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Pátria amada Brasil para quem? Panorama dos mecanismos legais e internacionais de garantia do Direito a vida das mulheres II

24/11/2020 - Fonte: ESA/OABSP

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Pátria amada Brasil para quem?

Panorama dos mecanismos legais e internacionais de garantia do Direito a vida das mulheres II

 

Beloved country Brazil for whom?

Overview of legal and international mechanisms to guarantee women's right to life II

 

Renata Miranda Lima[1]

 

Resumo: A presente pesquisa é dívida em dois artigos e tem como principal finalidade contribuir na discussão referente a violência contra a mulher conferindo ênfase ao Estado Brasileiro e suas ações para a concretização do Direito à igualdade disposto no artigo 5º da Constituição de República Federativa do Brasil. Considera-se que apesar dos avanços legislativos, o Brasil ainda está incipiente no desenvolvimento de políticas públicas efetivas e robustas. Nesse sentido, destaca-se a emergência de redes de proteção fortes e desenvolvimento de políticas públicas capazes de incidir sobre as novas e futuras gerações plantando uma nova compreensão sobre gênero e igualdade.

Palavra-Chave: Direito à igualdade, Mulheres, Violência de gênero, Convenção de Belém do Pará, Brasil.

 

Abstract: This research is divided into two articles and its main purpose is to contribute to the discussion regarding violence against women, emphasizing the Brazilian State and its actions for the realization of the Right to equality provided for in Article 5 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. Despite legislative advances, it is considered that Brazil is still incipient in the development of effective and robust public policies. In this sense, the emergence of strong protection networks and the development of public policies capable of impacting new and future generations, planting a new understanding of gender and equality, stands out.

Keyword: Right to equality, Women, Gender violence, Convemção de Belém do Pará, Brazil.

Conforme os dados apresentados no primeiro artigo considera-se preocupante o aumento do número de feminicídio nos Estados brasileiros[2]. Tais dados evidenciam o quão emergente é o fortalecimento de políticas e aparatos do Estado para a proteção de mulheres especialmente no que tange às delegacias especializadas e outros mecanismos públicos do Estado que poderiam adotar medidas para evitar o aumento de mortes. Ainda segundo pesquisa de 2017, o principal local de violência é na casa das vítimas[3].

Este retrato demonstra que o mesmo contexto que envolveu Maria da Penha em 1987 ainda assola mulheres na contemporaneidade. Corrobora o exposto, estudo do Ministério Público do Estado de São Paulo, que ao analisar 364 denúncias oferecidas entre março de 2016 e março de 2017, concluiu que mulheres são assassinadas em seus lares[4].

Segue gráficos que ilustram o exposto.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2017[5].

Nesse período de isolamento social essas informações se tornam mais alarmantes e exige do Estado uma postura ativa e efetiva para a redução de danos. A complexidade que envolve a questão exige cuidado e um olhar atento para desenvolver uma política pública robusta e capilarizada na sociedade. Ainda é importante observar que a violação do Direito à vida e as violências físicas são uma das diversas formas de violências contra mulher e esta tem altos índices no Estado brasileiro. Contudo, conforme pesquisas[6], existem outras formas de violência como o assédio sexual no transporte público, portanto, as delegacias precisam estar preparadas fisicamente como de forma digital e eletronicamente para atender as demandas por meio de investigação para seu posterior processamento judicial.

É importante mecanismo a longo prazo para avanço na redução de violência contra a mulher a inclusão nos planos pedagógicos escolares o estudo sobre gênero. No que se refere a esse tema, considera-se que esse é rameado por um caminho espinhoso no debate social, contudo, atender a esse tema tem respaldo tanto na recomendação da Comissão interamericana de Direitos Humanos no RELATÓRIO N° 54/01 CASO 12.051 de MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES/BRASIL julgado em 4 de abril de 2001[7], como encontra ponto de partida a Convenção de Belém do Pará[8].

