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Advocacia e Práticas Sustentáveis Relacionadas ao Meio Ambiente

16/09/2020 - Fonte: .

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Advocacia e Práticas Sustentáveis Relacionadas ao Meio Ambiente

 

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]

 

Resumo: Este artigo objetiva discorrer a respeito do estabelecimento de diretrizes globais rumo ao desenvolvimento sustentável e sua incorporação pela advocacia, destacando aquelas relacionadas ao meio ambiente. Para tanto, realiza resgate teórico dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, do Pacto Global e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, apontando práticas de potencial aproveitamento por parte de advogados e escritórios de advocacia que caminhem ao encontro do referencial teórico abordado.

Palavras-chave: Advocacia; Objetivos do Desenvolvimento Sustentável; Meio Ambiente; Pacto Global.

 

O estabelecimento de práticas ambientalmente sustentáveis vem sendo ancorado, ao longo das últimas décadas, na paulatina incorporação e consequente tradução em recomendações, Declarações e Acordos supranacionais, via instituições internacionalmente fundadas para a promoção de objetivos comuns relacionados ao controle de tensões e ao balanço global e local de metas para o desenvolvimento, a exemplo da Organização das Nações Unidas.  

A ONU foi fundada em 24 de outubro de 1945, num cenário de pós-guerra, pela reunião, a princípio, de 50 representantes internacionais (obviamente a fundação e seus desdobramentos não estão isentos de críticas quanto a interesses pessoais ou de determinadas nações), mas, de todo modo, em sua carta de fundação o mote era  “estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes de direito internacional pudessem ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla.”, pra isso, as ferramentas imaginadas foram o emprego de “um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos”. Assim, em 1945 não havia ainda o clamor por um “desenvolvimento sustentável” mas por um “progresso econômico e social de todos os povos”[2].

Em seguida, em 1948, tem-se a declaração Internacional de Direitos Humanos, documento fundamental até os dias de hoje como norteador de nossos quadros normativos e políticas públicas. E, após isso, com o advento de um ecologismo, enquanto movimento político, social e global de atenção para a defesa e proteção do meio ambiente, tem-se, em 1983, a criação da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que foi presidida por Gro Harlem Brundtland, na época primeira-ministra da Noruega ao lado de Mansour Khalid, com o objetivo de promover audiências em todo o mundo e produzir um resultado formal de discussões nesse sentido.

Em 1987, o documento Our Common Future (Nosso Futuro Comum) apresentou uma definição de “desenvolvimento”, enquanto um processo que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. É a partir daí que o conceito de desenvolvimento sustentável passa a ficar conhecido como modelo que supõe que não haja a estagnação do crescimento econômico, mas a conciliação com as questões ambientais e sociais.

Em 2000, institui-se o Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento – PNUD, e com ele os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio). Àquela época, os maiores desafios estavam fortemente voltados à eliminação da fome e da extrema miséria no planeta. Como mote tinha, então: “Eliminar a fome e a extrema miséria do planeta até 2015”.

Após esse período, vê-se uma mudança nos indicadores de tais questões, inclusive no Brasil, acompanhada da busca pela incorporação dos objetivos do milênio. A título de Exemplo, temos:

Figura 1. ODM, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio lançados no ano (PNUD, 2000).

Figura 2. Indicadores no Brasil (FONSECA, 2018).

Paralelamente, institui-se o Pacto Global,  lançado no ano 2000 pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, como uma chamada para as empresas alinharem suas estratégias e operações a 10 princípios universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção e desenvolverem ações que contribuíssem para o enfrentamento dos desafios da sociedade[3].

Atualmente, o Pacto Global é a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, contando com cerca de 13.000 membros conectados em mais de 160 países[4]. Participam as pequenas, médias e grandes empresas, academia e organizações da sociedade relacionadas ao setor privado. A sede do Pacto Global fica em Nova York, EUA.

Figura 3. Princípios do Pacto Global (ONU, 2020).

O Pacto é uma versão de incorporação de princípios pelas empresas, dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM. Em setembro de 2015, durante a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em Nova York, foi lançada a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que inclui os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), formalmente adotada por consenso pelos 193 países-membros da ONU, já com uma necessidade de objetivos mais concretos do ponto de vista ambiental global, agora com 17 objetivos[5].

Figura 4. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015).

