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INCONSTITUCIONALIDADE DA INFRAÇÃO PENAL DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

17/03/2020 - Fonte: ESA OABSP

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INCONSTITUCIONALIDADE DA INFRAÇÃO PENAL DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

 

O tipo do art. 288, CP, com a redação formulada pela Lei 12.830/2013, tem o seguinte teor:

 

Associação Criminosa

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

 

Articula-se a tese da inconstitucionalidade do art. 288, CP – e o mesmo vale, por óbvio, no tocante à não recepção, pela Constituição Federal, do anterior tipo penal de quadrilha ou bando [art. 288 CP, na redação anterior à Lei 12.850/2013], que tinha a seguinte redação:

 

 

Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

 

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

 

É que o tipo penal do art. 288 CP, violenta, brutalmente, os arts. 1º, caput e III, 5º, I [Direito Penal do Fato[1]], XXXV e 98, I, CF[2]. Isso ocorre porque a realização do tipo e a violação da respectiva norma não lesiona [de forma insuportável] – e sequer há qualquer ameaça de lesão – qualquer bem jurídico essencial [bem jurídico conceituado como a relação de disponibilidade existente entre o seu titular e um determinado ente].

 

Extrai-se, por conseguinte, dos arts. 1º, caput e III, 5º, I [Direito Penal do Fato], XXXV e 98, I, CF, a conclusão, lógica, racional e inafastável, de que a consumação da infração penal de que trata o art. 288, CP, requer, necessita e [sobretudo] exige, expressamente, a existência de lesão, intolerável, claro, ou de, ao menos, ameaça de lesão a um bem jurídico relevante. O que, contudo, nem de longe acontece, na hipótese, ora sob investigação dogmática. Nesse sentido, Paulo César Busato[3], para quem:

 

A intervenção do Direito penal na vida social é sempre violenta e carregada de efeitos indesejáveis, de onde vem seu caráter fragmentário. O Direito penal deve intervir somente quando a convivência se torna insuportável sem que ele o faça. E isso ocorre quando o cidadão vê os bens jurídicos essenciais para sua sobrevivência e desenvolvimento pessoal serem atacados por alguém.

 

Entretanto, é necessário enfrentar outra oposição que se costuma fazer à ideia de proteção de bens jurídicos: o fato incontestável de que, na realidade, a proteção de bens jurídicos pelo Direito penal não ocorre. Cada novo fato criminoso demonstra isso. O Direito oferece uma proteção meramente simbólica e não efetiva. Nunca é demais lembrar que a intervenção jurídica na vida das pessoas, em um verdadeiro Estado democrático, não pode pressupor uma antecipação, ou seja, uma intervenção que se adiante à realização do fato criminoso. Sendo assim, se a intervenção baseada no direito só se dá ex post, não é possível pensar que o direito em geral – e o Direito penal, em particular – ofereça alguma proteção real. O máximo que o Direito penal pode oferecer no campo ontológico – e, nisso, é forçoso coincidir com Welzel – é uma orientação das consciências internas das pessoas, ainda assim, em um sentido de mera expectativa.

 

Assim, sem lesão gravíssima ou ameaça de lesão a qualquer bem jurídico fundamental [ou, se se preferir, sem a existência de afetação, ou ameaça de afetação, da relação de disponibilidade que existe entre o titular do bem jurídico e um determinado ente], não há que se falar na existência, no caso concreto, de tipicidade objetivo conglobante[4]; e sem tipicidade objetivo conglobante, que, no Direto Penal do Fato [art. 5º, I, CF], elege a ofensividade, não há – não é demasiado repetir –, infração penal.

 

Basta investigar dogmaticamente – tal e como ora se o faz –, esse tipo penal para constatar-se a mais absoluta inconstitucionalidade da descrição legal da infração penal da associação criminosa.

 

O tipo do artigo 288, CP – e o parêntesis, aqui, é significativo –, ademais, tem o elemento subjetivo hipertrofiado, relativamente ao tipo objetivo. Isso quer dizer que o aspecto subjetivo do tipo tem uma estrutura assimétrica, abarcando, assim, não apenas o dolo, mas, também, outros elementos dele distintos [os elementos de tendência transcendente, ou seja, o “para o fim específico de”]. O que tem de ser narrado, descrito e individualizado, na denúncia, pelo MP, sob pena de inépcia incontornável[5]. Isso porque o dolo, tanto o geral como o especial, integra o tipo penal[6]. Não há infração penal sem dolo [ou conduta dolosa se se preferir][7], que, por óbvio, não se presume; nem consumação, tampouco – é desnecessário dizê-lo –, infração penal. O fato, por conseguinte, é atípico – e cuida-se de atipicidade que berra, ante a racionalidade inerente ao postulado republicano.

