função social, da boa fé objetiva, da probidade.
[24] Ricardo Marcondes Martins. Um diálogo sobre a Justiça. A Justiça Arquétipa e a Justiça Deôntica, p.205-211.
[25] Ricardo Marcondes Martins. Estudos de Direito Administrativo Neoconstitucional, p. 13 a 25.
[26] A diferença entre valores e princípios é uma diferença de plano. Os valores encontram-se no plano axiológico (bom ou ruim) e os princípios no plano deôntico (dever ser). Os princípios são valores internalizados no sistema normativo. A ponderação é um balanceamento dos valores positivados, explicita ou implicitamente, que entram em conflito no caso concreto.
[27] Essa teoria no Brasil é defendida por Celso Ribeiro Bastos , bem como por Ricardo Marcondes Martins, que entendem que os postulados normativos precedem à própria Constituição.
[28] Em um primeiro momento alguns princípios parecem ter maior valor do que outros, todavia só nos casos concretos é que se define o valor dos princípios. Muitas vezes um mesmo princípio possui peso diferente em situações diversas. Podemos citar como exemplo o princípio da liberdade de informação e expressão de que se vale a impressa em contraposição ao princípio da intimidade, que tem pesos diferentes quando avaliada a possibilidade de publicação de uma matéria jornalística de um crime recém ocorrido apresentando a imagem da prisão do acusado preso em flagrante em rede nacional, em comparação à avaliação da possibilidade de publicação da mesma matéria jornalística anos depois, após o acusado ter sido condenado e cumprido sua pena. Na primeira situação o principio da liberdade de informação e expressão tem um peso maior que o princípio da intimidade. Já na segunda situação o peso do princípio da intimidade tem um peso maior que o princípio da liberdade de informação e de expressão.
[29] Ricardo Marcondes Martins. Um diálogo sobre a Justiça, p. 70/71.
[30] Robert Alexy. Teoria dos Direitos Fundamentais. 85/179.
[31] Luis Prieto Sanchis. Justiça Constitucional e Direitos Fundamentais. Capítulos 4. O Juízo da Ponderação.
[32] Robert Alexy. Teoria dos Direitos Fundamentais. P. 577/626.
[33] O princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para, reflexivamente, verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental, também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não excessiva e suficiente) e proporcional em sentido estrito. Esse princípios tem três dimensões ou facetas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Somente será possível uma limitação a um direito fundamental se estiveram presentes na medida correta todos esses aspectos. Por adequação pode-se entender que devem ser utilizadas medidas apropriadas ao alcance da finalidade prevista no mandamento que pretende cumprir. Deve ser respondido o seguinte questionamento: o meio escolhido foi o adequado e pertinente para atingir o resultado almejado? Se não, desrespeitou-se o principio da proporcionalidade, então a medida deve ser anulada pelo poder judiciário. O subprincípio da necessidade exige que o poder Judiciário apure a medida ou a decisão tomada, dentre as aptas a consecução do fim pretendido, é a que produz menor prejuízo aos cidadãos envolvidos ou a coletividade. Tem-se que a medida deve ser estritamente necessária, não podendo ser excessiva nem tampouco insuficiente. A proporcionalidade em sentido estrito é aquela ligada a ponderação. Pois a proporcionalidade exige uma análise das vantagens e desvantagens que a medida trará. Deve ser respondida a seguinte pergunta para verificar a presença da proporcionalidade em sentido estrito: o benefício alcançado com a adoção da medida sacrificou direitos fundamentais mais importantes do que os que a medida buscou preservar?
[34] A expressão sopesamento equivale à expressão ponderação. Isso porque na tradução da obra Teoria de los Derechos Fundamentales, o tradutor Virgílio Afonso da Silva optou por essa expressão. Todavia o significado de ambas expressões é o mesmo, cabendo ressaltar que o termo ponderação é o mais utilizado pelos autores neoconstitucionalistas .