 

Por fim, durante a 21ª Conferência das Partes, a COP 21, realizada em dezembro de 2015, em Paris, o primeiro acordo juridicamente vinculativo para que todas as nações enfrentem a mudança global do clima, implicando em metas individuais dos países signatários com a redução de emissões de Gases do Efeito Estufa. Em 2016, o Brasil comprometeu-se em reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005 em 2025 (MMA, 2018, p. 03).

Os 17 Objetivos são compostos por 169 Metas e 230 Indicadores. Relacionados ao Meio Ambiente, temos os seguintes ODS:

A expectativa é que a incorporação destes objetivos por parte do poder público e da sociedade civil seja realizada de baixo para cima, em reflexo ao senso de responsabilidade em relação ao direito à sustentabilidade[6].

A Advocacia, enquanto sujeito de direitos e deveres, tem como praxe a argumentação em defesa de interesses reconhecidos como universais, como o Estado de direito e a democracia[7]. Neste sentido, a advocacia autônoma ou societária, para cumprir com tais objetivos de forma objetiva, pode adotar as seguintes práticas[8], em maior ou menor quantidade, a depender do porte do escritório ou do ambiente de trabalho adotado para a realização profissional:

Colaborar com o consumo consciente de luz, estimulando a economia e utilização responsável. Podem ser adotadas medidas como a substituição de lâmpadas convencionais pelas de tecnologia LED, hibernação de computadores em períodos de inatividade e controle constante das lâmpadas acesas no ambiente de trabalho, priorizando a luz natural.

Incentivar a gestão do uso da água, promovendo campanhas para o consumo consciente dentro dos escritórios. Adotar dispositivos de redução do consumo dos diversos equipamentos hidráulicos. Implementar sistema de tratamento e/ou reaproveitamento do uso da água (a água da chuva, e a água liberada pelos aparelhos de ar condicionado podem ser utilizadas para o cuidado de plantas no ambiente profissional).

Instituir campanhas para a devida coleta seletiva de resíduos (separação de papel, metal, vidro, plástico e orgânico), disponibilizando recipientes distribuídos nos pontos estratégicos do ambiente de trabalho. Estimular, constantemente, a devida separação, observando se a cor dos lixos plásticos está de acordo para determinado resíduo.

Instalar composteiras destinadas à transformação dos resíduos orgânicos e reaproveitamento destes na forma de adubo.

Orientar sobre a necessidade de destinar descarte diferenciado para medicamentos vencidos ou em desuso. Há postos de coletas específicos para tais produtos, normalmente localizados em farmácias da região.

Reduzir a impressão de papéis, restringindo a prática somente em casos absolutamente necessários e estimulando a utilização de armazenamento online. Ainda, implantar medidas como: impressão de documentos em frente e verso; duas impressões em uma página; utilização de papel rascunho e, se possível, reciclado, reduzindo o uso de papel branco, inclusive quando da utilização para cartões em geral.

Reciclar e/ou providenciar destinação correta aos toners, cartuchos de tinta e demais materiais utilizados no ambiente profissional, sempre que possível, a fim de contribuir, também, para a disseminação de uma cultura de reciclagem de materiais. Folhas impressas podem ser utilizadas para anotações e recados; sacos plásticos podem ser utilizados em lixos nos mais diversos ambientes, por exemplo.

• Evitar o uso desnecessário de papel, dando preferências ao formato eletrônico pela internet (como no caso de jornais, revistas, livros, periódicos, legislações entre outros). Em havendo a intenção de descartar esses materiais, quando impresso, priorizar a doação a entidades que possam utilizá-los em bibliotecas solidárias, ou então a instituições que possam dar a devida destinação.

• Informar a respeito da responsabilidade compartilhada (dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes) sobre o retorno dos produtos, tal qual prevê a Lei no 12.304/2010, que trata da Logística Reversa.

• Evitar o uso de aparelhos de ar-condicionado, priorizando os casos extremamente necessários. Em havendo necessidade, priorizar pela instalação individualizada, evitando a instalação de grandes centrais e mantê-los constantemente limpos para evitar a proliferação de fungos e bactérias que possam causar doenças respiratórias, além de evitar maior consumo de energia elétrica.

Implantar pontos de coleta de materiais eletrônicos e outros materiais de descarte diferenciado (como pilhas e baterias) no ambiente profissional, a serem enviados às instituições especializadas para a destinação adequada.

