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Combate à violência contra a mulher e contra a criança no mundo é urgente! Parte III (agravamento à violência contra crianças e adolescentes)

22/07/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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Novos desafios decorrentes do Covid-19:

Combate à violência contra a mulher e contra a criança no mundo é urgente! Parte III (agravamento à violência contra crianças e adolescentes)

 

Renata Miranda Lima[1]

Mayla Croce[2]

Stefani Miranda Lima[3]

Raissa Musarra[4]

Resumo: O artigo expõe dados gerais e brasileiros sobre o aumento da violência contra a mulher, criança e adolescente em virtude de confinamento imposto pela pandemia por Covid-19, expondo ações de combate ao enfrentamento destas violências e a necessidade de articulação institucional em busca da superação das vulnerabilidades e aumento da proteção social dos grupos abordados. Para tanto, utiliza-se do método analítico-dedutivo com técnica de pesquisa documental nacional e internacional e teórica.

Palavras-chave: Violência Doméstica; Violência de Gênero; Violência contra Crianças e Adolescentes; Confinamento por Covid-19.

 

É importante destacar que a violência contra a mulher é manifestada de diversas formas e em diferentes graus.

Dentre eles, destaca-se a discriminação de gênero no que tange ao trabalho. Segundo dados do IPEA de 2020, mulheres majoritariamente estão concentradas em atividades domésticas dentro dos seus próprios lares ou em trabalho doméstico. Como forma de ilustrar o exposto, segue tabela elaborada pelo IPEA.

Fonte: Ipea, 2020[5].

 

O quadro colacionado acima evidencia que mulheres correspondem a praticamente 90% do grupo de trabalhadores domésticos, por tais razões, este seguimento de trabalhadoras não poderia deixar de ser abordada na presente pesquisa em razão de ter uma concentração de mulheres em determinadas categorias de trabalhadores o que pode ser relevante analisar em contexto de pandemia. Contudo, conforme o estudo, além do perfil de gênero que recai na profissão doméstica, há um perfil racial que intersecciona essa profissão. A tabela abaixo corrobora essa categoria de trabalhadores é formada majoritariamente por pessoas negras e mulheres.

 

Fonte: PNAD apud IPEA, 2020[6].

Voltando a atenção ao aspecto jurídico que regula essas relações cumpre observar que a caracterização da empregada doméstica, segundo o Art. 1º Lei Complementar 150 de 01/06/2015 é de:

Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei.

Ainda no que tange aos Direitos Trabalhistas, destaca-se que este foi uma conquista de direito recente, dado que até 2013 a Constituição Federal assegurava somente 9 direitos às empregadas domésticas dentre os 34 direitos previstos no artigo 7º aos demais trabalhadores. Hoje, o retrato que se têm é que mesmo com a aprovação da Lei Complementar nº 150 de 2015, esse seguimento de trabalhadoras ainda enfrenta dificuldades para a concretização de tais direitos.

O exposto é corroborado por meio de dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao apontar que 70% da categoria não possui carteira de trabalho registrada, reunindo, assim, 5,7 milhões de mulheres que se encontram em situação vulnerável e desfavorável em relação a seus empregadores[7]A ausência de registro na carteira de trabalho acarreta consequências prejudiciais na vida destas mulheres, uma vez que tal informalidade não prevê direitos importantes como 13º salário, seguro desemprego, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e benefícios previdenciários.

Este cenário revela uma vulnerabilidade de direitos, dado que a maioria deste seguimento vive na informalidade é agravado especialmente durante a pandemia visto que sete em cada dez mulheres que exercem atividades domésticas perderam seu trabalho ou tiveram suas horas reduzidas em meio à quarentena[8]. Esta conjuntura conduz a um desencadeamento de problemáticas que aprofundam desigualdades sociais atingindo drasticamente as possibilidades econômicas de diversas trabalhadoras e mães que são responsáveis pelo cuidado e desenvolvimento de seus filhos.

A este respeito, observa-se que conforme pesquisa do IPEA, entre 1995 e 2009, houve um aumento de mais de 12 pontos percentuais na proporção de famílias chefiadas por mulheres. Segundo a pesquisa, de 1995 a 2009 houve um aumento de 22,9% para 35,2%. Este é um fenômeno preponderantemente urbano, visto que nas cidades, as famílias chefiadas por mulheres passaram de 24,8% para 37,8% dos casos, de 1995 a 2009 e foi na região Sudeste que ocorreu a mais maciça urbanização e, consequentemente, os estudos apontam que nesta região aconteceu o maior aumento absoluto do número de famílias chefiadas por mulheres para mais de 5 milhões. Contudo, os dados demonstram que o aumento na proporção de mulheres como chefes é maior nas famílias chefiadas por mulheres negras com percentual de 51,1%. Ainda é importante destacar que essas são as que tem menor renda se comparada com os demais seguimentos da sociedade. Segue gráficos para corroborar o exposto[9].

 

 

Fonte: IPEA, 2013[10].

 

Após analisado o perfil e o contexto destas trabalhadoras, lançando mão a uma analise mais ampla quanto à vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas não registradas, verifica-se duas vertentes importantes de serem mencionadas e que trazem prejuízos irreparáveis, sendo: (i) a dispensa em massa de trabalhadoras que iniciaram seu trabalho informal antes da pandemia e; (ii) permanência irregular de trabalhadoras durante a pandemia.