[35] José Maria Rodrigues de Santiago. A Ponderação de Bens e Interesses no Direito Administrativo. Esse autor apesar de subdividir a ponderação em três fases afirma que elas não são fases estanques ou separadas umas das outras. Outrossim, o autor deixa claro que não há uma separação entre normas regras e normas princípios e que não há como não fazer uma subsunção e também sempre há uma ponderação, e, o que se faz por vezes é deixar essa ponderação implícita. Mas o fato é que as duas andam juntas.
[36] Nessa fase se dá a subsunção. Segundo o autor nessa fase há que se fazer uma investigação e recapitulação dos interesses potencialmente relevantes e, segundo, um primeiro juízo dos interesses que se consideram relevantes para submetê-los à fase seguinte. E ainda, é nessa fase que se dá a exclusão dos interesses que se consideram com valor mínimo e não dignos de proteção no caso em que se trata.
[37] Esta é a fase, segundo o autor, que por encontrar-se princípios em colisão, de formular argumentos sobre o grau de cumprimento de um princípio e sobre o grau de comprometimento ou prejuízo de seu contrário, para cada uma das soluções possíveis do conflito. O autor adverte que o que são ponderados ou são objetos de ponderação são os princípios, bens e interesses, protegidos pelas normas do ordenamento jurídico e que já os fatos, as circunstâncias fáticas só podem utilizar-se para dar prevalência a um direito ou a um interesse sobre o outro.
[38] Segundo o autor essa é a fase em que se dá a decisão de prevalência conforme o critério de que quanto maior seja o grau de prejuízo a um dos princípios maior há de ser a importância de cumprimento do seu contrário. O autor diz que da decisão se forma uma regra de prevalência condicionada. Todavia deixa pontua que se as circunstâncias forem outras o peso dos princípios pode mudar.
[39] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 71.373/RS. Brasília, DF, 22 de novembro de 1996. Lex: Diário da Justiça da União, DJU. Disponível em:
[40] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional.
[41] CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. A resolução das colisões entre princípios constitucionais.
[42] Exemplo conhecido pela doutrina de limite à liberdade do particular é o caso arrêt Commune de Morsang-sur-Orge, julgado em 27.10.1995, pelo Conselho de Estado Francês. O Prefeito da Commune de Morgang-sur-Ôrge interditou um espetáculo de “arremesso de anão” (“lancer de nain”) promovido na discoteca do Embassy Club. A empres Fun Production et. M. Wackenhein ingressou com ação judicial requerendo a invalidação do ato administrativo e indenização pelos prejuízos causados. O Tribunal de Versailes julgou a ação procedente. O Prefeito representou ao Conselho de Estado que reformou a decisão, considerando que a atração atenta contra a dignidade da pessoa humana e, por isso, a autoridade investida do poder de polícia poderia, mesmo na falta de ordem expressa, interditá-la. O interessante nesse caso é que o dublê Manuel Wackenheim, que ganhava a vida como arremessado também ingressou com ação questionando nas cortes administrativas de apelação, o ato do Prefeito que baniu a atividade, todavia o Conselho de Estado entendeu que a autoridade municipal poderia proibir a prática sob a alegação de que ela não respeitava a dignidade humana, sendo portanto contrária à ordem pública. Não satisfeito o dublê Manuel Wackenheim levou o caso então à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que em 27 de setembro de 2002 julgou que a decisão não era discriminatória aos anões, estabelecendo que o banimento do arremesso não era abusivo, e sim necessário para manter a ordem pública, fazendo ainda considerações a respeito da dignidade humana. Nesse exemplo prático verifica-se que mesmo na falta de regra legislativa expressa que vedasse o arremesso de anão, este é proibido porque numa ponderação entre os princípios incidentes, o princípio da dignidade humana, nesse caso específico, afastou o princípio do direito à liberdade individual e, o arremesso de anão fora considerado um fato jurídico ilícito por abuso de direito, sendo que eventual contrato de trabalho entre o anão e a empresa privada é ato jurídico ilícito por abuso de direito.
