Please ensure Javascript is enabled for purposes of website accessibility

X

Artigo

A + A -

Dos Contratos de Aprendizagem durante a Pandemia da Covid-19 na Cidade de São Paulo

31/03/2021 - Fonte: ESA/OABSP

.

.

Dos Contratos de Aprendizagem durante a Pandemia da Covid-19 na Cidade de São Paulo

 

Mirele Ambrósio Maciel 

Vitória de Andrade Bolsarin 

 

Resumo: O presente artigo busca esclarecer a relevância dos contratos de aprendizagem diante do cenário emergencial e, sobretudo, da edição das Medidas Provisórias que conduziram à edição da Lei 14.020/20.

Palavras-chave: Contrato. Aprendizagem. Pandemia. Discussão.

 

Diante do cenário de crise, evidencia-se o caráter fundamental do trabalho conjunto do Poder Público com entidades privadas, sejam empresas ou instituições através da regulamentação do labor infantil e inserção correta das crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Nessa conjuntura, o Instituto Ethos (2020), através de incentivo às empresas de aderirem a uma carta-compromisso estabelece, nas considerações iniciais da carta que “o setor privado desempenha um papel fundamental neste processo por meio de suas estratégias corporativas, suas políticas e práticas internas;” e ainda que “as empresas estão posicionadas como importantes aliadas para a erradicação do trabalho infantil e promoção de programas de Aprendizagem Profissional.”

Estatísticas disponibilizadas pela Relação Anual de Informações Sociais, expedida pelo Ministério da Economia, evidenciam a relevância da adequada inserção dos aprendizes no mercado, de acordo com a pesquisa, em 2017 havia 38.436 aprendizes contratados. Em relação ao número de vagas, no ano de 2019, foram contabilizadas 106,6 mil. O trabalho do aprendiz é regulamentado pelo texto constitucional, nos artigos 7º, XXXIII e 227, §3º, em que proíbe o trabalho insalubre ou perigoso a menores de dezoito anos e qualquer trabalho ao menor de dezesseis anos, bem como estabelece a idade mínima de quatorze anos para admissão na condição de aprendiz, assegurados os direitos previdenciários, trabalhistas e o acesso à escola.

De acordo com o artigo 62 do ECA considera-se aprendizagem a formação técnico- profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação em vigor. A definição específica no que tange ao contrato de aprendizagem encontra-se disposta no artigo 428 da CLT, em que se estabelece o caráter especial ao contrato, que é ajustado por escrito e possui prazo determinado.

A Lei de Aprendizagem, noutro passo, alterou uma série de artigos da CLT, estabelecendo questões como máximo temporal trabalhado, que não pode exceder 06 horas, a proibição de prorrogação e compensação de jornada; e as hipóteses de compensação em casos de insuficiência de vagas para cursos profissionalizantes dos Serviços Nacionais de Aprendizagem. Destaca José de Farias (2012, p. 66): “a aprendizagem profissional respeitará as condições peculiares do adolescente. [...] A carga horária não prejudicará a participação regular do aluno na sua escola de ensino fundamental da rede pública.”

Dentre os artigos alterados pela Lei 10.097/2000, cite-se o 429 da CLT, que estabelece aos estabelecimentos de qualquer natureza, salvo as microempresas e empresas de pequeno porte, a obrigatoriedade de contratação de aprendizes em número equivalente à 5% no mínimo e 15% no máximo dos trabalhadores em cada estabelecimento, sendo-lhes concedido, em conformidade com o artigo 127 da CLT tempo necessário para frequência às aulas. Para a Ministra Kátia Arruda do TST, os menores “se contratados de acordo com a lei, têm a carteira assinada, todas as garantias trabalhistas, segurança, jornada de trabalho diferenciada e, o melhor, sem deixar de estudar”.

Nesses termos, a celebração do contrato de aprendizagem proporciona complementação de renda de suma importância para famílias vulneráveis, principalmente no cenário de pandemia. Isso porque, a aprendizagem deve também ser vista como um meio de educação para o trabalho, de maneira que propicie oportunidades de inclusão social e a expectativa de inserção do aprendiz no mercado.

Do mesmo modo, o trabalho educativo, conforme a disposição do artigo 68 do ECA, trata de um tipo jurídico desenvolvido a partir de um programa social, de responsabilidade de entidade governamental ou não governamental, sem fins lucrativos, em que a função pedagógica deve prevalecer frente ao encargo produtivo. Apesar de nem sempre contar com remuneração, da atividade podem se ter ganhos provenientes da atividade desempenhada ou pela participação nas vendas nos produtos, sendo imprescindível a manutenção do adolescente como educando. À vista disso, esse programa deve garantir um processo educativo de qualidade, ao incentivar a autodeterminação, o empreendedorismo juvenil e a continuidade dos estudos, assim como promover a participação do círculo familiar no desenvolvimento do adolescente.

Pela necessidade da entidade responsável pela execução do programa ser registrada a cada biênio perante o Conselho Municipal das Crianças e dos Adolescentes, observadas as providências determinadas pela Resolução 74/2001 do CONANDA, verifica-se que a partir do princípio da eficiência administrativa nas parcerias intersetoriais, é possível obter uma maior abrangência no combate ao trabalho precoce. Em outros termos, o rearranjo da doutrina da proteção integral nesses moldes permite um incremento de atores, uma vez que observada a dependência das previsões legais, tais como o art. 4°, p.u. do ECA, sobre a destinação privilegiada de recursos públicos para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes frente a iniciativa dos gestores.

