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NOVOS DESAFIOS À POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS E AO SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS - PARTE III

01/07/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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Novos Desafios à Política Nacional de Recursos Hídricos e ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – Parte III

New Challenges to the National Water Resources Policy and the National Water Resources Management System

 

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]

Renata Miranda Lima[2]

 

Resumo: Este artigo objetiva trabalhar questões referentes a os recursos hídricos no País sob um aspecto legal. Para tanto, o presente artigo verifica as legislações nacionais e internacionais referentes aos recursos hídricos, as políticas adotadas no Brasil e sua harmonia com o equilíbrio ambiental. É mportante vetor no desenvolvimento deste artigo parte de uma ótica quanto à participação social e democracia tendo como hipótese ser este elemento importante para o cumprimento do Direito ao Desenvolvimento.

Palavra-chave: Recursos hídricos; Meio Ambiente Equilibrado; Democracia; Participação Social.

 

Resume: This article aims to work on issues related to water resources in the country under a legal aspect. To this end, this article verifies the national and international legislation regarding water resources, the policies adopted in Brazil and their harmony with the environmental balance. It is an important vector in the development of this article, based on a perspective regarding social participation and democracy, with the hypothesis that this element is important for the fulfillment of the Right to Development

Keyword: Water resources; Environment; Democracy; Social Participation.

 

Desafios à Política Nacional de Recursos Hídricos e ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Parte III)

Ampliando a reflexão para o campo principiológico dos direitos sociais, especial relevância merece o princípio da participação, transparência e accountability. No que tange ao componente democrático, tem-se que este é essencial para a adoção de ações, políticas e programas em direitos sociais. Quanto ao componente participativo, este é estruturante aos direitos sociais e propicia a participação dos grupos mais vulneráveis na formulação, implementação e monitoramento destes direitos (PIOVESAN, 2011, p. 137).

O componente de justiça social e o componente democrático são essenciais ao direito ao desenvolvimento. Assim:

É dever dos Estados encorajar a participação popular em todas as esferas como um importante fator ao direito ao desenvolvimento e à plena realização dos direitos humanos. Estados devem promover e assegurar a livre, significativa e ativa participação de indivíduos e grupos na elaboração, implementação e monitoramento de políticas de desenvolvimento. Neste contexto, os princípios da participação e da accountability são centrais ao direito ao desenvolvimento (PIOVESAN, 2011, p.110).

No que toca ao direito ao desenvolvimento, destaca-se que este compreende tanto a dimensão nacional como a dimensão internacional. A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento prevê que “os Estados devem adotar medidas – individual e coletivamente – para criar um ambiente a permitir, nos planos internacional e nacional, a plena realização do direito ao desenvolvimento” (PIOVESAN, 2011, p.110).

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento prevê que os Estados devem adotar medidas para eliminar os obstáculos ao desenvolvimento resultantes da não observância de direitos civis e políticos, bem como da afronta a direitos econômicos, sociais e culturais e ainda que reconheça ser os Estados os responsáveis primários na realização do direito ao desenvolvimento, e enfatiza a importância da cooperação internacional para sua realização (Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento - 1986, Art. 3º, 4º e 10º).

Como explica Amartya Sen: “political liberties and democratic rights are among the constituent components of development”[3] (AMARTYA SEN, 2009, p. 347). Assim, pode-se afirmar que a Democracia requer a participação política, diálogo e interação pública, conferindo o direito à voz aos grupos mais vulneráveis.

Neste seguir, José Joaquim Gomes Canotilho assevera que “a ideia de procedimento/processo continua a ser valorada como dimensão indissociável dos direitos fundamentais” e acrescenta que “a participação através do procedimento já não é um instrumento funcional e complementar da democracia, mas sim uma dimensão intrínseca dos direitos fundamentais” (CANOTILHO, 2008, p. 104).

Assim, considera-se que para o desenvolvimento é necessário a participação popular. Para tanto, é fundamental instrumentos que fortaleçam e promovam o direito à participação desde o âmbito local como no âmbito internacional, especialmente no que tange as políticas de águas. Contudo, é preciso observar que não basta os resultados provenientes de um processo democrático, pois também é importante o processo de implementação de espaços democráticos.

Voltando a atenção SINGREH, destaca-se que embora esta tem sido pouco eficaz para a solução de questões importantes da gestão das águas, cabe ressaltar que, minimamente, a essência da participação social e da gestão compartilhada dos recursos hídricos vinham se mantendo como pilares do sistema.

No entanto, o momento político vivido pelo país tem causado preocupações no que concerne à gestão das águas. Embora possa parecer cedo para analisar resultados, a mudança do ministério traz um risco aos princípios de cunho ambiental, como os usos múltiplos, a sustentabilidade e a visão integrada das bacias hidrográficas. Por outro lado, as mudanças na composição e no funcionamento do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) representam um indicativo indubitável da quebra de princípios elementares da legislação, em especial da participação social na discussão, análise e aprimoramento da PNRH, pois além de concentrar a participação no CNRH, com a maioria dos assentos, o Governo Federal passa a dispor também da possibilidade de editar normas e resoluções “ad referendum”, centralizando o poder decisório em detrimento de decisões debatidas no CNRH.

