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Pátria amada Brasil para quem? Panorama dos mecanismos legais e internacionais de garantia do Direito a vida das mulheres I

23/11/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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Pátria amada Brasil para quem?

Panorama dos mecanismos legais e internacionais de garantia do Direito a vida das mulheres I

Beloved country Brazil for whom?

Overview of legal and international mechanisms to guarantee women's right to life II

Renata Miranda Lima[1]

 

Resumo: A presente pesquisa é dívida em dois artigos e tem como principal finalidade contribuir na discussão referente a violência contra a mulher conferindo ênfase ao Estado Brasileiro e suas ações para a concretização do Direito à igualdade disposto no artigo 5º da Constituição de República Federativa do Brasil. Considera-se que apesar dos avanços legislativos, o Brasil ainda está incipiente no desenvolvimento de políticas públicas efetivas e robustas. Nesse sentido, destaca-se a emergência de redes de proteção fortes e desenvolvimento de políticas públicas capazes de incidir sobre as novas e futuras gerações plantando uma nova compreensão sobre gênero e igualdade.

Palavra-Chave: Direito à igualdade, Mulheres, Violência de gênero, Convenção de Belém do Pará, Brasil.

 

Abstract: This research is divided into two articles and its main purpose is to contribute to the discussion regarding violence against women, emphasizing the Brazilian State and its actions for the realization of the Right to equality provided for in Article 5 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. Despite legislative advances, it is considered that Brazil is still incipient in the development of effective and robust public policies. In this sense, the emergence of strong protection networks and the development of public policies capable of impacting new and future generations, planting a new understanding of gender and equality, stands out.

Keyword: Right to equality, Women, Gender violence, Convemção de Belém do Pará, Brazil.

 

Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar

Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: Péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Maria da Vila Matilde – Elza Soares

 

A canção de Elza Soares retrata um cenário de violência contra mulher e a possibilidade de uma reação para a proteção do seu direito a vida e integridade física por meio de uma política pública do Estado que é representada no ‘ligar para o 180’ e denunciar.

Apesar da importância dos mecanismos de denúncia e das políticas públicas implantadas no Brasil, o questionamento que permeia este artigo é entender se a mulher por meio dos mecanismos legais nacionais e internacionais existentes, sob uma perspectiva de resultados imediatos, pode dizer: ‘você vai se arrepender se levantar a mão para mim’ e de uma forma mais profunda e pensando políticas públicas de longo prazo, busca-se refletir se essas políticas estão aptas a produzir um horizonte diferente em que não haja mais necessidade de aplicação de leis, em razão do respeito mútuo entre os sexos. A partir dessa reflexão considera-se que para a imposição de um não fazer violência de gênero é indispensável a expansão da rede de proteção a mulher e, dentro dessa rede, destaca-se as delegacias especializadas que geram efeitos a curto prazo, e a educação de gênero nas escolas buscando a longo prazo a redução do quadro de violência contra a mulher.

No que diz respeito às políticas de curto prazo e de efeito imediato, destaca-se as delegacias especializadas no Brasil. No que tange ao exposto, conforme dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2018 apenas 8,3% de todos os Estados brasileiros ofertavam o serviço de delegacias especializadas[2]. Tais dados demonstram a lentidão de cumprimento dessa política, o que resta explicitado pela representação gráfica destes incluída abaixo.

Figura 1: número de delegacias especializada de violência contra mulher de 2003 a 2016 no Brasil, conforme dados do SIC.

 

 

 Fonte: Autoria Própria[3]

A partir do gráfico verifica-se que desde o ano de 2012, houve uma estagnação na criação de delegacias, contrário sensu, ao latente crescimento do índice de violência contra a mulher e taxa de feminicídio nos últimos anos[4]. Pontua-se, portanto, que o mero estabelecimento de novas delegacias, sem outras políticas públicas complementares, tampouco é capaz de efetivar todo o processamento necessário para alcançar resposta jurídica adequada e atender às necessidades de mulheres em violência e risco de morte. Abordagem similar é dada, por exemplo, à questão de importunação sexual em que a lei nº 13.718/18[5] alterou o Código Penal[6] o inserindo como novo tipo penal. Apesar da importante medida legislativa, essa se mostra pouco efetiva e com peso quase simbólico[7]. O exposto é corroborado no fato de que mesmo com a edição da lei, tal espécie de violência sofreu um aumento de quase 50% entre 2018 e 2019[8]. Verifica-se, assim, que a mera edição de lei não é capaz de desestimular práticas, fazendo-se necessária a articulação de políticas públicas de atendimento imediato, assim como outras que produzam efeitos a longo prazo de caráter educacional a nível básico e profissional. 

Para alcançar êxito na proteção de mulheres em estado de violência é preciso um aparato maior do Estado com uma política estruturada. A este respeito, apesar do Estado criar serviços de atendimento as mulheres que sofrem violência, nos últimos anos às políticas têm apresentado sérios retrocessos e os dados do IBGE corroboram o exposto ao apontar que o percentual de municípios com organismo executivo de políticas para mulheres contava com percentual de 27,5% em 2013 e esse percentual foi para 19,9% em 2018 [9], bem como se salienta que desse percentual, apenas 9,7% dos municípios brasileiros forneciam os serviços em 2018[10], ou seja, os mecanismos existentes estão concentrados em 9% dos municípios do Brasil. Assim, tem-se que a redução de mecanismos cumulada com a não capilarização gera efeitos nefastos que inviabilizam a proteção do direito à vida das mulheres, pois a retração da política conjugado com a concentração dos mecanismos públicos nas grandes cidades do país aprofunda violências às mulheres moradoras de áreas rurais e periféricas da cidade.