Assim, considerando que o Terceiro Setor contempla ações privadas com o propósito de abarcar o bem comum, sua atuação é concomitante àquelas que visam à minoração da desigualdade e exclusão social. Por isso, “descentralizar a implementação das políticas sociais e ampliar a participação da sociedade civil em sua formulação são meios essenciais para reorientá-las, no sentido de assegurar a inclusão de todos os segmentos sociais na esfera do atendimento público”. (FISCHER, 2005, p. 8)

Dentre as propostas do Fórum Nacional da Erradicação do Trabalho Infantil, se apresentaram algumas medidas tais como programas de renda-mínima e de bolsa-escola, geração de alternativas de ocupação e de mercado e, propriamente, a promoção da articulação institucional quadripartite, entre o governo, organizações de trabalhadores e empregadores, governo e sociedade organizada ao combate. Nessa perspectiva, a municipalização do atendimento, constante no artigo 88, I, ECA, como diretriz e, por consequência, comando normativo indica a competência do ente federativo para “realizar programas de atenção direta, que também podem ser realizados por entidades de atendimento não-governamentais”. (ROSSATO, 2019, p. 314)

Ocorre que, estabelecido o cenário pandêmico, e a recomendação das entidades de saúde de manter o isolamento social com finalidade de barrar a disseminação do vírus, os governadores estabeleceram o fechamento temporário do comércio não essencial, o que acabou por interferir negativamente nas vendas, ocasionando um cenário de numerosas demissões. De acordo com pesquisa do Ministério da Economia, “de janeiro até agosto de 2020, foram contabilizados 4.985.057 pedidos de seguro-desemprego. O número representa um aumento de 7,5% em comparação com o acumulado no mesmo período de 2019 (4.635.454)”.

Nessa conjuntura, foi editada a Lei 14.020/2020, resultado de conversão da MP 936, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, interferindo significativamente nos contratos de trabalho e por conseguinte nos contratos de aprendizagem, conforme assegura seu artigo 15. A legislação dispõe que o jovem aprendiz que efetuar acordo com o empregador no cenário da pandemia - seja de suspensão contratual por até 60 dias, podendo ser fracionado em dois turnos de 30 dias, ou redução proporcional de jornada e salário, por até 90 dias, desde que superior a 25% da carga horária total, nos termos do artigo 5º da Lei 14.020/20 - terá direito a receber mensalmente o Benefício Emergencial de Preservação de Emprego e Renda (BEm), sem prejuízo dos benefícios devidos.

Tal recebimento independe do tempo de vínculo empregatício, cujo valor será calculado pelo Ministério da Economia, levando em conta as variantes de suspensão, ou redução da jornada de trabalho, que quando acordada individualmente deve respeitar os limites temporais de 25%, 50% ou 75% da carga horária total (Lei 14.020/20, art. 7º, III), e o valor do seguro-desemprego; podendo ser acumulado com a ajuda compensatória mensal paga pelas empresas que se enquadrarem nos requisitos do artigo 8º da supracitada legislação.

Em nota técnica da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (05/2020), o Ministério Público do Trabalho e a Procuradoria Geral do Trabalho manifestaram-se a favor da tomada de uma série de decisões pontuais a respeito da situação dos jovens que exercem programas de aprendizagem no atual cenário de crise sanitária, dentre elas a interrupção imediata das atividades práticas, e o afastamento de empregados adolescentes com idades de 16 a 18 anos, garantida em ambos os casos a percepção da remuneração integral, em respeito à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento e ao princípio da proteção integral.

Será ainda concedido aos aprendizes a estabilidade no que tange ao período de interrupção ou suspensão do contrato de trabalho acordado (Lei 14.020/20, art. 10, I e II), e posteriormente quando restabelecida a carga horária, em período equivalente. Em regra, não podendo o contrato de trabalho ser rescindido, sendo a exceção regulamentada pelo artigo 433 da CLT; tal como serem prorrogados os contratos que tiverem termo final durante o período de estabilidade.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Economia. Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil. Disponível em: <https://smartlabbr.org/trabalhoinfantil/localidade/3550308?dimensao=aprendizagem> Acesso em: 20 mar. 2021.

 

________. Ministério da Economia. Pedidos registram queda de 18,2% em agosto. Publicado em 10 set. 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/trabalho/setembro/pedidos-%20registram-queda-de-18-2-em-agosto> Acesso em  15 mar. 2020.

 

FISCHER, Rosa Maria. Estado, Mercado e Terceiro Setor: uma análise conceitual das parcerias intersetoriais. São Paulo: Revista de Administração da Universidade de São Paulo, vol. 40, núm. 1, enero-marzo, 2005.

 

Instituto Ethos, Organização Mundial do Trabalho e Ministério do Trabalho. Carta Compromisso: Rede de Empresas pela Aprendizagem e Erradicação do Trabalho Infantil. Disponível em: <https://www3.ethos.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Carta-compromisso-Rede-pela-Aprendizagem.pdf> Acesso em: 13 fev. 2021.

 

________. Ministério da Economia. Pedidos registram queda de 18,2% em agosto. Publicado em 10 set. 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/trabalho/setembro/pedidos-%20registram-queda-de-18-2-em-agosto> Acesso em  15 fev. 2021.

 

ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 11. ed. São Paulo, Saraiva Educação, 2019.

 

Rua Cincinato Braga, 37 - Bela Vista - São Paulo - SP  -  (11) 3346-6800  -   .


Copyright © 2017 - OAB ESA. Todos os direitos reservados | By HKL