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O dia que a Justiça brigou com a Saúde

22/06/2022 - Fonte: ESA/OABSP

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O dia que a Justiça brigou com a Saúde

Fernando de Albuquerque Flórido[1]

 

No último dia 08 de junho, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1886929-SP entendeu ser taxativo o rol de procedimentos editado pela Agência Nacional de Saúde, definindo - consequentemente - a abrangência da cobertura contratual a ser conferida pelas operadoras de planos de saúde aos exames, procedimentos e tratamentos de seus beneficiários.

 

Para entendermos os impactos desse julgamento, tendo em vista que - segundo dados do IBGE (Pesquisa Nacional de Saúde – 2019) - mais de 50 milhões de brasileiros pagam planos de saúde - se faz necessário analisar os aspectos jurídicos relevantes do caso levado à Brasília. O pano de fundo do julgamento era o inconformismo de um morador de Campinas/SP, portador de esquizofrenia paranoide, que teve seu tratamento médico prescrito pela especialista que o acompanhava negado pela operadora de plano de saúde, sob o argumento de não haver previsão no rol da ANS.

 

Diante disso, bateu às portas do Judiciário para obrigar o plano a cobrir os procedimentos e a indenizá-lo pela injusta negativa. A decisão do juiz de primeiro grau determinou que a operadora prestasse a devida cobertura, tendo o Tribunal de Justiça de São Paulo ratificado - integralmente - o julgado. Por sua vez, a operadora recorreu ao STJ (através de Recurso Especial), novamente sustentando a ausência de previsão no elenco de procedimentos da autarquia federal e a possibilidade de se limitar os direitos do consumidor.

 

Mas aí surge a pergunta: como se chegou à discussão propriamente dita acerca da natureza da listagem das coberturas obrigatórias? Pois bem. A operadora do plano de saúde verificou, no caso, que as Turmas do STJ “discordavam” entre si acerca desse ponto e ingressou com mais um recurso, a fim de buscar a uniformização desse entendimento pelo Tribunal Superior. E deu no que deu.

 

Por maioria de votos (6x3), a Segunda Seção de Direito Privado do Tribunal da Cidadania atestou o caráter taxativo do rol de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. Na prática, o que muda para os brasileiros? Os planos de saúde estão obrigados a cobrir apenas os eventos médicos listados no rol da ANS, só podendo ser obrigados a cobrir aquilo que excede a lista, quando os beneficiários comprovarem que não há no referido elenco outro tratamento que atenda a situação médica específica.

O entendimento anterior (rol exemplificativo) era no sentido de que, havendo indicação de determinado tratamento pelo médico, o plano deveria cobri-lo, sendo abusiva eventual negativa de cobertura fundada na ausência de previsão no rol da agência. A decisão representa, por óbvio, verdadeiro retrocesso: seja por convalidar o abuso de poder econômico das operadoras, dada a limitação da cobertura contratada pelo consumidor, bem como por – (in)conscientemente – provocar a sobrecarga do sistema público de saúde, uma vez que, não encontrando guarida de tratamento em plano que paga, o consumidor buscará a terapia junto ao Estado.

 

Me pergunto: como ficarão as crianças autistas, no contexto da terapia ABA, tratamento este não previsto no rol da ANS? Ou, ainda, aos pacientes acamados, que necessitam de serviço de atenção domiciliar (home care), também sem previsão normativa? E mais: aqueles que necessitam de cirurgia, através de método robótico, não poderão mais operar, já que a ANS considera referido procedimento como experimental na massiva parte dos casos?

 

Nossa revolta encontra diminuta esperança no fato de que a decisão não vincula os demais juízes e tribunais, bem como que tramita uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal que pode derrubar, enfim, este trágico entendimento.

 


[1] Advogado com atuação na esfera litigiosa do Direito Privado, mais precisamente nas áreas de Contencioso Cível e Consumidor. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário Dom Bosco e pós-graduando em Advocacia Cível pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Autor de artigos e obras jurídicas. Diretor da Associação dos Advogados de Santos/SP e membro do Instituto Pro Bono Brasil. Membro das Comissões do Jovem Advogado e de Direito Bancário da Oab Subseção Santos/SP.

 

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