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Reflexões para o Tratamento Legal de Emergências Socioambientais

10/02/2021 - Fonte: ESA/OABSP

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Reflexões para o Tratamento Legal de Emergências Socioambientais

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]

Resumo: Este artigo expõe reflexões para o tratamento legal de emergências socioambientais no Brasil tomando como pano de fundo o gerenciamento de riscos ambientais e os necessários avanços em termos de compensação ambiental e deslocamento de seres humanos. O método de pesquisa utilizado para a elaboração do trabalho é o analítico-dedutivo, com técnicas de pesquisa documental e bibliográfica.

Palavras-chave: Emergências Socioambientais; Impactos ambientais; Danos Ambientais.

Há quase 30 anos o professor Luis Enrique Sánchez (1993) já apontava que o futuro (ao que chamaremos de hoje), exigiria algum tipo de garantia financeira de que os trabalhos de recuperação socioambiental fossem efetiva e eficientemente executados, como depósitos bancários, seguros ou indisponibilidade de ativos das empresas potencialmente poluidoras/degradadoras em operações industriais, posto que as mesmas comportam riscos de vazamentos, explosões, liberação acidental de poluentes, insumos ou produtos, e riscos ambientais difusos à saúde humana ou à integralidade dos ecossistemas (SANCHEZ, 1993).

Assim, desde o século passado não é novidade que a ocorrência de riscos ambientais difusos exige que passemos do controle da poluição ao gerenciamento dos impactos ambientais e sociais, que requer a cooperação de especialistas e conhecimentos de ciências biológicas e sociais e competências interdisciplinares de gerenciamento (SANCHEZ, 1993). Contudo, poucos avanços foram realizados nestes quesitos em termos legais e na conjugação de conhecimentos de ciências humanas e sociais aplicadas no Brasil.

Empresarialmente, é clássica a distinção entre gerenciamentos preventivos (como a avaliação de impacto ambiental) ou corretivos (como a remediação), sendo que, em grande parte das vezes, ambos devam ser aplicados conjuntamente (SANCHEZ, 1993), figurando, os programas de medidas emergenciais, entre mecanismos de ação para emergências ambientais como acidentes industriais e vazamento de produtos e insumos dentro e fora do sítio industrial. Já em 1993, Sánchez apontava que tais programas poderiam incluir: Análise de risco; Due Diligence; auditoria ambiental, monitoramento ambiental, estudo de medidas preventivas; programa de intervenção em caso de ocorrência de acidentes; remediação e recuperação ambiental; programa de comunicação, interno e externo e programa de treinamento em prevenção de riscos e medidas emergenciais.

Além disso, eram conhecidas boas práticas como a incorporação dos seguintes princípios: enquadramento em toda a legislação; autocontrole em caso de ausência de legislação; monitoramento - e automonitoramento; pesquisa com o objetivo de expandir o conhecimento científico do impacto da indústria sobre o meio ambiente, das relações entre meio ambiente e economia e de tecnologias de tratamento), leit futuras (instituição de leis desenvolvidas com a participação proativa das companhias); e comunicações e entendimento com os governos, empregados e com o público (MAC, 1990; SANCHEZ, 1993). 

Em 2015, Sánchez atualiza os parâmetros para previsão de risco e atendimento a emergências. Destacando dois conjuntos de medidas especificamente voltadas para a gestão de riscos podem fazer parte do plano de gestão ambiental: o plano de gerenciamento de riscos e o plano de atendimento a emergências. Assim, assinala que a preparação para atendimento a emergências é item obrigatório de sistemas de gestão ambiental que sigam as diretrizes da norma ISO 14.001 e para as empresas que adota, o programa Atuação Responsável da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), independente de obrigações legais (SANCHEZ, 2015). A Cetesb, por exemplo, determina a necessidade de planos de atendimento a emergências em situações como licenciamento de empreendimentos sujeitos à apresentação de análise de risco ou planos de gerenciamento de riscos, e também para rodovias, que incluem:

- uma descrição dos cenários ou hipóteses acidentais considerados

- as ações de resposta às situações emergenciais compatíveis com os cenários acidentais considerados, incluindo os procedimentos de avaliação da situação, a atuação emergencial (combate a incêndios, isolamento, evacuação, contenção de vazamentos, etc.) e ações de recuperação de áreas afetadas

- a descrição dos recursos materiais e humanos disponíveis, e os programas de treinamento e capacitação.

Segundo Sánches (2015) a capacitação dos recursos humanos é um dos requisitos mais importantes para o sucesso dos planos de emergência, e, ainda, o gerenciamento de riscos ambientas precisa envolver a comunidade.

O envolvimento da comunidade é objeto de programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), chamado APELL (Awareness ans Preparedness for Emergencies at Local Level), “para reunir as pessoas a fim de possibilitar uma comunicação efetiva sobre riscos e respostas emergenciais” e reduzir riscos, melhorar a eficácia de resposta a acidentes e permitir uma reação apropriada das pessoas comuns durante emergências (UNEP, 2001), podendo ser necessária a colaboração dos governos locais e das comunidades potencialmente afetadas.

