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Como tornar a necessidade de uma rede de apoio pública, compatível com o perfil das famílias adotantes de crianças e adolescentes PNE, uma pauta de relevância política?

01/06/2020 - Fonte: FGV/SP

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Fundação Getulio Vargas

Escola de Direito de São Paulo

Camila Garcia

Helenna Prudente

Luana Miranda

Sarah Scarpim

 

Como tornar a necessidade de uma rede de apoio pública, compatível com o perfil das famílias adotantes de crianças e adolescentes PNE, uma pauta de relevância política?

Construindo Famílias - Revertendo os Desencontros da Adoção no Brasil

São Paulo

Propostas

 

A fim de incentivar e viabilizar a adoção de crianças e adolescentes com deficiência, o presente texto visa atribuir fomento político à necessidade de uma rede de apoio, que possa compatibilizar políticas públicas com o perfil das famílias interessadas em adotar esse grupo. Diante disso, apresentam-se as seguintes propostas:

  1. Assegurar ao adotado prioridade no acesso ao Atendimento Educacional Especializado - AEE, nos moldes do Decreto Municipal 57.379 de 2016. Deve-se haver comunicabilidade entre a Vara da Infância e da Juventude e os Centros de Educação Infantil - CEIs, as Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEIs e os Centros Municipais de Educação Infantil – CEMEIs, a fim de ocorrer concomitantemente a sentença constitutiva da adoção com a matrícula do adotado.
  2. Assegurar ao adotado prioridade no acesso à Educação Especial no Sistema Estadual de Ensino, em conformidade com a Resolução 149 de 2016 do Conselho Estadual de Educação - CEE: a) Diante de adoção de criança ou adolescente não mais compatível com a educação infantil, deve-se haver comunicabilidade entre a Vara da Infância e da Juventude e a Rede de Ensino Estadual, a fim de ocorrer concomitantemente a sentença constitutiva da adoção com a matrícula do adotado; b) Além disso, no caso do adotado ter sido, primeiramente, no momento da sentença, matriculado no AEE, é preciso também a comunicabilidade entre a Rede de Ensino Municipal e a Rede de Ensino Estadual, a fim de garantir que na transição do adotado entre tais redes o direito à educação especial seja mantido, por meio da prioridade na matrícula dessa criança ou adolescente. Portanto, é necessário que tal pauta esteja presente nas deliberações na Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, para ser conduzida ao nível estadual.
  3. Assegurar, quando necessário, prioridade ao adotado na concessão de órteses e próteses, em conformidade com a competência do gestor municipal e estadual em definir critérios para tal concessão, de acordo com o disposto na Portaria 116 de 1993 do Secretário de Assistência à Saúde, a fim de ocorrer logo após a sentença constitutiva da adoção, a concessão desses equipamentos.
  4. Assegurar prioridade do adotado no agendamento com o Núcleo Integrado de Reabilitação - NIR, dispensando o comparecimento da família à Unidade Básica de Saúde, de forma que o agendamento seja feito automaticamente a partir da sentença constitutiva da adoção. Portanto, é essencial a comunicação entre a Vara da Infância e da Juventude e os Núcleos.

Introdução

A porcentagem expressiva de pessoas com deficiência no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) já foi reconhecida como uma questão relevante pelo Poder Público em 2014, quando buscou-se minimizá-la pela via legislativa, apresentando propostas de mudanças normativas que visavam atribuir maior celeridade no trâmite da adoção. Uma das referidas propostas se materializou na Lei 12.955/2014, que insere previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no sentido de dar prioridade na tramitação de processos de adoção em que a criança ou adolescente que se pretende adotar estiver dentro do perfil de portadores de deficiência.

Contudo, como será demonstrado a seguir, tal medida mostrou-se ineficiente diante do fim que pretendia, principalmente porque a porcentagem de crianças e adolescentes com deficiência no Cadastro Nacional permanece expressiva. Entendendo que tal medida não basta para incentivar o processo de adoção, é preciso pensar em como o Poder Público auxilia: (i) as famílias já constituídas por pessoa com deficiência e; (ii) aquelas que, por meio da adoção, passam a ser constituídas por pessoa com deficiência e, mesmo com o auxílio existente, ficam desamparadas.