[43] Gustavo Zagrebelsky. El derecho dúctil, p. 9-73.
[44] Ronald Dworkin. O Império do Direito. p. 213/269
[45] O inciso XXXV, do art. 5.º da Constituição Federal traz a seguinte previsão: “(...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (...)”.
[46] Segundo Ricardo Marcondes Martins, no livro Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado, p. 44, o magistrado não possui liberdade de escolha, vale dizer, inexiste para o Poder Judiciário discricionariedade, sendo que para o juiz, de duas, uma: ou o sistema normativo não admitia a escolha efetuada ou a admitia. No primeiro caso a ponderação é revista, no segundo é respeitada. No primeiro caso, de vinculação para o legislador ou para o administrador ou para o particular, o magistrado diz qual a solução exigida pelo sistema jurídico; no segundo caso, de discricionariedade para o legislador ou para o administrador ou para o particular, o sistema jurídico adota a escolha do agente competente ou do particular, quer dizer, a escolha efetuada pelo legislador e pelo administrador ou pelo particular e, por isso, o magistrado restringe-se a acatá-la. Nas duas hipóteses o juiz limita-se a indicar a solução jurídica exigida pelo sistema.
[47] Problema e discussão que se surge é no sentido de que no âmbito federal o parágrafo segundo desse mesmo artigo 8.º atribui competência à Controladoria Geral da União, órgão especializado de Controle Interno, para instaurar e avocar processos com base na Lei Anticorrupção, todavia, como se procederá nos quase 6000 mil municípios? Muitos deles sem recursos e sem controladoria ou outro órgão especializado interno constituído. Em que medida o próprio chefe do Poder Executivo Municipal controlará de modo eficaz um ato de corrupção de uma pessoa jurídica em que ele mesmo e seus correligionários possam estar envolvidos?
[48] Fabio Medina Osório. 21 respostas sobre a Lei Anticorrupção e Lava Jato – JOTA (http://www.medinaosorio.adv.br/21-respostas-sobre-lei-anticorrupcao-e-lava-jato/)
[49] Quanto mais o legislador em sua ponderação em abstrato delimita o alcance da norma menor fica o campo de discricionariedade para a subsequente ponderação do agente administrativo. Nas sanções previstas para a intitulada responsabilização administrativa da Lei Anticorrupção é o que ocorre. O legislador delimitou bem o alcance da norma. Além disso, o administrador na sua ponderação em abstrato vale dizer, nos artigos 17 e 18 do Decreto 8.420 de 18 de março de 2015, delimitou ainda mais o alcance da norma, especificando inicialmente no artigo 17 os critérios crescentes de soma de percentuais atrelados aos fatores que apresentam lesividade ao interesse público, e, num segundo momento, no artigo 18, critérios decrescentes de subtração de percentuais atrelados aos fatores que reduzem a lesividade ao interesse público.
[50] A nosso ver, na aplicação dessa modalidade de sanção há que se avaliar se o valor da multa imposta efetivamente vai cumprir a contento e satisfatoriamente a função pedagógica da sanção, ou, se irá aniquilar ou fulminar a empresa, com uma falência e extinção em virtude do elevado valor da penalidade. Constatada a ilegalidade no parecer que não deve o agente competente aplicar uma sanção irrisória que em nada abale a pessoa jurídica infratora, e não sirva de reprimenda, mas por outro lado, não pode essa sanção administrativa figurar como um decreto de extinção da pessoa jurídica infratora, trazendo consequências para a sociedade que ficará sem os serviços ou produtos objeto da atividade da pessoa jurídica infratora, bem como aos seus funcionários e/ou colaboradores e parceiros e suas famílias. Há um impacto social grande quando se dá a extinção de uma pessoa jurídica, a depender das proporções de suas atividades e as dimensões de sua função social. A nosso ver o agente competente ao aplicar e penalidade de multa nessa deverá efetuar uma ponderação e considerar princípios como o do livre exercício do trabalho, dignidade humana, e, sobretudo o real impacto que advirá da execução da penalidade imposta.
