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INCONSTITUCIONALIDADE DO NOVO ART. 492, I, e, CPP [1].

11/02/2020 - Fonte: ESA OAB SP

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O Pleno do STF, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 43, 44 e 54, declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade do art. 283 do CPP [2], que tem a seguinte redação:

 

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

 

A Lei 13.964/2019, contudo, no seu art. 2º, determina que:

 

Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: 

 

“Art. 492. […]

 

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos. [Sem o grifo no original]

 

Decerto, o art. 2º da Lei 13.964/2019, ao estabelecer, no procedimento especial e escalonado do tribunal do júri, ‘no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, a execução provisória das penas, violou abertamente o art. 5º, LVII, CF, que estabelece:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 

 

A isso se soma, ademais, que, o art. 2º da Lei 13.964/2019, ao determinar, no procedimento especial e escalonado do tribunal do júri, ‘no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, a execução provisória das penas, cometeu fraude, evidente, à jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal, que, como antes já mencionado, assentou a necessidade da existência do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para o início da execução penal.

Não há necessidade de muito esforço interpretativo para chegar-se à conclusão de que o Poder Legislativo, no ponto, ao driblar a decisão da Suprema Corte, mediante burla chapada, contrariou os arts. 1°, caput e 2º, CF, reveladores de que:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] 

 

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 

 

Essa contrariedade surge à medida que, por meio de óbvio e incontornável logro, os senhores legisladorescassaram, em parte, a decisão plenária, do STF, ao veicularem, mediante lei ordinária, norma com conteúdo temático próprio e específico idêntico à glosada pelo Poder Judiciário, quando dos julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 43, 44 e 54. É manifesta, assim, a violência aos postulados do Estado Democrático de Direito e da separação dos poderes da União. Nesse sentido:

 

CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REVOGAÇÃO DA NORMA OBJETO DA AÇÃO DIRETA. COMUNICAÇÃO APÓS O JULGAMENTO DO MÉRITO. DESPROVIMENTO. 

 

1. Há jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal no sentido de que a revogação da norma cuja constitucionalidade é questionada por meio de ação direta enseja a perda superveniente do objeto da ação. Nesse sentido: ADI 709, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ, 20.05.1994; ADI 1442, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 29.04.2005; ADI 4620-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje, 01.08.2012.

 

2. Excepcionam-se desse entendimento os casos em que há indícios de fraude à jurisdição da Corte, como, a título de ilustração, quando a norma é revogada com o propósito de evitar a declaração da sua inconstitucionalidade. Nessa linha: ADI 3306, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe, 07.06.2011.

 

3. Excepcionam-se, ainda, as ações diretas que tenham por objeto leis de eficácia temporária, quando: (i) houve impugnação em tempo adequado, (ii) a ação foi incluída em pauta e (iii) seu julgamento foi iniciado antes do exaurimento da eficácia. Nesse sentido: ADI 5287, Rel. Min. Luiz Fux, Dje, 12.09.2016; ADI 4.426, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje, 17.05.2011; ADI 3.146/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ, 19.12.2006.

 

4. Com maior razão, a prejudicialidade da ação direta também deve ser afastada nas ações cujo mérito já foi decidido, em especial se a revogação da lei só veio a ser arguida posteriormente, em sede de embargos de declaração. Nessa última hipótese, é preciso não apenas impossibilitar a fraude à jurisdição da Corte e minimizar os ônus decorrentes da demora na prestação da tutela jurisdicional, mas igualmente preservar o trabalho já efetuado pelo Tribunal, bem como evitar que a constatação da efetiva violação à ordem constitucional se torne inócua.

 

5. Embargos de declaração desprovidos. [STF/ADI 951/ED/SC, grifos aditados]

 

Nem se alegue que a decisão do STF não tratou especificamente da execução penal oriunda do procedimento do tribunal do júri. Isso, à evidência, não era necessário. Primeiro, porque o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal não faz qualquer distinção entre procedimentos comum, especial, sumário ou sumaríssimo. Daí a incidência do velho e aturado brocardo segundo o qual onde a lei não distingue não cabe ao intértprete distinguir. Segundo, dado que foi o próprio legislador constituinte quem resolveu alargar os direitos fundamentais, perante o julgamento realizado pelo tribunal do júri, ao indicar, expressamente, por exemplo, dentre outros, o postulado da plenitude – e não apenas o da ampla – defesa [arts. 5º, XXXVIII, a, LV e 60, § 4º, IV, CF]. Plenitude da defesa significa, em linguagem simplista, o uso de todos os tipos de argumentos, incluindo àqueles não jurídicos.

 

O direito fundamental à soberania dos veredictos, inerente à instituição do júri – que, vale insistir, não exclui a necessidade da existência do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para o início da execução penal –, é, finalmente, tal e como acontece com o postulado da plenitude da defesa, elemento neutro – porque processualmente anterior, art. 593, III, d, § 3º, CPP [3] –, no tocante à presunção de inocência. O que vale por dizer, ao contrário do que positivado e alardeado, que somam-se – ao invés de se excluírem reciprocamente –, os direitos fundamentais, no que considerada a instituição do júri, à plenitude da defesa, à soberania dos veredictos e à presunção de inocência, nessa ordem.

 

Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York 

 

[1] https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/inconstitucionalidade-da-pec-da-prisao-em-segunda-instancia-direito-penal-e-criminologia/.

 

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/advogados-vao-a-justica-para-barrar-pec-inconstitucional-e-pervertida-de-prisao-em-2a-instancia/

 

[2] https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/stf-derruba-prisao-apos-2a-instancia-e-abre-caminho-para-a-soltura-de-lula/.

 

[3] Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:               

 

III –  das decisões do Tribunal do Júri, quando:

 

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.


§ 3o Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.           

 

 

 

Por Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York

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