Nesta esteira, cumpre salientar que muitas mulheres que já trabalhavam em situação informal antes mesmo da pandemia foram surpreendidas com sua dispensa, seja porque seus patrões também perderam o emprego e, consequentemente, não puderam manter o trabalho doméstico delas, seja porque, diante da situação incerta na economia e com a diminuição na renda, os patrões tiveram que cortar e priorizar gastos.

Sem vínculos formais, estas trabalhadoras domésticas podem ser dispensadas mais facilmente pelo empregador, até mesmo porque referida dispensa não implica em custos trabalhistas, ou seja, as domésticas teriam prejuízos no tocante à proteção de seus direitos já que não estão amparadas pela legislação.

Sob a perspectiva na permanência de trabalhadoras domésticas durante a pandemia, pode-se destacar maior vulnerabilidade destas mulheres pelo fato de estarem propensas a receberem ameaças por parte de seus patrões, sendo orientadas por eles a continuarem com a informalidade, sob pena de perderem o trabalho que pode ser a única forma de sustento para a família.

Como consequência, além de sofrerem os efeitos negativos no tocante à ausência de registro em carteira, soma-se a esse grupo de domésticas que permanece na atividade informal o risco elevado de contraírem covid-19, haja vista que a maioria destas mulheres utiliza transporte público para se locomoverem até o local de trabalho.

Com o risco elevado de contraírem covid-19, também são elevados os riscos destas mulheres transmitirem o vírus aos seus patrões bem como colocar em risco seus familiares e suas crianças. Por fim, no que tange ao exposto, é importante observar que as vulnerabilidades que atingem as mulheres atingem também as suas crianças seja em razão das vulnerabilidade econômicas e da perda de rendimentos, seja em razão da ausência de assistência do Estado com o fechamento das escolas e creches.

A ausência de locais para cuidado das crianças com o fechamento das escolas em razão da pandemia para o seu prórpio cuidado conjugado com a ausência de política alternativa para a situação, exige que muitas mães, ao irem trabalhar, precisem deixar suas crianças em outras casas ou levar para o ambiente de trabalho. Nessas duas situações a criança é posta em risco, dado que ir para outro local, seja para o trabalho ou casa de familiares ou amigos, é uma situação de risco que pode, na pior das hipóteses, pôr em jogo seu direito à vida, diante das condições agravadas pelo Covi-19, como aconteceu com Miguel Otavio Santana da Silvia, menino de 5 anos que caiu do 9º andar de um prédio em que a mãe trabalhava como doméstica em Recife Pernambuco[11]. Nesse sentindo, as autoras entendem importante destacar que violências que atingem as mães também alcança as crianças, por isso proteger o responsável familiar é proteger uma célula familiar.

Por fim, atentando contra a mulher, a violência contra a criança tem oportunidades ampliadas diante do período de isolamento social, dado que, segundo o Ministério da Saúde, a maior parte das violências contra as crianças e adolescentes ocorrem nos espaços doméstico, familiar e escolar. Em tempos normais, é difícil impedir tais ações[12]. Contudo, no período de pandemia e anormalidade o que se tem é o a aumento da dificuldade de identificá-las e combatê-las.

 



[1] Advogada e Mestre em Direito, Pós-graduada em Direitos Humanos internacionais, pesquisadora na Escola Superior da Advocacia e especialista em negociação e conciliação.

[2] Advogada. Graduada em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo.

[3] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

[4] Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017-2021). Voluntária na Assistência Jurídica 22 de Agosto. Monitora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a supervisão do Professor Luiz Sérgio Fernandes de Souza e do Professor Silvio Luís Ferreira da Rocha. Integrante do Grupo de Diálogo Universidade - Cárcere - Comunidade (GDUCC) vinculado ao departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP. Atuou enquanto estagiária no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

[5] IPEA. ONU Mulheres. Vulnerabilidades das Trabalhadoras Domésticas no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, 2020, p, 17. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200609_nt_disoc_n_75.pdf>.

[6] IPEA. ONU Mulheres. Vulnerabilidades das Trabalhadoras Domésticas no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, 2020, p, 15. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200609_nt_disoc_n_75.pdf>.

[7] Vulnerabilidade de trabalhadoras domésticas aumenta na pandemia. 2020. Disponível em:

<https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-06/vulnerabilidade-de-trabalhadoras-domesticas-aumentam-na-pandemia>

[8] GLOBO. Empregadas domésticas, vítimas da pandemia na América Latina. 2020. Disponível em:

<https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/29/empregadas-domesticas-vitimas-da-pandemia-na-america-latina.ghtml>

[9] IPEA. Dossiê mulheres negras : retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil / organizadoras: Mariana Mazzini Marcondes ... [et al.].- Brasília : Ipea, 2013, p 25-26. Disponível em<https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/igualdade-racial/dossie-mulheres-negras-retrato-das-condicoes-de-vida-das-mulheres-negras-no-brasil>.

[10] IPEA. Dossiê mulheres negras : retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil / organizadoras: Mariana Mazzini Marcondes ... [et al.].- Brasília : Ipea, 2013, p 30. Disponível em<https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/igualdade-racial/dossie-mulheres-negras-retrato-das-condicoes-de-vida-das-mulheres-negras-no-brasil>.

[11] Globo.Caso Miguel: como foi a morte do menino que caiu do 9º andar de prédio no Recife

Disponível em: <https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-miguel-como-foi-a-morte-do-menino-que-caiu-do-9o-andar-de-predio-no-recife.ghtml>.

[12] BRASIL. Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde | Ministério da Saúde Volume 49 | Jun. 2018. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf.

 

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