As medidas compensatórias existem para danos que não possam ser mitigados de modo aceitável. A razão de ser da compensação não deve ser a monetária, mas a compensação “em espécie”, resguardadas as proporções entre as dimensões do meio ambiente afetadas (do trabalho, artificial, natural e cultural). Este princípio na compensação ecológica é chamado de “princípio das condições equivalentes”. Outros princípios a serem respeitados na compensação ecológica são:

- equivalência entre o habitat afetado e o tipo de compensação (like for like)

- proporcionalidade entre o dano causado e a compensação exigida, que deve ser, no mínimo, equivalente (no net loss) e, de preferência, superior (net gain)

- preferência por medidas compensatórias que representem a reposição ou a substituição das funções ou dos componentes ambientais afetados (conexão funcional)

- preferência por medidas que possam ser implementadas em área contígua à área afetada ou, alternativamente, na mesma bacia hidrográfica (conexão espacial)

 

A compensação é, portanto, uma substituição de um bem perdido, alterado, ou descaracterizado, por outro, entendido como equivalente, que não pode ser confundida com indenização, já que, juridicamente, bens ambientais e culturais são indisponíveis.

Contudo, no Brasil é exigida apenas a “compensação ambiental” diretamente ligada à Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e obrigatória pela Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal n. 9985 de 2000), que, diz:

Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim como considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA –, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral [...].

Resta a conclusão da insuficiência da medida prevista legalmente, já que o grupo de proteção integral inclui tipos de unidade em que não haja moradia ou atividade humana relevante, deixando à esmo as comunidades atingidas, e os princípios de compensação ecológica aqui expostos.

A lei prevê o percentual mínimo de 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento a ser aplicado nessas unidades de conservação, cabendo ao órgão licenciador eventualmente estabelecer percentual maior “de acordo com o grau de impacto ambiental causado”. Havendo precedente no Supremo Tribunal Federal quanto à fixação proporcional ao impacto do projeto.

Neste tipo de compensação previsto em nossa lei, não há conexão funcional entre o impacto negativo a ser causado e o resultado esperado da compensação, não sendo, portanto, mecanismo de reposição, de substituição ou de indenização de funções ou componentes ambientalmente previstos (SANCHEZ, 2015).

Frente à necessidade do deslocamento de pessoas, há que se dedicar especial atenção ao programa de reassentamento da população. A boa prática é realizar, antes da transferência de populações, durante a mudança e durante alguns anos depois de efetivada a transferência para os novos locais, um trabalho cuidadoso, que inclua as seguintes diretrizes para as populações afetadas (de acordo com Operational Policy 4.12, “Involuntary Resettlement”, Banco Mundial, dezembro de 2001):

- ser informadas de seus direitos e opções de reassentamento

- ser consultadas, poder escolher entre opções técnica e economicamente viáveis de reassentamento

- receber compensação imediata e efetiva mensurada pelo custo total de reposição de benfeitorias perdidas

 

O Banco Mundial recomenda que um plano de reassentamento inclua: - assistência durante a recolocação; assistência durante um período de transição suficiente para a restauração do padrão de vida das populações afetadas; assistência como preparação da terra, crédito, treinamento ou oportunidades de trabalho. Devendo tanto a população afetada quanto a anfitriã: dispor de um padrão de vida, acesso à terra, aos recursos naturais e aos serviços pelo menos equivalentes aos níveis anteriores ao reassentamento; recuperar-se de todas as perdas causadas pelo processo de transição para a nova situação; sofrer perturbação tão limitada quanto possível de suas redes sociais, oportunidades de emprego e produção, e acesso aos recursos naturais e instalações públicas; acesso a oportunidades de desenvolvimento econômico e social.

Um padrão específico a ser seguido pode ser o Padrão de Desempenho 5 da IFC – Aquisição de Terras e Reassentamento Involuntário -, aplicável quando há desapropriações com base legal e quando empresas privadas adquirem, a preços de mercado ou negociados, propriedades e direitos de uso para implantação de projetos.

Um paradigma cultural deve ser estabelecido, provendo, além de condições de infraestrutura e serviços, saneamento, arrumamentos, iluminação pública, escolas, hospitais – na área de reassentamento, mas, também, a preservação das formas de produção e consumo cultural próprias às comunidades afetadas, com inventário prévio da cultura material e imaterial, para criação de condições para que as comunidades continuem a existir, mediante discussão e negociação. Em populações rurais, devem ser garantidas, ainda, condições às pessoas para que contundem a viver da terra, de modo que a fertilidade dos solos, a disponibilidade hídrica, a infraestrutura para escoamento da produção e o acesso ao crédito e a serviços de extensão rural (SANCHEZ, 2015).

Apesar de comumente disseminada a ideia de que a legislação brasileira seja criteriosa em termos de exigências ambientais, ainda hoje inexistem exigências em termos de garantias financeiras para recuperação socioambiental adequada, e, em casos de compensação, como visto, não há conexão funcional entre o impacto negativo a ser causado e o resultado esperado da compensação. Assim, há que se avançar em termos de previsão legal condizente e tratamento interdisciplinar para previsão de risco e atendimento a emergências, especialmente quando incluam necessário deslocamento de seres humanos.

 

Referências

MINING ASOCIATION OF CANADA- MAC, Guide for enviromnental practice. Ottawa, CMA, 1990.

SANCHEZ, Luis Enrique. Gerenciamento Ambiental e a Indústria da Mineração. Revista de Administração, v. 24. 1994.

SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação Ambiental: conceitos e métodos. Oficina de Textos, São Paulo, 2ª edição, 2015.

WORLD Bank. Operational Policy 4.12, “Involuntary Resettlement”, 2001.

 


[1] Advogada, Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

 

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