Por outro lado, destaca-se que, neste cenário de redução de políticas e mecanismos públicos de atenção à mulher, o atlas da violência do IPEA de 2017 apresenta um crescimento dos homicídios femininos no Brasil com 13 assassinatos por dia. Ao todo, houve 4.936 mulheres mortas em 2017 e esse foi o maior número registrado desde 2007. Considerando o período de 2007 a 2017, o Rio Grande do Norte apresentou o maior crescimento, com variação de 214,4%, seguido por Ceará (176,9%) e Sergipe (107,0%). Já referente apenas ao ano de 2017, o estado de Roraima respondeu pela maior taxa, com 10,6 mulheres vítimas de homicídio por grupo de 100 mil mulheres, índice mais de duas vezes superior à média nacional (4,7 por mil habitantes). A lista das unidades federativas onde houve mais violência letal contra as mulheres é seguida por Acre, com taxa de 8,3 para cada 100 mil mulheres, Rio Grande do Norte, também com taxa de 8,3, Ceará, com taxa de 8,1, Goiás, com taxa de 7,6, Pará e Espírito Santo com taxas de 7,5 [11]. Como forma de facilitar a visualização da taxa de crescimento de homicídio de mulheres no Brasil, segue gráfico confeccionado pelo IPEA que apresenta os Estados que tiveram a maior taxa de feminicídio entre o período de 2007 a 2017.

Fonte: IPEA, 2019[12].

Ainda no que tange a violência contra a mulher, é importante destacar que segundo dados do mapa de violência de 2019 mulheres correspondiam a 67% das vítimas de agressão física registradas no país. No Distrito Federal, esse índice chegou a 75%[13]. Ou seja, estes dados apontam que a violência contra a mulher não alcançou significativa diminuição desde a edição da lei Maria da Penha e de forma evidente tem apresentando preocupante aumento. Ainda, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça o Brasil ainda vivencia uma realidade de constante aumento de feminicídios, de modo que de 2017 para 2018 passou de 1.582 casos novos para 1.851. Em 2019 este número foi para quase 2.000 novos casos[14].

Conforme o Fórum de Segurança pública, os registros de violência doméstica de março e abril de 2019 e 2020, apenas o Estado do Rio Grande do Norte teve aumento na taxa de 287 registros no mês de março de 2019 para 385 em março de 2020. Contudo, o número de feminicídio teve aumente em praticamente todos Estados[15].

Estes dados evidenciam o quão precário é a política e o aparato do Estado para a proteção de mulheres especialmente no que tange às delegacias especializadas e outros mecanismos públicos do Estado que poderiam adotar medidas para evitar o aumento de mortes. Ainda segundo pesquisa de 2017, o principal local de violência é na casa das vítimas[16], contudo, o aprofundamento destas questões será trabalhado no segundo artigo referente a esse tema.

Espera-se que o debate aqui apresentado contribua socialmente e alerte as autoridades estatais da emergência em fortalecer as políticas públicas para a garantia do Direito à vida e integridade física de diversas brasileiras assim como mobilize a advocacia brasileira  a se posicionar ativamente com ações a favor da concretização de uma país mais livre, juto, igualitário e solidário.

 



[1] Advogada. Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia ESA/OAB-SP. Mestre em Direito. Coordenadora Adjunta do Núcleo de bolsas e desenvolvimento Acadêmico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM. Especialista em negociação, conciliação e mediação em resolução de conflitos pela Universidade Castilla La Mancha - UCLM. Pós-Graduada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM em parceria com o Instituto Ius Gentium Conimbrigae (IGC) Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Direitos Fundamentais Internacionais.

[2] IBGE. Munic 2018: Apenas 8,3% dos municípios têm delegacias especializadas de atendimento à mulher. Disponível em:<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25499-munic-2018-apenas-8-3-dos-municipios-tem-delegacias-especializadas-de-atendimento-a-mulher#:~:text=Em%202018%2C%201.221%20mulheres%20e,especializadas%20de%20atendimento%20à%20mulher>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[3] Dados colhidos pelo SIC, 2019.

[4] CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Disponível em: <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%5Cpainelcnj.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shVDResumo>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[5] BRASIL. Lei nº 13.718 de setembro de 2018. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13718.htm>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[6] BRASIL. Decreto Lei nº 2.848 de 7 de setembro de 1940. Código Penal. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[7] Conforme o artigo tipificado, o ato consiste em “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.

[8] FOLHA DE SÃO PAULO. Lei de importunação sexual completa 1 ano com 3.090 casos em SP. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/lei-de-importunacao-sexual-completa-1-ano-com-3090-casos-em-sp.shtml>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[9] CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Disponível em: <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%5Cpainelcnj.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shVDResumo>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[11] IPEA. Atlas da violência 2019. Organizadores: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, p. 35.

[12] Ibid.:

[13] Gênero e número. Mapa da Violência de Gênero: Mulheres são quase 67% das vítimas de agressão física no Brasil. Disponível em: <http://www.generonumero.media/mapa-da-violencia-de-genero-mulheres-67-agressao-fisica/>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[14] CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Série histórica Casos Novos de Conhecimento Feminicídio. 2020. Disponível em: <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%5Cpainelcnj.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shVDResumo>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[15] Fórum de Segurança Pública. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 – ed. 2º 29 de maio de 2020, p. 5 - 6.

[16] LIMA, Renata Miranda; LIMA. Stefani Miranda; CROCE, Mayla; MUSSARA, Raissa. Combate à violência contra a mulher e contra a criança no mundo é urgente! Parte II (dados do agravamento à violência contra a mulher no Brasil). Escola Superior da Advocacia de São Paulo. Disponível em: <https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=243>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

 

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