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COVID-19: aspectos jurídicos relacionados ao tratamento e responsabilidades

19/04/2021 - Fonte: ESA/OABSP

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COVID-19: aspectos jurídicos relacionados ao

tratamento e responsabilidades

 

 

Larissa Matos

Advogada do Sales Matos Advocacia. Doutoranda em Direito do Trabalho pela USP, com Doutorado sanduíche em curso na Universidad de Barcelona (programa CAPES-PRINT).

Mestre em Direito do Trabalho pela Universidad de Palermo. Integrante do corpo docente da ABRAT. Professora de pós-graduação.

 

 

A COVID-19 já afetou mais de 140 milhões de pessoas, com aproximadamente três milhões de mortes no mundo, segundo dados da OMS. No Brasil, superamos o patamar de quatro mil mortes por dia[1].

Diante desses dados, a gente tem que pensar nas responsabilidades, tanto do poder público, como de profissionais e empregadores.

Em relação ao poder público, temos que ter em mente duas premissas: 1) que a saúde é dever do estado; 2) e que problemas em massa se resolvem com políticas públicas coordenadas.  

O Estado é o principal responsável pela coordenação e implementação de ações – ações que devem incluir políticas de conscientização da vacinação, valorização da ciência e combate às fake news.

Segundo o cientista Miguel Nicolelis, o Brasil virou uma espécie de reator fora de controle, ou seja, um Fukushima biológico[2]. Para ele, o combate à pandemia no Brasil exige: 1) coordenação de política pública; 2) isolamento social; 3) bloqueios; e 4) vacinação em massa – medidas que, conforme expressado pelo cientista, devem ser adotadas em conjunto[3]. Afinal, é urgente a redução de contágios, diante do nefasto quadro por que passa o País.

Sobre a implementação de medidas, o Supremo Tribunal Federal[4] esclareceu que a competência é do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações. Todavia, isso não exclui a competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia, diante da norma constante no art. 23, inciso II, da Constituição Federal.

Assim, o STF não impediu o Ministério da Saúde e o governo federal de agirem. Apenas disse que os Estados e Municípios também têm competência. A decisão foi ampliativa, e não restritiva.

Além disso, é preciso chamar atenção para a norma do art. 3º, da Lei 6.259/75, que dispõe: “Cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório.”

Isso é, não há dúvidas quanto ao dever e responsabilidade dos estados, especialmente do governo federal, para programar essas ações de combate a pandemia de modo coordenado, nem sobre o seu dever de comandar políticas de vacinação em massa.

Em relação à vacinação, na ADI 6586, o STF[5] entendeu que a obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas.

Não obstante, a previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei 13.979/2020, como o respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes[6].

Dessa forma, para o STF: a) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, entre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares; b)  a vacina deve ter evidências científicas; c) a vacinação deve ser acompanhada de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes; d) a vacinação deve respeitar a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; e) a vacinação deve atender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e e) as vacinas devem ser distribuídas universal e gratuitamente[7].

Outra responsabilidade que surge, nesse contexto de pandemia, é a responsabilidade dos médicos. Nesse sentido, é importante chamar atenção para o art. 20 do Código de Ética Médica, que veda ao médico “Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade”[8].

Dessa forma, o médico tem o dever de seguir as recomendações científicas e não pode se eximir da responsabilidade quanto às prescrições de tratamento que não têm respaldo científico.

Por fim, no caso dos empregadores, não custa lembrar que o ordenamento jurídico impõe a responsabilidade pela higidez labor-ambiental. Esse dever, inclusive, é questão de responsabilidade social – pois o ambiente laboral contaminado pode contaminar o ambiente fora do trabalho.

No caso de empresas cujos trabalhos sejam realizados com diversas pessoas no mesmo ambiente, é interessante que haja a vacinação dos empregados, a fim de manter a saúde e segurança laboral.

Nesse ponto, entendo que, a partir de uma ponderação de direitos fundamentais (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), o empregado está obrigado a se vacinar, pois o seu direito individual não pode se sobrepor ao direito fundamental à saúde dos demais, ressalvadas, obviamente, as questões de saúde daqueles que não podem tomar a vacina ou situações particulares, como é o caso dos que trabalham de modo isolado – recomendo, portanto, a análise dos casos concretos.

À parte dessas discussões, a gente tem que refletir para onde estamos levando o discurso negacionista ou irresponsável quanto a adoção de medidas necessárias para solucionar ou amenizar os efeitos nefastos da pandemia.

Afinal, toda essa repercussão e debate sobre a obrigatoriedade da vacinação na sociedade tem reflexos em outras situações. Por exemplo, os índices demonstram que houve agravamento da queda de imunizações de crianças e, consequentemente, surto de doenças e aparecimento de enfermidades que estavam erradicadas no Brasil, como sarampo e poliomielite[9].

Que possamos, então, pensar sobre tudo isso e, assim, termos responsabilidade sobre o discurso que propagamos.

 

 

 


[1] WHO. WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard. Disponível em: https://covid19.who.int/. Acesso em 19/04/2021.

[2] RODRÍGUEZ, Margarita. Coronavirus: Brasil es "como un Fukushima biológico, un reactor nuclear que está fuera de control". BBC News Mundo. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-56739666. Acesso em 19/04/2021.

[3] NICOLELIS, Miguel. Vacina já! Mídia Ninja. Disponível em: https://www.instagram.com/tv/CNTVCvwhiKF/. Acesso em 19/04/2021.

[4] STF. ADI 6586. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6033038. Acesso em 19/04/2021.

[5] STF. ADI 6586. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6033038. Acesso em 19/04/2021.

[6] STF. ADI 6586. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6033038. Acesso em 19/04/2021.

[7] STF. ADI 6586. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6033038. Acesso em 19/04/2021.

[8] CFM. Código de Ética Médica. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em 19/04/2021.

[9] MERGULHÃO, Alfredo. No ano da pandemia de covid-19, Brasil enfrentou surto de sarampo em 21 estados. Época. Disponível em: https://epoca.globo.com/brasil/no-ano-da-pandemia-de-covid-19-brasil-enfrentou-surto-de-sarampo-em-21-estados-24840899. Acesso em 19/04/2021.

 

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