Até a presente data a inclusão deste tema nos planos pedagógicos é polêmico e o Estado brasileiro tem se omitido na inclusão, em seus planos pedagógicos, de tópicos relacionados à igualdade de gênero. Entende-se que essa postura de ausência absoluta de medidas educacionais capazes de reduzir a violência estrutural e social contra a mulher plantada na construção da sociedade gera efeitos negativos para o Estado Brasileiro e afronta a Convenção de Belém do Pará.

Nesse sentido destaca-se que a Convenção de Belém do Pará, em seu artigo 6, alínea “b” dispõe que toda mulher tem o direito de “ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação”[9]. Para o cumprimento deste artigo, faz-se indispensável a criação de ações, por parte do Estado, direcionadas à educação para a igualdade de gênero.

É importante observar que, desde o ano de 2019, o Brasil tem sofrido diversos impasses no que se refere a ações capazes de conduzir ao cumprimento deste tema, em função do caráter preventivo para a redução da cultura de violência contra a mulher que esta assume. As preocupações colocadas estendem-se a todos os entes governamentais, em especial com relação ao executivo e ao legislativo em seus níveis municipal, estadual e federal. Como exemplo, destaca-se que recentemente, discutiu-se no Supremo Tribunal Federal, tentativa de proclamação de lei municipal de proibição a qualquer menção a gênero e sexualidade no sistema básico de educação em Londrina, Foz do Iguaçu e Paranaguá, municípios do Paraná[10], e em Nova Gama, município de Goiás. Já foram apresentadas na Corte pelo menos 11 ações contra leis municipais que proíbem a “ideologia de gênero”[11]. Embora as leis tenham sido suspensas diante de tal recurso jurídico, o simples fato de serem aprovadas nas respectivas câmaras legislativas municipais já é motivo para aflição daqueles que buscam a alteração da sistemática desigualdade de gênero no país. Inclusive, cabe pontuar a tramitação de mais de vinte projetos de lei contra a educação referente à desigualdade de gênero no Brasil a nível nacional, a maioria apensado ao PL 7180/2014 [12], de autoria do deputado Erivelton Santana (PSC-BA). Um dos projetos incluídos no conjunto é o projeto 1859/2015 [13], de autoria do deputado federal Alan Rick (PRB-AC), o qual busca a eliminação total do termo “gênero” das disciplinas escolares.

Destaca-se que a educação é o principal caminho para que as mulheres saibam reconhecer os diversos tipos de violência, assim como para um combate à complacência coletiva com a violência de gênero, tanto a nível básico, quanto no que se refere aos agentes de justiça. Como forma de evidenciar a ação no legislativo para afastar da educação o debate de igualdade de gênero segue trecho da lei do município de Ipatinga em Minas gerais sob o nº 3.491, de 28 de agosto de 2015 dispunha nos artigos 2º e 3º que:

 

Art. 2º O Poder Executivo Municipal adotará, além das diretrizes definidas no art. 214 da Constituição Federal e no art. 2 o da Lei Federal 13.005, de 2014 – excetuando o que se referir à diversidade de gênero – as diretrizes específicas do PME: [...]

Art. 3º Caberá ao Poder Executivo Municipal a adoção das medidas governamentais necessárias à implementação das estratégias para o alcance das metas previstas no PME, não podendo adotar, nem mesmo sob a forma de diretrizes, nenhuma estratégia ou ações educativas de promoção à diversidade de gênero, bem como não poderá implementar ou desenvolver nenhum ensino ou abordagem referente à ideologia de gênero e orientação sexual, sendo vedada a inserção de qualquer temática da diversidade de gênero nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas[14].