[51] Trata-se de programas de compliance que devem ser adotados pelas empresas. Ao nosso ver tal medida prevista na Lei Anticorrupção é extremamente salutar para a sociedade brasileira e contribuirá para uma mudança de cultura ética na esfera privada corporativa. Segundo disposição do parágrafo único do artigo 7.º da lei em análise os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos de integridade e programas de compliance serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.
[52] Nos termos da Lei Anticorrupção, ora em análise, a instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, podendo a atribuição ser delegada, mas nunca subdelegada, sendo que no âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União - CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento.
[53] Dispõe o art. 108 da Lei n.º 9.610, de 18 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências: “Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma: I - tratando-se de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido a infração, por três dias consecutivos; II - tratando-se de publicação gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérprete e do editor ou produtor; III - tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio da imprensa, na forma a que se refere o inciso anterior”.
[54] Essa lacuna pode ser preenchida por uma modificação no Decreto regulamentador ou, caso não ocorra essa modificação, exigirá uma ponderação do aplicador da Lei nos casos concretos.
[55] O acordo de leniência, fruto da experiência norte americana, é o ajuste que permite ao infrator participar da investigação, com o fim de prevenir ou reparar dano de interesse coletivo. No Brasil, o instituto do acordo de leniência já vem sendo adotado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico como instrumental na área do direito da livre concorrência após previsão do artigo 35-B da Lei 8.884/94, acrescentado pela Lei 10.149/00, e consiste na possibilidade de acordo entre a Secretaria (em nome da União) e a pessoa física ou jurídica envolvida na prática da infração a ordem econômica que confessar o ilícito, e apresente provas suficientes para a condenação dos envolvidos na suposta infração. De acordo com a linguagem simples da Lei Anticorrupção (art. 16), mediante a celebração de tais acordos e o cumprimento de suas condições, as empresas podem reduzir as multas aplicáveis ??em até dois terços e ficarem isentas de sanções judiciais e administrativas. O instituto guarda certas semelhanças com o instituto da delação premiada do direito penal, mas não se confundem. O cerne de tal diferença encontra-se no fato de que a delação premiada é, na maioria das vezes, apenas causa redutora da penalidade, enquanto em se tratando de acordo de leniência além de reduzir a penalidade é também causa de isenção de sanções.
[56] Em que pese a responsabilização judicial prevista na Lei Anticorrupção seja norma que será aplicada pelo Poder Judiciário a lei em exame será objeto de regulamentação pelo Chefe do Poder Executivo Federal, aplicando-se desta forma esta regra.
[57] Diz Alexy na sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 101-106, “El carácter prima facie de los principios puede reforzarse inroduciendo uma carga de argumentación em favor de determinados principios o determinados tipos de principios. La decisión de incapacidade processual há mostrado que tanto las normas que concedem derechos fundamentales al individuo como las que ordenan la persecución de interesse de la comunidade, pueden ser concebidas como principios. Es possible introducir uma carga de argumentación em benefício de los principios dei primer tipo y em contra de los del segundo, es decir, uma carga de argumentación en beneficio de los bienes individuales y em contra de los bienes coletivos”.
[58] Abuso de Direitos e a Constitucionalização do Direito Privado, p. 38.
[59] Segundo bem assegurou o professor Celso Antônio Bandeira de Mello: “todo o direito é para realizar a felicidade do homem e a felicidade do homem começa com o respeito ao homem, respeito à dignidade do homem, nenhuma teoria que favoreça a antítese disso pode ser aceita”: Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br . Acesso em: 03 de maio de 2015.
Kleber Bispo dos Santos:
Advogado militante em São Paulo, Mestrando em Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, especialista em Direito Eleitoral. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Planejamento Municipal – IBDEPLAM, Professor e Palestrante em Direito Administrativo, Direito Municipal e Direito Eleitoral.