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Preventiva e pena antecipada

18/01/2021 - Fonte: ESA/OABSP

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PREVENTIVA E PENA ANTECIPADA

 

Alexandre Langaro

 

                   Os presos preventivos – e segundo dados do CNJ de julho de 2019, 41,5% dos presos no país não têm condenação, ou seja, encontram-se na situação de prisão provisória[1] –, cumprem, bem se sabe, sob o ângulo das Teorias Criminais Sociológicas e inclusive da Sociologia Criminal de [David] Émile Durkheim[2] penas antecipadas. Apesar, insista-se, de ainda não condenados; o que é vedado expressamente pelo CPP, no art. 313:

 

§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.

 

                   A ‘preventiva’, ôntica e sociologicamente, bem se sabe, é pena antecipada. A legislação processual, mediante drible hermenêutico, contudo, menciona uma suposta cautelaridade, que seria inerente à prisão provisória – gênero que tem a preventiva como espécie. Ocorre que inexiste, por óbvio, essa imaginada cautelaridade – retórica rococó?! – a que se refere o ato judicial que manda prender um investigado. Basta atentar que, no cível, exige-se contra-cautela [patrimonial] para a execução da medida cautelar; contra-cautela que não existe, todavia, por absoluta impossibilidade do seu objeto, no campo processual penal – porque não se pode restituir ao investigado [ou processado], caso venha a ser absolvido, no final do processo, o tempo de pena cumprido antecipadamente. Essa suposta natureza cautelar ou processual da preventiva a rigor não passa de uma tentativa – dissimulada ou não – de legitimar, de validar e de tornar eficaz juridicamente o cumprimento antecipado do castigo. A pá de cal, no ponto, vem do art. 42, CP:

Detração

 

Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior[3].

 

                   A pena cumprida antecipadamente, em tempos de pandemia da Covid-19, decerto pode converter-se em pena de morte!           

                  

                   Eugênio Raul Zaffaroni[4], citando a Organização Mundial da Saúde, adverte que a possibilidade da contaminação dos presos ou de qualquer pessoa internada nas denominadas ‘instituições totais[5]’ é de oito a dez vezes maior do que àqueles que vivem em liberdade.

 

                   No Amazonas, por exemplo, que vive um caos humanitário e sanitário, com pessoas morrendo por falta de ar dada a inexistência de oxigênio [cilindros][6], a superlotação e a superpopulação carcerárias do Estado beira à irracionalidade genocida. Conforme consulta realizada nesta data no site ambitojuridico.com.br, consta que ‘dentre os estados com as maiores taxas de ocupação, está o Amazonas, apresentando o maior percentual, de 483,9% (cerca de 5 detentos por vaga)’[7]. Isso significa que, no lugar onde teria de ser ocupado por uma pessoa, há cinco presos – algo parecido, nessa situação, com um campo de concentração ou de extermínio[8]. De acordo, contudo, com as Regras de Mandela, ONU, extrai-se o seguinte:

 

Alojamento

 

Regra 12

 

1. As celas ou locais destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário que a administração prisional central adote exceções a esta regra deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local.

 

                   Importa acrescentar além disso que segundo o Conselho da Europa, conforme destacado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos [CIDH], na Resolução da CIDH sobre o caso do ‘Complexo Penitenciário de Curado’, Recife, Brasil, 28/11/2018:

 

81. “A Corte verifica que essas pessoas sofrem as consequências de uma superpopulação com densidade que ultrapassa os 200%, quando os critérios internacionais – como o do Conselho da Europa – salientam que ultrapassar 120% implica superpopulação crítica”.

 

                   Essa orientação emanada da CIDH foi adotada – vale lembrar – antes da pandemia.

 

                   Desse modo, aos presos ‘preventivos’ que, em tese, claríssimo, teriam cometido crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, assiste o direito[9], analisados caso a caso de acordo com suas particularidades concretas e específicas, de cumprir a preventiva em seus respectivos domicílios[10]. Assim, a Recomendação 62/2020, CNJ, estabelece que:

 

Art. 1º Recomendar aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo.

 

Parágrafo único. As recomendações têm como finalidades específicas:

I – a proteção da vida e da saúde das pessoas privadas de liberdade, dos magistrados, e de todos os servidores e agentes públicos que integram o sistema de justiça penal, prisional e socioeducativo, sobretudo daqueles que integram o grupo de risco, tais como idosos, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções.

 

II – redução dos fatores de propagação do vírus, pela adoção de medidas sanitárias, redução de aglomerações nas unidades judiciárias, prisionais e socioeducativas, e restrição às interações físicas na realização de atos processuais.[11]

 

Art. 5º Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:

 

I – concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, nos termos das diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em relação às:

 

b) pessoas presas em estabelecimentos penais com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão de sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus.

 

Alexandre Langaro

Advogado criminal

Autor de livros e artigos jurídicos

Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova Iorque

 

        

 

 



[1][‘Prisão Provisória e crime de tráfico de drogas
Teixeira diz que, dentre as decisões de conversão de prisões provisórias em medidas cautelares que tomou, cerca de 70% dos casos referiam-se a prisões por crime de tráfico. Segundo dados do CNJ de julho de 2019, 41,5% dos presos no país não têm condenação, ou seja, encontram-se na situação de prisão provisória. Um em cada três presos no Brasil responde por tráfico de drogas, segundo dados obtidos pelo G1 em 2017. (https://apublica.org/2020/04/o-que-pensam-os-juizes-que-estao-soltando-presos-em-meio-a-pandemia/)].

[2][https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociologia_criminal].

[3][Grifado por conta].

[4][El Covid en las Cárceles].

[5][Erving Goffman, https://pt.wikipedia.org/wiki/Erving_Goffman].

[6][17/1/2021, às 17h30, https://canaisglobo.globo.com/globonews/3180453/].

[7][https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-superlotacao-das-unidades-carcerarias-amazonenses-causas-consequencias-e-possiveis-solucoes/].

[8][Nesse sentido, Alexandre Langaro, in ‘Dogmática Penal por Artigos”, 2020, Amazon e ‘Execução Penal Humana Remição pela Tortura’, 2020, Amazon].

[9] [A Resolução 313/2020 CNJ determina:

Art. 4º No período de Plantão Extraordinário, fica garantida a apreciação das seguintes matérias:

VIII – pedidos de progressão e regressão cautelar de regime prisional, concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas e pedidos relacionados com as medidas previstas na Recomendação CNJ 62/2020].

[10][Art. 317 e seguintes do Código de Processo Penal].

[11][Grifado por conta].

 

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