Criar a cultura de doação de computadores antigos e demais eletrônicos para instituições que possam reutilizá-los, ainda que como lixo eletrônico, por meio de parcerias com escolas, ONGs, ou outras instituições, possibilitando a oportunidade de uso e/ou geração de renda para tais entidades.

• Substituir copos plásticos por utensílio de vidro (como copos, xícara de café e canecas) por serem reutilizáveis. Manter garrafinhas próprias, individuais (tipo squeeze), para o consumo de água é uma boa prática para colaborar na transformação de atitudes no ambiente de trabalho.

Estimular o transporte compartilhado, a fim de reduzir o número de veículos, instituindo a prática da “carona solidária” no ambiente de trabalho, no intuito de contribuir para a redução das emissões dos gases do efeito estufa.

• Em caso de existência de locais destinados à alimentação (como cantinas, lanchonetes e refeitórios) no ambiente de trabalho, instituir planos de contenção do desperdício alimentar, por meio de campanhas de conscientização.

• Fazer campanhas internas para estimular a adesão de meios de mobilidade urbana sustentável. Criar espaço, se possível, para o acondicionamento de bicicletas e patinetes. Verificar a possibilidade de subsidiar ou firmar parcerias para o uso de locação de meios de transporte de locomoção sustentáveis.

A arborização em espaços do escritório, como o cultivo de vasos e jardins, pode ser uma boa maneira de cultivar áreas verdes e demonstrar o cuidado com a natureza.

Verificar a quantidade de emissão de CO2 (dióxido de carbono), responsável pelo aumento do efeito estufa, tanto a nível individual (por advogados, advogadas e colaboradores) quanto pelo próprio escritório, considerando os hábitos de consumo, a fim de buscar medidas práticas para viabilizar a redução e neutralização de carbono emitido.

Contratar fornecedores de bens e serviços que mantenham práticas comprovadamente sustentáveis em suas cadeias de valor.

Recusar produtos e serviços que agridam a saúde e o meio ambiente.

Engajar advogados, advogadas e colaboradores em campanhas relativas a determinadas datas comemorativas relacionadas ao meio ambiente, em âmbito nacional e internacional, tais como: Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas (16/03), Dia Mundial Florestal (21/03), Dia Mundial da Água (22/03), Dia do Índio (19/04), Dia da Terra (22/04), Dia Internacional da Biodiversidade (22/05), Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), Dia do Controle da Poluição Industrial (14/08), Dia da Árvore (21/09), Dia do Consumo Consciente (15/10), Dia Internacional dos Povos Indígenas (10/12).

As razões pelas quais os escritórios devem inserir práticas de melhoria de seu desempenho ambiental, além da notória contemplação de um direito/dever ao meio ambiente equilibrado preconizado pela Constituição Federal por força do artigo 225 e do consequente arcabouço regulatório relacionado, incluem[9]:

A incorporação dos princípios do pacto global e dos objetivos do desenvolvimento sustentável deve ser encorajada por toda sociedade, a começar, pelo papel de promoção de Direitos e Garantias Fundamentais, por advogados e advogadas em suas práticas socioambientais e em seus locais de trabalho. Por ora, tratou-se dos objetivos relacionados ao meio ambiente e seus recursos em sede da atuação advocatícia, novos grupos de práticas relacionadas ao trabalho digno, a direitos humanos, e a instituições promotoras da paz e justiça serão abordadas em textos futuros.



[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XIII, Villetaneuse (Sociologie/Droit). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1436-406X.

[2] ONU. Organização das Nações Unidas. Histórico. 2020.

[3] ONU, Organização das Nações Unidas. Pacto Global. 2020.

[4] ONU, Organização das Nações Unidas. Pacto Global. 2020.

[5] ONU. Organização das Nações Unidas. ODS, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, 2020.

[6] FERREIRA, G. A. Desenvolvimento Sustentável e a relação comércio-meio ambiente: subsídios para uma análise econômica. Florianópolis: Conpedi, 2015 (Artigo).

[7] BONELLI, M. G.; OLIVEIRA, F. L. A política das profissões jurídicas: autonomia em relação ao mercado, ao estado e ao cliente. Revista de Ciências Sociais (Fortaleza), Fortaleza, v. 34, n.1, p. 99-114, 2003.

[8] OABPR. Guia de Práticas Ambientalmente Sustentáveis na Advocacia.

[9] FRANÇA, Marco A. Além do lucro: O desafio pela competição responsável. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

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