Com esse cenário apresentado, buscou-se encontrar, nas demais esferas de atuação governamental, instrumentos de suporte às pessoas com deficiência. O foco se deu no sentido de identificá-las, mesmo que não sejam políticas públicas voltadas à adoção ou a crianças e adolescentes especificamente. O que se pretendeu foi entender as fraquezas e lacunas de comunicabilidade entre os temas, a fim de adaptá-los e promover atendimento aos interesses do adotado deficiente e sua família, por meio da comunicabilidade da rede de apoio já existente, com maior eficiência.

O que se identificou foi que  a rede de apoio e suporte ao deficiente não considera as peculiaridades do deficiente adotado e sua família e, por esse motivo, não o contempla suficientemente. Considera-se que essa avaliação desmascara um elemento corroborador do grande número de crianças e adolescentes inseridas no Cadastro Nacional de Adoção e que permanecem nele: a ineficiência da rede de apoio e suporte existente.

Sugere-se, então, explicitar o diagnóstico feito e inseri-lo em ambiente onde terá seu devido fomento político, para que os entes competentes à resolução das problemáticas enunciadas proponham propostas concretas que contemplem suficientemente o deficiente adotado e sua família.

Diagnóstico

Esta pesquisa fez um levantamento de todos os auxílios fornecidos pelo Estado por meio da rede de apoio existente para suporte de pessoas com deficiência em geral, visando compreender se esta contemplava de maneira eficiente um grupo peculiar: pessoas com deficiência adotadas.

O que se observou é que essa rede de apoio se mostrou ineficiente no que concerne o suporte especializado necessário ao adotado com deficiência, pois seus pretendentes à adoção encaram dificuldades de vários viéses.

Analisando 380 inscritos no Cadastro Nacional de Adoção que aceitam adotar crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência, pesquisas concluíram que são, em geral, candidatos[1] com ensino médio completo e que recebem de ¼ a 5 salários mínimos mensalmente. Na contramão do esperado, então, são indivíduos cuja escolaridade é média e a realidade socioeconômica média/baixa, inclusive quando comparado aos demais inscritos no Cadastro, que apenas aceitam crianças e adolescentes fora deste perfil.

Pensando em um dos instrumentos de auxílio financeiro existentes, o Benefício de Prestação Continuada (BPC)[2], percebeu-se que os pretendentes à adoção de criança e/ou adolescente com deficiência pertencem à classe média brasileira. Isso significa que têm como renda mensal de ¼ até 5 salários mínimos, item este que materializa o principal obstáculo ao atendimento do interesse visado pelo BPC: vê-se afastado o direito a postular o benefício, por não se enquadrar no critério obrigatório de possuir renda familiar inferior a ¼ de salário mínimo. Logo, o BPC não traz resultados favoráveis, no recorte pensado.

Ao mesmo tempo, tem-se a isenção de IPI[3] que, para além de não ser um auxílio voltado à famílias em situação de extrema vulnerabilidade social, também, em geral, não atinge os adotados. Isso se deve ao mesmo fato de que a renda familiar de R$259,75 a R$5.195,00 nem sempre é compatível com a aquisição de produtos industrializados de alto valor, como carros - exemplo de produtos onde pode ser aplicado o IPI. Dessa maneira, tal isenção apresenta-se igualmente ineficiente no que tange ao suporte da adoção de pessoas com deficiência.

A pesquisa é, portanto, sintomática de uma peculiaridade do sistema de adoção brasileiro: as pessoas que adotam crianças e adolescentes com deficiência não são aquelas com altas rendas mensais, capazes de arcar integralmente com os tratamentos e adaptações que o adotado precisará, mas as que precisarão de apoio de uma rede pública bem estruturada para fazê-lo.

Observada a incompatibilidade do perfil das famílias adotantes de crianças e adolescentes com necessidades especiais e as medidas governamentais pertencentes a rede de apoio já citadas, torna-se necessário pensar em um novo formato para a rede de apoio, sistematizando-a.

O suporte que o Poder Público deveria fornecer ao adotado com deficiência deveria viabilizar ou, até mesmo, valorizar os pretendentes que se propõem a adotar uma criança ou adolescente com o perfil de deficiência. Como consequência indireta, seria vista redução na fila de espera do Cadastro.