 

No que se refere às condutas do executivo nacional, preocupa a retórica que tem permeado os discursos oficiais, singularizando e atacando os direitos humanos que tem se transformado em uma crescente no país. A título de exemplo, ressalta-se que o Ministério da Educação publicou uma versão de edital que orientava a produção de livros escolares que abordassem violência contra as mulheres e promoção das culturas quilombolas e dos povos do campo[15]. Contudo, no mesmo dia, o Governo recuou em relação a esta medida[16], alegando se tratar de uma “doutrina de esquerda” e que expressão do que chamam de “ideologia de gênero”, sendo, portanto, prejudicial à saúde familiar o ensinamento sobre questões de gênero [17].

A situação é ressaltada ainda por situações como, em 25/02/2019, ter-se pronunciado o Ministro da educação em sentido favorável ao combate às fictícias categorias de “ideologia de gênero” e “marxismo cultural”, impedindo que “pautas nocivas aos costumes sejam impostas ao país”. No mesmo sentido, em manifestação pública do Ministério da educação, afirmou ser “preciso combater o que se denominou de ideologia de gênero, com a destruição de valores culturais, da família, da igreja, da própria educação e da vida social”[18]. O pronunciamento, ainda, não se deu de forma vaga, uma vez que posturas condizentes com ele foram tomadas anterior e posteriormente a este. Estas ações do Estado brasileiro se mostram contrárias especialmente ao artigo 8º, alínea “b” da Convenção de Belém do Pará que dispõe ser dever do Estado promover o conhecimento do direito da mulher de ter uma vida livre de violência, bem como a:

 

A modificação dos padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher[19].

 

Ainda nestes termos, a alínea “e” do mesmo artigo dispõe ser dever do Estado:

 

promover e apoiar programas de educação governamentais e privados, destinados a conscientizar o público para os problemas da violência contra a mulher, recursos jurídicos e reparação relacionados com essa violência[20].

 

Com base no quadro tecido quanto à realidade brasileira e a partir da  Convenção de Belém do Pará[21], verifica-se a emergência de que se criem ações educacionais voltadas a promover a igualdade de gênero e eliminar a discriminação e a violência nos ambientes escolares e capazes de subsidiar conhecimento e mecanismos para que crianças se tornem canal de identificação de violência no lar. No que tange tal ponto, se reconhece a omissão do Estado em criar programas capazes de disseminar potenciais mecanismos de redução da violência de gênero.

Entende-se que apenas assim o Estado será capaz de cumprir com a redução de violência contra a mulher a longo prazo de forma estrutural, pois somente mecanismos de educação nas escolas é capaz de alterar a desigualdade de gênero estrutural no país.

Por fim é importante apontar que, as diversas formas de violência contra a mulher ainda se perpetuam em razão da ausência de políticas que promovam educação para a igualdade de gênero que culmina na manutenção de violências estruturais.

Assim, considera-se que apesar dos avanços legais ainda é indispensável a criação de uma rede forte de proteção as mulheres a curto prazo. Contudo, a longo prazo, o Estado brasileiro precisa adotar medidas estruturais e educacionais capazes de mudar o modo de viver da sociedade, pois somente alterando as velhas formas e pelo câmbio real é possível caminhar distinto.

 



[1] Advogada. Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia ESA/OAB-SP. Mestre em Direito. Coordenadora Adjunta do Núcleo de bolsas e desenvolvimento Acadêmico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM. Especialista em negociação, conciliação e mediação em resolução de conflitos pela Universidade Castilla La Mancha - UCLM. Pós-Graduada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM em parceria com o Instituto Ius Gentium Conimbrigae (IGC) Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Direitos Fundamentais Internacionais.

[2] Fórum de Segurança Pública. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 – ed. 2º 29 de maio de 2020, p. 5 - 6.

[3] LIMA, Renata Miranda; LIMA. Stefani Miranda; CROCE, Mayla; MUSSARA, Raissa. Combate à violência contra a mulher e contra a criança no mundo é urgente! Parte II (dados do agravamento à violência contra a mulher no Brasil). Escola Superior da Advocacia de São Paulo. Disponível em: <https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=243>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[4] MPSP. Raio X do feminicídio em São Paulo: É possível evitar a morte. 2017, p. 9.