Neste correr, tem-se que a posição do Governo Federal diminuiu a participação da sociedade e exclui das discussões da PNRH populações indígenas, tradicionais, comunidades ribeirinhas, entre outros, podendo tornar a política de recursos hídricos menos inclusiva e ainda mais centralizadora.

Ainda a respeito da participação popular, destaca-se que no final do ano de 2019 houve a publicação de Decreto nº 10.000 que dispõe sobre o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, sendo este órgão consultivo e deliberativo integrante da Estrutura Regimental do Ministério do Desenvolvimento Regional (Brasil, 2019).

Este decreto dispõe que ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos compete diversas atividades, dentre elas destaca-se:

I - formular a Política Nacional de Recursos Hídricos, nos termos do disposto na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997 , e no art. 2º da Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000 ; II - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários; III - arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre conselhos estaduais de recursos hídricos; IV - deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos, cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados; V - deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos conselhos estaduais de recursos hídricos ou pelos comitês de bacia hidrográfica; VI - analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos; VII - estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VIII - aprovar propostas de instituição dos comitês de bacia hidrográfica de rios de domínio da União e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos internos; IX - acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; X - estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso; XI - deliberar sobre os recursos administrativos que lhe forem interpostos (Brasil, 2019).

No que tange a estrutura de tais conselhos o artigo 2º da referida legislação, dispõe que este será composto pelo  Plenário; Secretaria-Executiva; Câmaras Técnicas; e Comissão Permanente de Ética e, o artigo 3ª dispõe que o conselho será contemplado por diversos seguimentos, contudo, todos do governo, sendo estes representantes dos respectivos Ministérios do governo (BRASIL, 2019).

Outro ponto importante a ser destacado diz respeito ao prazo do Plano Nacional de recursos hídricos, o qual se encerra no ano de 2020. Toda essa conjuntura tecida corrobora a crítica desenvolvida no decorrer desta pesquisa, qual seja, o esvaziamento da participação social, dado que não há horizonte de pluralização dos componentes que hão de desenvolver as decisões e políticas referentes aos recursos hídricos no País.

Neste ínterim, com base em toda reflexão tecida, considera-se que este é momento propício para o desenvolvimento de planos que se insiram a sociedade no campo de participação, no desenvolvimento de decisões, implementações de políticas e fiscalização das atividades, especialmente porque, neste ano, encerra-se o prazo do Plano Nacional de recursos hídricos, demandando a formulação de novo plano para os próximos 20 anos, que proporciona a criação de um novo momento no qual se fortaleça a participação popular.

Tal participação, inclusive, tem sua importância ampliada em virtude das alterações ministeriais às quais fomos submetidos e, especialmente, se as atribuições do Conselho Nacional de Recursos Hídricos envolverem novas matérias referentes ao Saneamento Básico, caso o Projeto de Lei sobre o novo marco do saneamento (PL 4.162, de 2019) seja sancionado.

Em suma, faltou a tomada de consulta pública quanto às alterações no gerenciamento de Recursos Hídricos, ficou limitada a atuação da sociedade civil no CNRH, e, agora, urge a ampla participação nos destinos do próximo planejamento a longo prazo, para não prescindirmos de tal dimensão intrínseca dos direitos fundamentais e do direito ao desenvolvimento.

REFERÊNCIAS

AMARTYA SEN, The Idea of Justice, Cambridge, Harvard University Press, 2009.

Brasil. Decreto nº 10.000 de 03 de setembro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10000.htm>. Acesso em 24/06/2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#art198%C2%A72i.>. Acesso em 24/06/2020.

BRASIL. LEI No 10.768, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2003. Dispõe sobre o Quadro de Pessoal da Agência Nacional de Águas - ANA, e dá outras providências.

BRASIL. LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989.

BRASIL. LEI No 9.984, DE 17 DE JULHO DE 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas - ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais, 1. ed., Portugal, Coimbra editora, 2008.

CONGRESSO NACIONAL. PL 4162/2019. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento; a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos e Saneamento Básico; a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal; a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País; a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões; e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados

ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html>. Acesso em 24/06/2020.

PIOVESAN, Flávia. Proteção dos direitos sociais: desafios do ius commune sul-americano. Rev. TST, Brasília, vol. 77, no 4, out/dez 2011, p. 102-139. Acesso em: 25/06/2020.

 

 



[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XIII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

[2] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia ESA/OAB-SP (2020). Mestre pela Universidade Nove de Julho em Direito (2018-2020). Coordenadora Adjunta do Núcleo de bolsas e desenvolvimento Acadêmico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM (2019-2020). Atuante em ações Advocacy pelo curso Advocacy Hub. Pós-Graduada pela Universidade Castilla La Mancha - UCLM em negociação, conciliação e mediação em resolução de conflitos (2018). Pós-Graduada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM em parceria com o Instituto Ius Gentium Conimbrigae (IGC) Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Direitos Fundamentais Internacionais (2017). Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE (2016).

[3]“Democracy is assessed in terms of public reasoning, which leads to an understanding of democracy as “government by discussion”. But democracy must also be seen more generally in terms of capacity to enrich reasoned engagement through enhancing informational availability and the feasibility of interactive discussions. Democracy has to be judged not just by the institutions that formally exist but by the extent to which different voices form diverse sections of the peoples can actually be heard”.

 

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