 

Suponha-se, exemplificativamente – voltando, agora, ao ponto central desta investigação –, que quatro pessoas, conhecidas, estão numa cafeteria, à noite, e resolvem “associarem-se para o fim de cometer crimes” de estelionato. No dia seguinte, porém, ao acordarem, no caminho para o trabalho, lembram do ocorrido e passam a rir, dizendo que, na realidade, tudo não passou de uma brincadeira entre amigos e nenhum dos “agentes” executará o “plano delituoso”. O que vale por dizer que ninguém logrará ninguém, não haverá vantagem ilícita, nem prejuízo alheio, nem ardil, nada, absolutamente nada. Donde a pergunta: essa ‘brincadeira” ofendeu, de maneira inaceitável, ou ameaçou ofender algum bem jurídico, relevante ou não? É de intuitiva obviedade que não! Irrompe, daí, decerto, a inconstitucionalidade do tipo do art. 288, CP, por violação direta, frontal, deliberada e ostensiva dos arts. 1º, caput e III, 5º, I, XXXV e 98, I, CF. Dado que os atos preparatórios estão fora da tipicidade proibitiva, como adverte Zaffaroni[8], ao mencionar, expressamente, a propósito do tema ora em análise, a inconstitucionalidade da “associação ilícita” - figura delituosa também prevista no Código Penal argentino[9]. O eminente doutrinador[10], adverte, todavia, que a infração penal da associação ilícita pode, porém, e em tese, adiantar a tipicidade dos atos preparatórios – ou “a proibição da associação ilícita como delito”, se se preferir –, tão somente nas hipóteses de gravidade extremada, como no “genocídio[11] ou no de “crime de destruição massiva indiscriminada”[12]. O que, em princípio, então, pode revelar o uso do método da interpretação conforme a Constituição sem redução de texto.

 

Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York



[3][Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1, Atlas. Edição do Kindle, 2019, Tópico “1.3.2.4 A missão de controle social do intolerável”, Pos. 1442 de 2974, negritos aditados].

[4][Eugênio Raul Zaffaroni, “Estructura básica del derecho penal., Bs_Ais, Ediar; vide, também, no ponto, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Piarangeli, “Manual de Direito Penal Brasileiro”, Parte Geral, Editora Revista dos Tribunais, 2019].

[5][CPP Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas].

[6][Art. 20, caput, CP].

[7][Art. 18, CP].

[8][Eugênio Raul Zaffaroni, “Estructura básica del derecho penal., Bs_Ais, Ediar; vide, também, no ponto, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Piarangeli, “Manual de Direito Penal Brasileiro”, Parte Geral, Editora Revista dos Tribunais, 2019].

[9][LEY 11.179 (T.O. 1984 actualizado), http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16546/texact.htm#20].

ARTICULO 210. Será reprimido con prisión o reclusión de tres a diez años, el que tomare parte en una asociación o banda de tres o más personas destinada a cometer delitos por el solo hecho de ser miembro de la asociación. Para los jefes u organizadores de la asociación el mínimo de la pena será de cinco años de prisión o reclusión.

[10][Eugênio Raul Zaffaroni, “Estructura básica del derecho penal., Bs_Ais, Ediar; vide, também, no ponto, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Piarangeli, “Manual de Direito Penal Brasileiro”, Parte Geral, Editora Revista dos Tribunais, 2019].

[11][Arts. 6º e 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, promulgado pelo Decreto 4.388/2002].

Artigo 6o

Crime de Genocídio

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

a) Homicídio de membros do grupo;

b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;

d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;

e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Artigo 7o

Crimes contra a Humanidade

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

a) Homicídio;

b) Extermínio;

c) Escravidão;

d) Deportação ou transferência forçada de uma população;

e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;

f) Tortura;

g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;

h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;

i) Desaparecimento forçado de pessoas;

j) Crime de apartheid;

k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

2. Para efeitos do parágrafo 1o:

a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;

b) O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população;

c) Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e criad) Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional;

e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;

f) Por "gravidez à força" entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez;

g) Por "perseguição'' entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa;

h) Por "crime de apartheid" entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1°, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime;

i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

3. Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo "gênero" abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado.

[12][Eugênio Raul Zaffaroni, “Estructura básica del derecho penal., Bs_Ais, Ediar; vide, também, no ponto, Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Piarangeli, “Manual de Direito Penal Brasileiro”, Parte Geral, Editora Revista dos Tribunais, 2019].

 

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