[5] Ibid.:

[6]LIMA, Renata Miranda. Mulheres negras: a relação de mobilidade urbano periférica com a permanência na educação superior. Revista da Defensoria Pública da União.  n. 12 (2019):. Disponível em: <https://revistadadpu.dpu.def.br/index.php/revistadadpu/article/view/258>.  Último acesso de 19 de agosto de 2020.

 

JIRÓN, Paola; SINGH, Dhan Zunino. Mobilidad Urbana u Género: experiencias latinoamericanas. Revista Transporte y Territorio. nº 16: 2017. p. 2-3 Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/3330/333051591001.pdf>.  Último acesso de 19 de agosto de 2020.

 

BALBONTÍN, Patricio Rozas. ARREDONDO, Liliana Salazar. Violencia de género en el transporte público Una regulación pendiente. CEPAL - Serie Recursos Naturales e Infraestructura N° 172. p, 55 Disponível em <https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/38862/S1500626_es.pdf?sequence=1&isAllowed=>.Último acesso de 19 de agosto de 2020.

[7] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - CIDH.  RELATÓRIO N° 54/01 CASO 12.051 de MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES/BRASIL julgado em 4 de abril de 2001. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm>. Acesso em 20/10/2020.

[8] Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. (Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral). Promulgado no Brasil pelo Decreto 1.973 de 1º de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[9] Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. (Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral). Promulgado no Brasil pelo Decreto 1.973 de 1º de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[10] BRASIL. Lei nº EL000552018.

[12] BRASIL. Câmara de Deputados. Projeto de Lei nº 7180/2014. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606722. Anexo VI>. Último acesso de 02 de setembro de 2020.

[14] Brasil. MINAS GERAIS - Ipatinga. Lei nº 3.491/2015. Disponível em: <https://www.ipatinga.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx?cdLocal=5&arquivo={EACA8C15-0CB1-DEBE-C1EC-4E48A36E7BCC}.pdf>. Último acesso de 11 de agosto de 2020

[15] Folhapress. “Gestão Bolsonaro muda edital de livros, abre margem para erros e retira violência contra a mulher”. Disponível em https://www.bemparana.com.br/noticia/gestao-bolsonaro-muda-edital-de-livros-abre- margem-para-erros-e-retira-violencia-contra-a-mulher#.XYp0-i2ZM0Q>. 09/01/2019 Último acesso de 11 de agosto de 2020

[16] Diário de Pernambuco. Após polêmica, MEC recua e anula mudanças em edital de livros didáticos. Disponível em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/brasil/2019/01/apos-polemica-mec- recua-e-anula-mudancas-em-edital-de-livros-didatico.html >. 09/01/19. Último acesso de 11 de agosto de 2020

[17] Folha de São Paulo. Gestão Bolsonaro muda edital de livros, abre margem para erros e retira violência contra a mulher. <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/01/gestao-bolsonaro-retira-violencia-contra-mulher-e-quilombo-de-edital-de-livros.shtml>. Último acesso de 19 de agosto de 2020

[18] SENADO FEDERAL. Notícias. Ministro da Educação fala sobre ideologia de gênero e Escola sem Partido, 2019. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/02/25/ministro-da-educacao-fala-sobre-ideologia-de-genero-e-escola-sem-partido>. Último acesso de 11 de agosto de 2020

[19] Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. (Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral). Promulgado no Brasil pelo Decreto 1.973 de 1º de agosto de 1996.  Artigo 8º B. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Último acesso de 11 de agosto de 2020

[20] Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. (Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral). Promulgado no Brasil pelo Decreto 1.973 de 1º de agosto de 1996.  Artigo 8º B. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Último acesso de 11 de agosto de 2020.

[21] Ibid.:

 

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