A fim de fomentar a mudança e adaptação, há urgência em tornar esta rede de apoio pública uma pauta de relevância política. Este projeto surge com o objetivo de promover maior discussão do tema, de modo a fortalecer as iniciativas visando o atendimento às demandas dos adotados com deficiência e suas respectivas famílias.

Plano de fundo da proposta

Optou-se pelo caminho de fomento político representado pela V Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência[4], cujo terceiro eixo temático dialoga diretamente com o diagnóstico feito e já apresentado acima. O que se pretende, então, é apresentar a necessidade de pensar na garantia do acesso das pessoas com deficiência às políticas públicas aos agentes participantes da Conferência, para que juntamente deles, seja dada devida atenção ao tema, de maneira a desenvolvê-lo.

Logo, propõe-se que, por meio do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, se introduza ao debate da Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo a questão da efetivação de políticas públicas específicas para adotados com deficiência. É de extrema importância esclarecer que inicialmente introduzir o ponto em nível municipal é considerado o ponto de partida para o alcance do nível nacional.

A relevância da proposta de melhor efetivação dessas medidas tem enfoque nas pessoas com deficiência que residem no eixo do município de São Paulo, priorizando crianças e adolescentes com deficiência adotados, uma vez reconhecido seu estado de maior vulnerabilidade social. Ou seja, o projeto tem como cerne a tutela dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, bem como seus direitos de pertencerem a um núcleo familiar adaptado.

Diante disso, propõe-se que o município de São Paulo ofereça comunicabilidade entre os auxílios que promove à pessoa com deficiência, a fim de compor, de fato, uma rede de apoio interligada e conectada: os adotados devem ter prioridade na fila de acesso a tais políticas públicas, posto que compõem um grupo ainda mais vulnerável, como acima demonstrado, desde o momento que passam a integrar uma família.

O intuito é assegurar a esse grupo os direitos que toda pessoa com deficiência possui, em conformidade com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas também garantir às famílias e às crianças e adolescentes adotados o direito a ter uma família e ambiente adequado de desenvolvimento.

Considerações Finais

Por conseguinte, o presente projeto propõe ao Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo que introduza o debate acerca do adotado com deficiência à Conferência Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência em 2021. Assim, é necessário que se apresente as especificidades das crianças e adolescentes com deficiência no Cadastro Nacional de Adoção, visto que apresentam maior vulnerabilidade social, por necessitarem, para além da efetivação do direito a ter uma família, da efetivação do direito à inclusão social.

Sendo assim, vinculado ao eixo temático da Conferência para o próximo ano - acesso das pessoas com deficiência às políticas públicas - é preciso pensar em uma rede de apoio a esse grupo. Isso se dá por meio da comunicabilidade entre o Judiciário e diferentes atores responsáveis pela execução de políticas públicas já existentes.

A rede de apoio e suporte ao deficiente, atualmente, não considera as peculiaridades do deficiente adotado e sua família e, por esse motivo, não o contempla suficientemente. Considera-se que essa avaliação desmascara um elemento corroborador do grande número de crianças e adolescentes inseridas no Cadastro Nacional de Adoção e que permanecem nele: a ineficiência da rede de apoio e suporte existente.

A fim de assegurar a adoção de pessoas com deficiência, deve-se dar prioridade a esse grupo no acesso a tais políticas, para que a partir da constituição da adoção, as novas famílias possam contar com o suporte estatal devido.

 

Bibliografia

 

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[1] SILVA, Fabíola Helena Oliveira Brandão da; CAVALCANTE, Lília Iêda Chaves; DELL'AGLIO, Débora Dalbosco. Pretendentes à adoção de crianças no Brasil: um estudo documental. Rev. SPAGESP,  Ribeirão Preto ,  v. 17, n. 2, p. 67-80,   2016 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702016000200006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  14 abril  2020.

[2] Artigo 20 da Lei 8.742 de 1993.

[3] Artigo 1°, inciso IV, da Lei 8.989 de 1995.

[4] A quinta edição da conferência ocorreria neste ano, mas foi adiada para 2021 em virtude da pandemia de COVID-19.

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